Saltar muros para recompor a vida
O Muro de Berlim, o muro que separa a fronteira entre México e EUA, o muro de contenção da verdade da mídia oligopólica e o Muro da Mauá em Porto Alegre
Depois da derrubada do Muro de Berlim, os muros do mundo passaram a ter outros significados. Três deles, de forma aleatória, me surgem na memória nesse momento de Porto Alegre, quando as chuvas parecem atenuar seu potencial destrutivo sobre a cidade desprotegida: o muro de contenção da verdade, organizado pela união política espontânea da mídia oligopólica no mundo “global”; o muro de contenção dos miseráveis na fronteira entre o México e os Estados Unidos, depois de séculos de exploração neocolonial dos EUA sobre a América Latina; e o nosso Muro da Avenida Mauá.
O “nosso Muro” — o da Mauá — tanto pode ser o símbolo de um desastre causado pelos limites estratégicos do nosso poder de estado federado, para mudar os rumos da crise ambiental e social do Século XXI, como pode ser o ícone de um momento de redenção. Basta querer: pensar, acordar e planejar, aproveitado tanto a energia dos “grandes”, que sempre querem ganhar dinheiro com as crises (modelando sua ação numa estratégia de interesse público formatada pelo Estado nacional) como colocando no centro do planejamento político e técnico, a defesa do ambiente, a sustentabilidade, novas tecnologias infodigitais e promoção dos interesses sociais, culturais e econômicos dos mais pobres e remediados, arruinados pela catástrofe.
O primeiro muro que me veio à memória é o muro de contenção da verdade, que as mídias hegemônicas erguem sobre fatos políticos e militares significativos, que poderiam desgastar o seu poder hegemônico para a formação da opinião na globalização imperial-colonial. É um processo que concentra privilégios e visa dominar territórios estratégicos para as guerras futuras.
Exemplo flagrante deste muro de contenção da verdade erguido pela mídia, visa transformar a guerra que o governo neofascista de Israel — não seu povo — trava contra os palestinos da Faixa de Gaza numa guerra entre uma organização terrorista e um Estado, ou que ela se trata de guerra justa entre “dois povos” que buscam sobreviver.
Assim como no Massacre de Timisoara (Agamben) os cadáveres foram (des) sepultados e “torturados” para justificar — pela mídia — os massacres perpetrados pelos vingadores dos mortos desenterrados, para agregar sobre eles simulação de torturas (os mesmos métodos que uniram os experimentos de Auschwitz com incêndio do Reichstag), no caso da “guerra contra o Hamas” o governo de Israel faz — contra os palestinos — uma nova síntese: entre a devastação de Guernica e as bombas incendiárias dos EUA, lançadas sobre os camponeses vietnamitas.
O segundo muro que me recordei é o muro de contenção dos miseráveis erguido entre o México e os Estados Unidos, que ocupa uma linha fronteiriça de 3.140 km, dezenove vezes maior que o Muro de Berlim. Sua função é reter os famintos com uma brutalidade só comparável à liberdade de trânsito dos capitais especulativos — entre todas as regiões e países do mundo — através do qual se legitimam os fluxos de dinheiro, tanto do crime organizado em escala global, como dos capitais “legais” para acumulação sem trabalho, sustentados pelos orçamentos dos países endividados.
Este muro de contenção dos miseráveis não perde em nada para o Muro de Berlim como instrumento de disputa intercapitalista, para reforçar o poderio nacional dos países centrais — não mais com a disputa entre dois modelos de sociedade que já faliram historicamente — tanto na questão social como na sustentabilidade ambiental, mas para manter territórios sob ocupação ou influencia, com seu domínio geopolítico acordado através da diplomacia de guerra, em guerras que eles mesmos promovem, acordam, depois retomam em todos os cantos do mundo.
O terceiro muro é o nosso Muro da Mauá. E não se trata de somente saltar sobre ele, mas de compreender que depois da ajuda humanística, na primeira fase — e da reconstrução do patrimônio público e privado perdido com a hecatombe (na segunda fase) — trata-se não de reconstruí-lo, simplesmente, mas de através dele sinalizar a construção de um novo modelo de desenvolvimento econômico com características distintas para o Estado: um modelo que seja capaz de influenciar o Brasil, fazendo jus à nossa capacidade de influenciar o mundo, como tem ocorrido no presente com a política externa do Presidente Lula.
Menos do que isso é covardia empírica e conciliação com as formas de desenvolvimento atrasado sem sustentabilidade ambiental, que vem destruindo as condições de vida no planeta e que – por uma certa inércia nas formas de decidir do Estado democrático — facilitam a política dos salvacionistas autoritários, nazistas e fascistas, que sustentam que só a força de um governo autoritário pode solucionar as mazelas legadas pelo capitalismo selvagem.
A reconstrução do sistema de proteção contra as cheias, na verdade é a chave da construção deste novo modelo, através de medidas socioambientais, projetos educacionais, reformas legais, obras de engenharia e de reordenamento dos territórios adjacentes ao Sistema, que combinem planejamento e execução de zonas de amortecimento, canais de dispersão das águas, desapropriação de terras por interesse social para parques de proteção ambiental, construção de moradias populares protegidas, bem como — nestes locais — estímulo para a alocação de empresas para produção de energias alternativas, utilizando as novas tecnologias que estão postas à disposição nos países mais desenvolvidos nesta área.
Para a construção deste modelo — o único capaz de sinalizar um novo relacionamento da comunidade e do Estado com o meio ambiente — é necessário demonstrar social e materialmente a capacidade de convívio dos seres humanos com a naturalidade, no lugar em que elas estão. E ele começa agora e por dentro das duas primeiras etapas e fases já mencionadas. Um exemplo concreto destas medidas urgentes é a imposição nos contratos de financiamento para a recuperação das empresas da malha produtiva em crise, de uma cota obrigatória para projetos de recuperação ambiental, nas respectivas regiões que estas empresas se situam.
Depois que se esgotarem os prazos de manutenção da atual estrutura estatal de “reconstrução”, bem decidida emergencialmente pelo Presidente Lula, penso que o governo federal deveria instituir legalmente uma Alta Autoridade, que passe a coordenar, por fora do contencioso político imediato, com os governos municipais e estadual a condução, em acordo com experts mundiais e nacionais e particularmente com a nossa rede de universidades públicas e privadas, por um prazo mínimo de seis anos, um grande esforço de construção do novo Rio Grande, para nós e para o Brasil: um Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo. Fora disso é enxugamento de gelo e reposição de privilégios.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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