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    Marcelo Auler

    Marcelo Auler, 68 anos, é repórter desde janeiro de 1974 tendo atuado, no Rio, São Paulo e Brasília, em quase todos os principais jornais do país, assim como revistas e na imprensa alternativa.

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    Salvem o porteiro! Já!

    "Independentemente dos motivos que o levaram a fazer os registros escritos e confirma-los nos depoimentos, ele não pode ficar à mercê dos milicianos do Rio de Janeiro. Precisa receber proteção efetiva do Estado", defende o jornalista Marcelo Auler ao escrever sobre a denúncia que conecta Jair bolsonaro aos suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco

    Por Marcelo Auler, em seu Blog e para o Jornalistas pela Democracia

    Ninguém duvida que no Condomínio Vivendas da Barra há moradores milicianos. A quantidade deles ainda está por ser apurada, mas que existem, não resta dúvida.

    Milicianos, no Rio de Janeiro, a história tem demonstrado, são capazes de tudo. Normalmente, esse tudo sempre se dá ao arrepio da lei. Ou seja, dentro da criminalidade.

    No dia 14 de março de 2018, portanto muito antes de se iniciar a disputa eleitoral do ano passado, o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, na Av. Lúcio Costa, Barra da Tijuca (RJ), no estrito cumprimento de suas funções, registrou no livros e/ou fichas de controle dos acessos ao condomínio, o ingresso do Logan placa AGH 8202, tendo como destino a casa de número 58. O registro mostra que o ingresso do carro, dirigido por Élcio Vieira, ocorreu às 17h10.

    Certamente, ao cumprir estritamente seu dever profissional, ele jamais imaginaria que o ocupante daquele carro, horas depois, às 21h30, do outro lado do Maciço da Tijuca, a quilômetros de distância dali, participaria do assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSO e de seu motorista, Anderson Gomes. Talvez o porteiro nem soubesse quem era Marielle.

    Sem poderes premonitórios, o funcionário do condomínio também jamais preveria que, sete meses e meio à frente, em 28 de outubro do mesmo ano, o morador da casa 58, Jair Messias Bolsonaro, se elegeria o 38º presidente da República, com 55 milhões de votos. Portanto, ele não tinha motivo algum para registrar erroneamente a entrada daquele carro.

    Muito provavelmente, entre os milhões de eleitores do “mito” pode estar o porteiro que, na tarde daquela quarta-feira (14 de março), cumprindo seu dever, registrou o ingresso do Logan, transportando um futuro assassino, que anunciou como destino a casa onde morava o futuro presidente da República.

    A hipótese de erro no registro acabou afastada quando o referido porteiro, em 7 e 9 de outubro passado, ao prestar depoimentos na Delegacia de Homicídios do Rio, confirmou os dados. Tal como notiuciou o Jornal Nacional, da TV Globo, em 29 de outubro, nos depoimentos esclareceu ter ligado duas vezes para a casa 58 – de Bolsonaro – falando com o “Seu. Jair”,

    Na primeira ligação recebeu autorização para deixar o carro entrar. Na segunda, questionou o fato de o visitante – Élcio Vieira, como consta do registro – ter ido para a casa 66 e não para a 58. Então, segundo o depoimento, “Seu Jair” disse que “sabia para onde Élcio estava indo”.

    Com base no registro de entrada do carro com destino à casa 58 e nos depoimentos do porteiro na Delegacia de Polícia, a TV Globo, no seu papel de informar, deu divulgação ao furo obtido por seus repórteres. Fez o seu papel.

    Sem dúvida, como pontuou Luís Nassif – Se fizer jornalismo, a Globo conseguirá ressuscitar a denúncia – poderia ter trabalhado melhor a notícia, evitando dar margens a desmentidos. Mas, acostumada aos vazamentos da Lava Jato – que “transformou a imprensa em mera publicadora de releases”, como salientou Nassif -, levou ao ar o que recebeu. Não buscou detalhes que comprovassem ou desmentissem os fatos. Como, por exemplo, a inexistência de interfones naquele condomínio, informação importante dada por uma fonte ao mesmo Nassif.

    A divulgação pela TV Globo levou o Ministério Público do Rio, através de três promotoras – Simone Sibilio do Nascimento, Letícia Emile Alqueres Petriz e Carmem Elza Bastos de Carvalho, do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – açodadamente concluir que “o porteiro mentiu!”, tal como vários sites e jornais divulgaram.

    Estranha a pressa com que as três promotoras – entre as quais Carmem de Carvalho, que como Leandro Demori divulgou no The Intercept (Urgente: a promotora do caso Marielle precisa ser afastada) é uma declarada eleitora de Bolsonaro – correram a querer desmentir o porteiro, antes mesmo de ouvi-lo novamente (lembremos, os depoimentos foram prestados à polícia).

    Mais estranho ainda na entrevista convocada para duas horas depois da apresentação dos quesitos aos peritos – veja abaixo cronograma do caso – é se verificar que o MP-RJ já falhou ao só recolher os registros de entrada no condomínio dia 5 passado. Sem falar que não se sabe os horários de saída desses visitantes: há registros? Onde? O que dizem?

    Respaldaram-se em um laudo pericial que confirmava ser a voz de Lessa, no áudio entregue pelo Condomínio à Polícia Civil. Gravação esta que ficou por cerca de um mês parada entre a polícia e o MP-RJ, sem ser analisada a contento. A perícia, como se constatou, foi pedida uma hora antes da entrevista em que as promotoras desmentem o porteiro. Garantiu apenas não ter havido adulteração no que lhe foi mostrado, confirmando ali a voz de Lessa.

    Como muito já se falou, inclusive em recente matéria do El PaísPerícia incompleta em áudios do condomínio de Bolsonaro expõe nova falha em caso Marielle – os peritos não tiveram acesso a tudo, a começar pelo HD completo do sistema de comunicação entre a portaria e os moradores do condomínio. Sem isto, ficam sem respostas questões básicas, como a possibilidade de terem substituído gravações do sistema.

    Poderiam, ainda, a partir do cadastro de entrada de visitantes do condomínio apreendido no dia 5 de outubro, conferir as gravações do sistema daquele dia com a lista de visitantes que passaram pela portaria. O registrado no papel confere com o que se encontra nos áudios?

    Sem uma perícia completa não se sabe, por exemplo, se é verdadeira a informação passada pela fonte a Luís Nassif da inexistência de interfones no condomínio. Se, como informou a fonte, ligações são feitas para celulares dos moradores, nada impediria de Jair Bolsonaro, mesmo em Brasília, ter sido procurado pelo porteiro na tarde do dia 14 de março de 2018.

    Caso fique comprovado que a comunicação também ocorre por meio do celular do proprietário, a decisão da Procuradoria Geral da República de arquivar a Notícia de Fato levada ao Supremo pelo Ministério Público do Rio, pode se mostrar também precipitada. Afinal, foi tomada com base na dedução de que estando na Câmara dos Deputados, em Brasília, o dono da casa 56 não poderia ter falado com o porteiro. Será?

    Há, porém, outro detalhe que parece passar desapercebidos por todos. Como já se disse, sem a perícia completa no sistema de comunicação da portaria do condomínio com as residências do mesmo, não se pode atestar se houve ou não enxerto de gravações.

    A perícia foi feita em um único áudio, teoricamente registrado naquela mesma data. Peritos confirmaram que a voz era de Lessa, o suspeito da morte de Marielle, morador da casa 66. Mas com quem ele falou nesse áudio? Foi o mesmo porteiro ouvido pela polícia, ou outro funcionário do condomínio? A final, o laudo pericial especifica apenas que houve “identificação positiva para Ronnie Lessa”. E seu interlocutor, quem era? O mesmo porteiro que fez o registro no papel?

    Repetindo-se o que se disse acima, “ninguém duvida que no Condomínio Vivendas da Barra há moradores milicianos (…) Milicianos, no Rio de Janeiro, a história tem demonstrado, são capazes de tudo. Normalmente, esse tudo sempre se dá ao arrepio da lei. Ou seja, dentro da criminalidade”.

    Logo, diante de todo este emaranhado de versões, é fundamental que se salve o porteiro. Independentemente dos motivos que o levaram a fazer os registros escritos e confirma-los nos depoimentos, ele não pode ficar à mercê dos milicianos do Rio de Janeiro. Precisa receber proteção efetiva do Estado.

    Afinal, sem que nada mais tivesse feito a não ser o estrito cumprimento de suas funções na portaria e, independentemente de sua vontade, foi colocado no olho do furacão.

    Ele estava em férias. A esta altura, deve estar desempregado pois ele próprio não deverá mais querer privar da companhia de determinados moradores do Condomínio Vivendas da Barra. Sem falar que o próprio condomínio pode estar pensando em demiti-lo.

    Mais uma vez lembrando Nassif, no caso do impeachment de Fernando Collor, o motorista Eriberto França, cujo depoimento foi essencial, na época foi colocado sob segurança por iniciativa da redação da revista Isto É.

    Mais do que o possível desemprego, o porteiro do Vivendas da Barra passa a ter a sua vida e a de seus familiares em risco. O Estado tem a obrigação de protege-lo. Já. Imediatamente.

    Cronologia do caso do porteiro

    • 22/01/2019 – Mulher de Ronnie Lessa manda msg com folha de registros de entradas no condomínio em 14 de março de 2018 com a recomendação: “avise ao Élcio!”. Ali consta Élcio Vieira Queiróz;
    • 24/01/2019 – Lessa e Queiróz são ouvidos na Delegacia de Homicídios sobre a morte de Marielle;
    • 12/03/2018 – Prisão de Élcio Vieira Queirós e Ronnie Lessa, como suspeitos da execução de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes;
    • ??/10/2019 – MP-RJ recebe resultado da perícia do celular de Lessa e constata folha de registros de entrada no Condomínio Vivendas da Barra enviada pela mulher dele em janeiro;
    • 04/10/2019 – Ronnie Lessa, em depoimento à Justiça, confirma que recebeu Élcio Queiróz em sua casa no dia 14 de março de 2018;
    • 4/10/2019 – MP-RJ pede à Justiça busca e apreensão na portaria do Vivendas da Barra;
    • 05/10/2019 – Busca e apreensão no condomínio para resgatar planilha de controle de entrada de visitantes;
    • 07/10/2019 – Porteiro é ouvido pela primeira vez na Delegacia de Homicídios e revela que visitante anunciou ir à casa 58, de Jair Bolsonaro;
    • 07/10/2019 – Síndico entrega mídia com gravações das conversas à Polícia Civil;
    • 09/10/2019 – Porteiro é reinterrogado na Delegacia de Homicídio e mantém o depoimento anterior;
    • 09/10/2019 – Segundo Bolsonaro, Witzel lhe informa do depoimento do porteiro;
    • 10/10/2019 Consulta a Dias Toffoli no STF sobre menção a Bolsonaro;
    • 15/10/2019 – MP-RJ recebe gravações entregue pelo síndico à Polícia Civil;
    • 29/10/2019 – Reportagem do Jornal Nacional de terça-feira (29) revela depoimentos do porteiro;
    • 30/10/2019, às 10h40m – O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) publicou no Twitter um vídeo em que acessa os registros da data do crime no sistema;
    • 30/10/2019, às 13h05m – MP-RJ protocola os quesitos para a perícia responder, através do ofício de nº 996/2019, assinado pela coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) Simone Sibílio;
    • 30/10/2019, 14h14m – MP-RJ convoca entrevista coletiva sobre o caso;
    • 30/10/2019, às 15h30 – Em coletiva, promotoras desmentem porteiro com base em perícia do áudio da gravação da portaria com o morador Ronnie Lessa; não informam de qual porteiro era a voz na portaria;
    • 31/10/2019 – Luís Nassif, no Jornal GGN informa que o condomínio não usa interfone. Ligações da portaria são para telefones fixos das residências ou celulares; no caso da casa 58, de Bolsonaro, ligações são para o celular dele;

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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