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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Senado vira picadeiro para a política rasteira dos neopentecostais

"É preciso que as autoridades cuidem melhor da imagem do Congresso", escreve Denise Assis

Contadora de histórias reproduz as falas de um feto durante sessão no Senado que discute a questão do aborto (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

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Constrangedor. É pouco. Ridículo, talvez fosse na medida a palavra para melhor descrever a cena de uma mulher branca, loura, longe da idade reprodutiva, aos berros, numa performance que simulava o aborto, no ambiente do Senado Federal, onde a luta que se trava não é sobre o aborto. É o confronto da política rasteira, sórdida e contaminada pelo radicalismo neopentecostal.

Os grunhidos da mulher, que ora era a mãe, ora era o “feto”, nem de longe reproduzem o que se passa, de verdade, internamente, tanto com a mulher de classe média que “precisa” abortar, quanto com o “feto”, a quem ninguém nunca teve ou terá oportunidade de ouvir para saber qual é, de fato, a sua disposição: desembarcar nesse mundo? Esse, de homens dessa qualidade?

Esse, onde um deputado faz uso de sua fé e “convicção” religiosa, - num Estado que é laico -, para chantagear o presidente da República e levá-lo, contra a parede, a um suposto desmascaramento de sua posição frente a uma decisão que nenhum dos dois – nem o presidente e tampouco o deputado reaça - terão que tomar um dia: abortar ou deixar nascer o filho? Tivesse mesmo vida e a capacidade de estar ali, presenciando a cena grotesca (sim, grotesca!) e certamente ele (o feto) gritaria: para tudo que eu não desço aqui nem morto!

Sem querer resvalar para o humor – que não cabe aqui, de modo algum, pois a questão é seríssima –, é preciso que as autoridades cuidem melhor da imagem do Congresso, para que senhoras com roupas de gosto duvidoso, pretensamente chique, não façam da casa de onde emanam grandes decisões, um picadeiro. 

Vi a hora em que, da saia de couro da responsável pela “performance”, ia vazar tal como na brilhante adaptação de Joaquim Pedro de Andrade, de Macunaíma (Mário de Andrade), para o cinema (em 1969), um bebê de plástico. Quem sabe, com a aparência daquele que anda por aí, passando de mão em mão dos congressistas (e o que é pior, das congressistas). Ainda bem que não chegaram a esse paroxismo. Nos pouparam do vexaminoso desfecho.

Ecoam, no entanto, nos meus ouvidos, os grunhidos e as estridências imorais, indecentes, indevidas, ultrajantes, da tal senhora. E fico a me perguntar se em algum momento de sua vida ela precisou estar diante de um guichê envidraçado, entregando uma “bolada” em dinheiro vivo, e respondendo à terrível pergunta: “está de quanto tempo?”.  

É assim, minha senhora, que a coisa rola. Fria e burocrática como numa “repartição”. Ou terrível e perigosa, como nos fundos de uma birosca miserável, onde a aborteira não hesita em introduzir no útero das adolescentes, agulhas de crochê sem esterilização. Em geral com consequência de mortes.

Tempo. Parece ser este o fator que tentam introduzir na tão acalorada discussão - e inconstitucional, conforme interpretação do colegiado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

Trouxeram para a questão do aborto um fator jamais inserido nesta causa, as tais 22 semanas. Gritam Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e seus pares, pelo “marco temporal” que se abaterá sobre as meninas/mulheres “homicidas”, com penas acima da dos seus algozes, os estupradores. 

Quando uma lei de 1940 consegue ser mais moderna em sua concepção, do que o projeto do deputado que esbraveja pela vida - mas nem sequer respondeu pela morte de uma senhora de 81 anos, (Irma da Cruz), colhida que foi pela velocidade de seu carro, em Paracatu, interior de Mias -, algo vai mal. E vai pior, quando o Senado vira palco de cenas vistas como “normais” dentro de um desses milhares de templos neopentecostais, numa demonstração inequívoca de que a laicidade há muito já abandonou as instalações daquela casa, agora patrocinadora de espetáculos dantescos. 

Tirem a mão dos corpos de nossas meninas, senhores deputados! Elas não podem ser buchas de uma política baixa e golpista, a única que vocês conseguem executar. 

Aquilo a que vocês (e a senhora da performance) chamam de “bebê”, é o resultado de um ato de monstruosidade. Experimentem dizer às suas filhas que elas devem manter e lhes dar um neto fruto de um estupro. Talvez nesse exercício vocês tenham a dimensão do que representa o que estão projetando para as filhas alheias.

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