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    Daniel Neri

    Professor do IFMG campus Ouro Preto; sindicalista;, pesquisador em conflitos minerários e ambientalista.

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    Seis anos do rompimento de Fundão

    Atualmente, em Mariana e Barra Longa, há uma extensa lista de conflitos e manifestações de injustiça ambiental, consequências da invasão da lama de Fundão

    (Foto: Corpo de Bombeiros/MG - Divulgação)

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    No dia 5 de novembro de 2015, 50 milhões de m3 de rejeito depositados na barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, uma empresa resultado da joint venture formada pelas transnacionais Vale e BHP Biliton, vazaram depois que a estrutura se rompeu. A mistura do coloide de rejeito com água deu origem ao tsunami de lama que primeiro atingiu o Córrego Santarém para, em seguida, irromper pelo leito do Rio Gualaxo do Norte, atingindo o distrito de Bento Rodrigues em Mariana em poucos minutos, onde deixou 19 pessoas mortas.

    Além dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana o mar de lama ainda passou destruindo parcialmente quatro povoados: Paracatu de Cima, Campina, Borba e Pedra da Bica antes de chegar a Gesteira, já no município de Barra Longa, próximo ao encontro com o Ribeirão do Carmo. O estreitamento na curva onde os dois rios se encontram fez com que parte da lama subisse, contra a correnteza, o Ribeirão do Carmo. Por um espaço de 6 km a onda retrógrada destruiu toda a área urbana da parte baixa da cidade de Barra Longa.

    Ao desaguar no Rio Piranga, que alguns quilômetros à frente passa a se chamar Rio Doce, o Ribeirão do Carmo despejou toda a carga de lama que, 22 dias depois, chegou à foz, em Regência, no Espírito Santo.

    Além das mortes humanas, desalojamento e devastação das localidades, a lama arrasou pastos e plantações, destruiu enormes áreas de preservação permanente, matou milhares de animais, milhões de peixes, aniquilou habitats e alterou definitivamente ecossistemas inteiros. De acordo com o laudo técnico preliminar do IBAMA (IBAMA, 2015), a lama de Fundão arrasou cerca de 1600 ha de matas ciliares, vegetação nativa e de reflorestamento, inclusive áreas de preservação nativas. Em alguns pontos, a lama avançou por até 50 metros para além das margens dos rios por onde passou chegando até o ecossistema do Arquipélago de Abrolhos. 

    Atualmente, em Mariana e Barra Longa, há uma extensa lista de conflitos e manifestações de injustiça ambiental, consequências da invasão da lama de Fundão. Estudos revelam várias manifestações de doenças em Barra Longa graças à presença da lama e da poeira por ela causada ou dos transtornos causados pela tragédia, direta ou indiretamente.

    Além do adoecimento, há uma série de outros fatores que apontam para a gravidade da injustiça ambiental em função do colapso da barragem. Ao contrário do que veicula na grande mídia e pelos canais da Samarco e Vale, a Fundação Renova, criada pela Samarco para gerir as verbas de indenizações e reparações aos atingidos pelo rompimento, insiste em manter práticas que claramente desrespeitam os direitos fundamentais da população em Barra Longa. As nove famílias que moravam em Gesteira Velha seguem vivendo à custa de aluguel pago pela empresa, enquanto aguardam o arraste das obras de construção das novas moradias. A sequência interminável de obras de “reconstrução” na cidade também é motivo de problemas para a população. Desde a chegada da lama, homens e máquinas transitam diariamente pelas ruas do município. 

    Simone Silva, moradora de Barra Longa está entre as atingidas que não se furtam de denunciar as imposturas promovidas pela Fundação Renova, criada pelas empresas criminosas para gerir o processo de reparação. Sua filha, Sofya, sofre desde os primeiros meses de vida com problemas respiratórios e alérgicos causados pelos metais pesados presentes na poeira da lama. Não é para menos: em 2016 a Samarco utilizou parte do rejeito depositado no entorno da cidade para recapear e pavimentar ruas e calçadas da cidade, sem qualquer estudo de impacto ambiental ou à saúde das pessoas. O resultado dos altos índices de níquel e arsênio no rejeito não podia ser diferente: pelo menos onze moradores foram apontados num estudo com doenças decorrentes da contaminação – dentre elas a filha de Simone.

    Enquanto isso, a Fundação Renova, envolvida em escândalos de toda ordem segue cumprindo sua principal missão: protelar ao máximo o processo de reparação de modo a garantir que as empresas criminosas desembolsem o mínimo possível nas indenizações e reparação integral dos danos causados pelo rompimento. 

    Assim como em Gesteira, também os moradores de Bento Rodrigues, a primeira localidade destruída pela lama, seguem aguardando a reconstrução do vilarejo. No entanto, dentro dessa disputa de narrativas – um dos alvos dessa investigação – a Fundação Renova segue outra linha de discurso, em oposição ao que se vê e se lê a partir da ótica dos atingidos: na aba ‘indenizações’ do portal eletrônico da Fundação se lê:

    “A indenização de todos os atingidos é tarefa central no processo de reparação. Foi necessário elaborar diretrizes e políticas com o objetivo de reparar aqueles que tivessem direito à compensação financeira, levando em conta a diversidade de danos, a alta informalidade e individualidade de cada processo. A indenização justa pressupõe saber a extensão do dano e do impacto para cada indivíduo. São mais de 600 profissionais distribuídos em 14 escritórios por todo o território impactado” (RENOVA, 2019). 

    “Desde o rompimento, ações emergenciais foram executadas, como auxílio financeiro, moradias temporárias para as 255 famílias atingidas que, atualmente, residem em Mariana e região, e atendimentos nas áreas de saúde e psicossocial. As graves consequências da ruptura da barragem têm desdobrado trabalhos com foco no reassentamento da comunidade sob a perspectiva coletiva, na qual toda a população residente no local de origem terá a opção de se mudar para um novo espaço em comum, sendo resgatadas, na medida do possível, características equivalentes às de onde saíram. A necessidade de construção do povoado e do reestabelecimento de suas condições e modos de vida reforça a centralidade dos reassentamentos para a Fundação Renova, que contam com as seguintes etapas... (RENOVA, 2020). 

    Porém, a questão não se apresenta tão urgente. O Jornal O Tempo, em seu portal eletrônico de dezoito de agosto último destaca:

    ‘Novo Bento’ só deve ficar pronto em 2021: Decisão judicial postergou prazo para entrega de distrito devastado pelo rompimento da barragem de Fundão; mineradora Samarco deve voltar a operar antes de moradores retornarem a vilarejo. O prazo para a conclusão da comunidade venceria no próximo dia 27, mas foi adiado mais uma vez, agora para 27 de fevereiro do ano que vem. Zezinho do Bento e outras 212 famílias devem ver a Samarco, empresa responsável pela tragédia, voltar a operar antes de terem suas casas prontas, já que a mineradora pretende retomar as atividades no fim deste ano. (O TEMPO, 2020)

    Enquanto esse texto é escrito, a Renova segue promovendo o modo clássico da governança ambiental privada: violações de direitos, o não reassentamento das famílias expulsas pela lama, diversas denúncias de fraude financeira, além da escandalosa relação com o Juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal, cujo afastamento do caso Samarco foi pedido em carta por mais de 100 juristas, pesquisadores e políticos em abril último, em função dos vídeos que mostram o juiz “orientando advogados, advogadas e segmentos das comunidades atingidas em como atuar no caso, a fim de que adotassem o modelo indenizatório sugerido pelas empresas.” Não obstante as evidências, a Desembargadora Daniele Maranhão Costa, do TRF-1, decidiu não afastar o juiz do processo, alegando não estar convencida de que o magistrado se mostre suspeito para conduzir o processo” . O modelo citado, chamado O Sistema Indenizatório Simplificado foi implementado pela Fundação Renova, em agosto de 2020, por decisão do juiz. Segundo a fundação, gerida pela Samarco, esse tipo de indenização “permite que categorias com dificuldade de comprovação de danos como, lavadeiras, artesãos, areeiros, pescadores de subsistência e informais, entre outras, sejam indenizadas (RENOVA 2021). Não é o que relatam os atingidos. Ouvidos pelo Observatório da Mineração,“muitos se arrependeram da escolha, já que não foram informados corretamente sobre as consequências de aceitar a quitação total, o que inclui o encerramento do AFE (Auxílio Financeiro Emergencial). O valor corresponde a um salário mínimo mais 20% para cada um dos dependentes, acrescido de valor equivalente a uma cesta básica na referência do Dieese.” (OBSERVATÓRIO 2021 https://observatoriodamineracao.com.br/fundacao-renova-impoe-sistema-de-indenizacao-criado-por-juiz-em-toda-a-bacia-do-rio-doce/). Enquanto isso, a matéria alerta para o fato de “Ao mesmo tempo, a Vale lucrou R$ 70 bilhões no primeiro semestre de 2021". E a BHP lucrou 14,7 bilhões de dólares no segundo semestre de 2020. A Samarco, dona da barragem e controlada pelas duas mineradoras, enfrenta recuperação judicial e é acusada de servir como meio para que Vale e BHP recebam de volta R$ 24 bilhões que deveriam ter gasto para reparar o desastre de Mariana.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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