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    Sara York

    Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Junior é graduada em Letras - Inglês (UNESA), Pedagogia (UERJ) e Vernáculas (UNESA), especialista em Gênero e Sexualidades (IMS/CLAM/UERJ), mestre em educação (UERJ) e doutoranda em Formação de Professoras/es (UERJ), pai, avó, pesquisadora e professora, a travesti da/na Educação.cialista em Gênero e Sexualidades (IMS/CLAM/UERJ), mestre em educação (UERJ) e doutoranda em Formação de Professoras/es (UERJ), pai, avó, pesquisadora e professora, a travesti da/na Educação. Jornalista SRD/6474794/2024

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    Santimônia: A crise do Ser

    Entrevista com David Tenório

    (Foto: Arquivo Pessoal)

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    A palavra “santimônia” tem origem no latim sanctimonia, que significa santidade, pureza, probidade. A santimônia é uma postura de falsa piedade ou hipocrisia moral, frequentemente adotada para exibir virtudes e moralidade acima de outros. Como corpo trans, impossibilitado de práticas comuns como estar na rua com meu filho ou com meu neto sem qualquer preocupação, sempre me preocupei com discursos "meia-boca" sobre a fácil/difícil vida de todos "nós". O discurso para com o corpo TRAVESTI, que ora vai para a piedade, ora vai para a completa desautorização. Nesse sentido a santimônia manifesta uma suposta superioridade ética, que muitas vezes desvia a atenção das contradições internas de quem a adota. No contexto do capitalismo e neoliberalismo, essa postura moralista serve como uma ferramenta de controle social, sustentando o status quo ao mesmo tempo em que disfarça a exploração e as desigualdades estruturais promovidas por esses sistemas econômicos.

    O que é o discurso anti-aborto, senão a sedução para um paraíso religioso qualquer que ignora o passado da "mãe" e o futuro da "criança"? Roe & Wade retornar com argumentos melhorados, mas longe da real compreensão sobre quem vai pagar o preço que o patriarcado delegou.

    No capitalismo neoliberal, práticas de santimônia são usadas para legitimar certas normas sociais e comportamentos enquanto desvalorizam outras formas de existência, especialmente aquelas que questionam ou desafiam as estruturas hegemônicas. A santimônia se manifesta, por exemplo, no discurso que privilegia a família heteronormativa, idealizando-a como a “base da sociedade”. Essa idealização coloca a família tradicional como um exemplo de responsabilidade e moralidade, deslegitimando formas alternativas de vida familiar e relações não convencionais, como aquelas formadas por pessoas LGBTQIA+ ou aquelas que optam por relações não monogâmicas.

    Quantas vezes falamos sobre as traições alheias sem nos importar de fato se entre aquele casal na sua intimidade há um contrato que permite escapadas? Mas seguimos os velhos parametros que nao contemplam a "high-society". Como sempre digo: lá as regras são super flexiveis e o amante de hoje é o compadre ou marido ou empresário de amanhã.

    Esse moralismo neoliberal também cooptou a ideia de meritocracia, promovendo uma visão de que o sucesso é fruto exclusivo do esforço individual. Ao se apresentarem como exemplos virtuosos de trabalho duro e ética, alguns líderes e empresários mascaram o fato de que as oportunidades e os privilégios são desigualmente distribuídos. Assim, as desigualdades sociais e econômicas são justificadas como merecidas, como se aqueles que ocupam posições de vantagem econômica fossem moralmente superiores. A santimônia reforça essa narrativa, fazendo com que as pessoas vejam a precariedade de alguns como uma “consequência” de sua falta de mérito ou disciplina, ao invés de uma falha estrutural do sistema.

    O moralismo também é amplamente aplicado ao discurso ambiental e de consumo consciente. Por meio de campanhas que culpabilizam os indivíduos por sua “pegada de carbono”, o neoliberalismo desloca a responsabilidade ambiental para o consumidor comum, ao invés de responsabilizar as grandes corporações que promovem a exploração desenfreada dos recursos naturais. Sob o manto da santimônia ambiental, empresas se vendem como sustentáveis, mas frequentemente não fazem mudanças reais em suas práticas produtivas que levem a um impacto significativo no meio ambiente.

    A santimônia dentro do capitalismo neoliberal funciona como um mecanismo de cooptação e controle, mas nao sobre o opressor. Agora ela é maior, se senta com os poderosos e sabe que sua existëncia nao é mais rastejante. Ao impor padrões morais e de conduta que privilegiam certos modos de vida e culpabilizam outros, ela mantém as hierarquias e desvia a atenção das estruturas de poder que geram e sustentam as desigualdades.

    Para falar sobre capitalismo, identidade, sujeira (sic) e meritocracia, eu convidei o Professor David Tenório a conceder-me uma entrevista.

    Na entrevista com o Professor David Tenorio, pesquisador mexicano e docente nos EUA na última década, discutimos o impacto da extrema direita e do neoliberalismo sobre populações minoritárias na América Latina e nos Estados Unidos. Com profundidade analítica, Tenorio aborda a diferença entre “minorias” e “minorizados”, os ataques contra direitos LGBT+, e os desafios que trans e queer enfrentam sob regimes autoritários. O pesquisador explora também conceitos centrais de autores renomados, como Michael Warner, Homi Bhabha, Deb Vargas e Roderick Ferguson, destacando a necessidade de uma agenda política queer que priorize prazer, cuidado e resistência.

    Sara Wagner York: Professor David Tenorio, antes de mais nada, quero agradece-lo em nome de toda a comunidade brasileira, incluindo pesquisadores e pesquisadoras LGBTQIAPN+, mas, principalmente, a comunidade trans, travesti e queer no Brasil e na América Latina. Muito obrigada por aceitar nosso convite.

    Professor David Tenorio: Sara York, muito obrigado por esse convite e pela oportunidade de discutirmos o impacto iminente das políticas conservadoras nas eleições dos EUA e suas consequências para comunidades de dissidência sexual na América Latina e no Brasil.

    Sara Wagner York: Professor, o senhor é mexicano, com uma carreira acadêmica, apesar de jovem, consolidada nos Estados Unidos, onde obteve seu mestrado e doutorado na Califórnia, e agora atua como professor associado em Pittsburgh. Como o senhor analisa sua trajetória acadêmica desde o início da sua carreira até hoje?

    Professor David Tenorio: Essa é uma questão complexa, pois minha trajetória acadêmica e intelectual sempre foi marcada pela ruptura de fronteiras e ordens estabelecidas. Sou um migrante mexicano e me identifico como um acadêmico queer latino, e meu trabalho explora a vida noturna queer e trans como um espaço de ativismo político. Minha trajetória nos EUA foi, e ainda é, cheia de desafios, mas também de superações que desafiam estruturas que tentam nos apagar. Meu doutorado foi em estudos culturais latino-americanos, comparando culturas sexuais em Cuba e no México. Descobri, por meio dessa pesquisa, a importância da vida noturna como um espaço de cuidado, resistência e conexão com nossa comunidade, um lugar onde podemos sonhar com outras possibilidades. Minha identidade e trajetória são definidas por diversas interseções: sou um acadêmico e também drag queen, o que exemplifica a complexidade da vida queer e trans no sul global.

    Sara Wagner York: Quando você menciona seus estudos sobre México e Cuba, o que podemos entender sobre gênero, sexualidade e direitos sexuais e reprodutivos nesses países? Como Cuba vive sua sexualidade?

    Professor David Tenorio: Existe uma visão estereotipada de que o México ainda é um país muito “macho” e conservador, mas isso não é mais verdade, especialmente em áreas urbanas como a Cidade do México, que é bastante progressista em questões de diversidade sexual. No entanto, o México ocupa o segundo lugar no continente em violência contra pessoas trans, o que mostra as contradições existentes. Minha pesquisa buscou entender como coletivos queer e trans constroem sua relação com o Estado-nação e a sociedade em um contexto de capitalismo neoliberal. Já Cuba ofereceu uma perspectiva distinta: um país com realizações sociais notáveis, mas que falha em proteger vidas queer e trans, muitas vezes controlando e vigiando dissidentes sexuais.

    Ao final, Tenorio reflete sobre como a vida noturna queer e trans oferece formas de resistência e afirmação diante das lógicas normativas. Agradecendo pela oportunidade de diálogo, o professor enfatiza a importância da alegria e do prazer na luta por direitos. Então, enquanto travesti brasileira, encerro a conversa destacando a conexão profunda do entrevistado com seu objeto de estudo — a noite e suas subjetividades — e a importância de discussões que vão além do consumo e do neoliberalismo, enraizando-se em solidariedades e afetos transnacionais.

    Sara Wagner York: Professor, qual a sua visão sobre a relação entre as dissidências sexuais e a Revolução Cubana?

    Professor David Tenorio: A relação entre dissidências sexuais e a Revolução Cubana é bastante complicada. Desde o início da Revolução, em 1959, homossexuais foram vistos como contrarrevolucionários, assim como outros grupos, como as Testemunhas de Jeová ou qualquer pessoa que divergisse das ideias revolucionárias. Na década de 1960, houve a criação dos UMAPs (Unidades Militares de Ajuda à Produção), onde homossexuais foram colocados em campos de concentração para “reformar” sua sexualidade através de trabalho forçado. Em 1980, tivemos o êxodo de Mariel, com uma diáspora cubana, em grande parte composta por homossexuais, que se estabeleceu em Miami.

    Essa perseguição às dissidências sexuais contrasta com a imagem hipermasculina do revolucionário cubano, personificada por figuras como Che Guevara e Fidel Castro. A Revolução Cubana só permite que a homossexualidade, a transgeneridade e a queerness prosperem quando estão alinhadas aos ideais comunistas. Se não aderem aos valores do Partido Comunista e do regime socialista, não são validadas pelo Estado. Isso gera contradições, pois há um grande número de ativistas trans que se identificam como revolucionários. Neste contexto, temos o CENESEX (Centro Nacional de Educação Sexual), liderado por Mariela Castro, filha do ex-presidente Raúl Castro.

    Sara Wagner York: A liderança de Mariela Castro no CENESEX levanta questões. Por que não há uma mulher trans ou um ativista afro-cubano à frente dessa organização?

    Professor David Tenorio: Esse é um ponto crucial. Mariela Castro, como uma mulher cis, branca, de boa condição física e com afinidades políticas com a Revolução, ocupa uma posição de destaque, apesar de representar uma instituição que deveria defender os direitos e modos de vida da população LGBT cubana. Isso nos leva a uma questão ainda mais ampla: a relação complexa entre capitalismo e Cuba. Minha pesquisa sugere que Cuba já não é mais um país socialista único e exclusivo. O governo falha com as populações LGBT e continua a vigiar dissidências sexuais que criticam validamente o establishment político.

    Além disso, o regime cubano reconhece que a cultura LGBT atrai o turismo sexual, especialmente de países como Canadá, Europa e outras regiões das Américas. A cultura LGBT se torna, assim, um ativo econômico para o governo.

    Sara Wagner York: Vamos falar sobre fake news e o impacto dessa desinformação nas políticas atuais, especialmente nos EUA.

    Professor David Tenorio: A questão das fake news e essa “realidade alternativa” de esferas informacionais tem sido amplamente usada como ferramenta política. Nos EUA, a desinformação é manipulada para fazer afirmações falsas sobre as plataformas e agendas políticas de candidatos. No caso de Trump, ele não apenas fez declarações absurdas, mas manipulou a falta de habilidades de pensamento crítico e de alfabetização digital para influenciar o voto.

    Nos Estados Unidos, vemos como a ideologia política se transformou em uma guerra informacional e cultural, onde o que está em jogo é a própria noção de fatos e pensamento crítico.

    O capitalismo neoliberal organiza a vida de maneira complexa no século XXI, privatizando e monetizando até as formas mais íntimas de existência. Sob essa lógica, certos modos de vida são considerados inferiores, enquanto outros são priorizados para manter o status quo, como o modelo heterossexual tradicional. No caso das pessoas queer e trans, o neoliberalismo transforma suas vidas em corpos descartáveis e objetos de desejo, forçando-as a viver em condições precárias, onde tudo — do aluguel à saúde, passando pela roupa e pelo lazer — se torna inacessível devido aos altos custos.

    Sara Wagner York: Em 1991, Susan Faludi, no seu trabalho “Backlash”, destacou um retrocesso em conquistas feministas. Como o senhor vê esse retrocesso nas políticas dos EUA e seu impacto na América Latina?

    Professor David Tenorio: “Backlash” é um raio-X do futuro. Nos anos 1990, uma década de muita turbulência política mundial, presenciamos o colapso da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, a assinatura do NAFTA e o Massacre do Carandiru, no Brasil. Essa década condensou ansiedades históricas sobre o que o século XXI traria.

    Hoje, a realidade americana nos lembra que muitos dos problemas nunca foram realmente superados. Em um lado, temos conferências globais sobre os direitos das mulheres; por outro, práticas violentas e conservadoras que continuam a existir. O “backlash” apenas nos mostra que o establishment político é heteropatriarcal. E isso se reflete, por exemplo, na recente reversão do direito ao aborto nos EUA. Direitos LGBT, direitos das mulheres, direitos políticos para minorias e pessoas racializadas continuam sempre em risco.

    Sara Wagner York: Aproveitando o termo “minorias”, temos optado pelo termo “minorizados”, pois essas populações não são necessariamente minoritárias. Poderia comentar sobre como isso se aplica às políticas do chamado “terceiro mundo” e sobre o atual levante conservador contra essas populações?

    Professor David Tenorio: Concordo plenamente. Não se trata de “minorias” no sentido numérico, mas sim de estruturas que colocam essas pessoas em posições minoritárias. Essas condições não são escolhas individuais, mas sim resultado de sistemas que garantem que certas populações vivam de forma precária. Nos últimos anos, vimos a ascensão da extrema-direita nos EUA, o que, por sua vez, revitalizou movimentos semelhantes nas Américas, como o caso de Bolsonaro no Brasil e movimentos autoritários em países como Argentina e Venezuela. Para entender esse cenário, precisamos ir além da dicotomia entre esquerda e direita. As lógicas neoliberais que exploram a vida operam de forma complexa e fracionada, desafiando as categorizações tradicionais entre regimes autoritários de direita e esquerda.

    Sara Wagner York: Como você vê a ascensão da direita conservadora, especificamente em relação à privatização da vida e ao apoio de grupos religiosos conservadores?

    Professor David Tenorio: A questão com Trump e outros líderes conservadores é que eles promovem a desmantelamento do Estado de bem-estar social em benefício de grupos religiosos conservadores. Nos EUA, isso se reflete no apoio à agenda Republicana por grupos religiosos, que encontram uma via para manter uma visão nacionalista e nativista que persiste mesmo em comunidades imigrantes. Observamos um processo de privatização das instituições públicas e um benefício direto para certos grupos de poder.

    Sara Wagner York: No Brasil, um candidato de São Paulo teve como uma de suas metas prioritárias a retirada de pessoas trans dos banheiros. Como você enxerga essa questão?

    Professor David Tenorio: Essa é uma questão complexa porque pessoas trans, bem como outras identidades de gênero não heteronormativas, desafiam o sistema binário do Estado-nação. Não é surpreendente que candidatos anti-LGBT tenham tanta influência, pois alimentam medos de uma sociedade que ainda se baseia em uma visão heterossexual e reprodutiva. Esse tipo de política também é comum em estados como Texas, Oklahoma e Arkansas, onde há legislações anti-LGBT sustentadas pelo voto popular. Ter legislações LGBT não significa que os sentimentos anti-LGBT desapareceram, e esse é um ponto crucial para entendermos o conservadorismo atual.

    Sara Wagner York: Como o neoliberalismo tem utilizado sentimentos anti-LGBT e anti-minorias para obter vantagem?

    Professor David Tenorio: O neoliberalismo é mais que um sistema econômico; é, como diz Wendy Brown, uma forma de organizar a vida. Termos e lógicas do mercado, como “tomada de risco” e “financeirização”, influenciam as interações sociais. O neoliberalismo reconhece que as emoções são um tipo de capital. Sarah Ahmed, teórica feminista, fala de “economias afetivas”, onde reações emocionais se tornam uma força impulsionadora. O neoliberalismo usa essas emoções para criar circuitos de produção e reprodução de capital, onde o “nós versus eles” é sustentado pela mídia, que explora nossas capacidades cognitivas e emocionais para impulsionar ações políticas.

    Sara Wagner York: Para finalizar, gostaria que comentasse sobre a teoria do hibridismo de Homi Bhabha e sua aplicação para entender novas identidades culturais.

    Professor David Tenorio: Bhabha nos apresenta a ideia das “comunidades imaginadas”, onde o pertencimento não se limita ao território, mas também à imaginação. Essa noção de hibridismo é essencial nos estudos latino-americanos e de sexualidade, permitindo-nos ver como as hegemonias coloniais e contemporâneas se misturam. Essa teoria nos ajuda a analisar a complexidade das identidades híbridas e a responder ao contexto atual com novas lentes teóricas, metodológicas e políticas.

    Sara Wagner York: O professor Michael Warner, em seu trabalho de 1991, nos desafia com a pergunta sobre quem tem medo do Queer, quem tem medo de um planeta Queer. Recentemente, Judith Butler lançou *Quem Tem Medo do Gênero*, abordando dinâmicas do patriarcado e do neoliberalismo. Como o trabalho de Warner influencia seus escritos?

    Professor David Tenorio: Michael Warner é realmente central para o meu trabalho, especialmente na questão da vergonha e de como certas emoções são mobilizadas para criar o que ele chama de “contrapúblicos”. No meu trabalho, que investiga o afeto na vida noturna, também me interessa como o afeto não só constrói contrapúblicos, mas como ajuda a criar espaços que coexistem com a lógica do capitalismo neoliberal.

    Além disso, os espaços que antes eram de escape e diversão, como clubes e eventos, também encarecem, refletindo um sistema que privilegia o modelo familiar heteronormativo e reprodutivo. Esse modelo, centrado na reprodução biológica, na intimidade monogâmica e na herança por linha sanguínea, continua a ser o local de reprodução e acumulação de capital. Assim, para aqueles que não se encaixam nesse molde, o neoliberalismo os coloca à margem, onde suas vidas e relacionamentos são menos valorizados e economicamente inviabilizados.

    Sara Wagner York: Já que mencionou a questão da vergonha, gostaria de trazer Deborah Vargas. Ela explora o conceito de “sujeira” como uma ferramenta analítica na crítica queer latino-americana, ligando-o a raça, classe e afetando especialmente corpos latinos. E Fátima Tayeb fala sobre o direito de LGBTs a “comer, dormir e viver”. Como essas teóricas influenciam seu trabalho?

    Professor David Tenorio: Essas feministas radicais de cor na academia americana nos lembram da importância das vidas não-brancas e como modos de vida minoritários sustentam as estruturas brancas do Estado-nação nos EUA. O trabalho delas é inspirador porque me ajuda a olhar para práticas subterrâneas e formas de sentir e viver que, no México, sustentam a vida queer e trans. Estou escrevendo um livro que aborda como a vida queer e trans precisa de direito ao prazer e à alegria, um modo de resistência às lógicas brancas e normativas da vida LGBT. O conceito de Vargas permite repensar o que permanece “sujo” e subterrâneo para preservar a alegria queer pura.

    Sara Wagner York: E para finalizar, gostaria de falar sobre o pensamento de Roderick Ferguson, um dos proponentes do *Queer of Color*. Ele faz uma crítica ao queer que chamamos de “Creep”, abrangendo corpos deficientes e outras formas de existências marginalizadas. Poderia comentar?

    Professor David Tenorio: O trabalho de Ferguson e outros pensadores do *queer of color* nos lembra que a queerness não é apenas uma identidade política; é uma forma radical de viver. Ferguson, para mim, foi fundamental ao enfatizar que o objetivo queer não é consumir produtos queer, mas sim buscar reparações históricas para populações indígenas e negras, reformas imigratórias nos EUA, direitos trabalhistas, direitos das mulheres e acesso a cuidados afirmativos de gênero. Ele expande as possibilidades políticas do queer além do consumo neoliberal, colocando no centro a solidariedade transnacional e os movimentos hemisféricos de resistência radical. Refletir com esses autores me permitiu reposicionar a alegria, o cuidado e o prazer queer como pilares de uma agenda política queer.

    E gostaria de agradecer a você, Sara York, pelo seu interesse no meu trabalho, pela escuta atenta e pelo cuidado na entrevista. Espero por mais conversas como esta, de queer para trans. Muito obrigado!

    A última palavra tem que ser de uma travesti… (risos) Então, enquanto travesti, agradeço por essa entrevista e por se despir das suas próprias pesquisas para mencionar quem o compõe e o compõe junto. Você é um pesquisador da noite, e é inspirador ver como você teve que compreender o mundo para chegar à noite. Muito obrigada mais uma vezes, professor David Tenorio!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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