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    Bia Willcox

    Empresária que escreve sobre relações de afeto, editora que fez Direito na UERJ, professora que dá palestras, mãe que produz conteúdos

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    Será todo o aborrecimento de um consumidor sofrido apenas mero?

    Se o consumidor prejudicado não achar que seu aborrecimento foi banal, mesmo que a Justiça lhe dê as costas, ele vai pras redes e ganha o mundo. O juiz hoje é o próprio consumidor

    Em tempos de holofotes sobre o Judiciário brasileiro e de sua possível degradação, provocando grande insegurança do povo e tornando a democracia chama oscilante, é bom estarmos sempre atentos e fortes ao cotidiano, às notícias, fatos e decisões do mesmo.

    Sendo assim, como advogada e cidadã, procurei saber mais sobre a tese do mero aborrecimento presente nos juizados especiais do Estado do Rio de Janeiro e que tem causado verdadeiro aborrecimento a setores mais frágeis da sociedade.

    Mas em que consiste essa tese? Essa tese se baseia no confronto de práticas utilizadas desmedidamente: de um lado a fábrica dos danos morais (pede-se dano moral por tudo), do outro, combatendo a primeira, a indústria do mero aborrecimento onde as demandas judiciais dos consumidores insatisfeitos são consideradas muitas vezes exagero, ou seja, suas questões nada mais são que meros aborrecimentos, frutos do convívio social.

    Conhecemos bem o comportamento humano e sabemos que os dois lados podem ter razão, especialmente quando se trata de brasileiros cuja cultura milenar sempre foi a de tentar levar vantagem onde pudessem. Mas sabemos também que o equilíbrio é necessário bem como uma maior e mais legítima preocupação com o lado mais frágil da corda.

    Em conversa com o advogado Ivan Gonçalves, conselheiro da OAB cuja bandeira é a luta contra a indústria do mero aborrecimento, o mesmo me relatou:

    "Infelizmente, a população do Rio de Janeiro vem sofrendo com a mudança de entendimento dos Juizados Especiais Cíveis, que são os responsáveis pelo julgamento de quase toda a totalidade das ações de defesa do consumidor, pois, nos últimos anos, vêm-se reduzindo os valores das indenizações decorrentes dos danos morais. Nos Estados do Norte e Nordeste, por exemplo, vejo um Judiciário aplicando sentenças consumeristas com valores dentro de um padrão de razoabilidade. E é evidente que não houve melhora para as empresas que ensejasse essa mudança pelo Judiciário, e, ao final, percebe-se nitidamente que houve uma redução das distribuições nas causas de defesa do consumidor.

    Quem não se lembra do alto número de audiências diárias nos fóruns da Capital, Niterói, São Gonçalo. Porém, hoje, vemos um contrataste enorme - os corredores desses fóruns encontram-se vazios, pois, houve uma redução das audiências decorrentes de menos distribuição de ações de defesa do consumidor."

    Como tudo mais, há que se saber quem ganha e quem perde em ambas as indústrias referidas. Claramente, apesar de reconhecer que se abusa um bocado na demanda judicial por danos morais, as empresas que não respeitam os consumidores ganham bastante com a tese do mero aborrecimento e isso pode implicar em mais desequilíbrio na sociedade: os fortes ficam mais fortes e os fracos com menos força ainda para lutar por seus direitos.

    E se isso acontece indiscriminadamente, perde a democracia, perde a sociedade fluminense.

    Afinal, o que é mero aborrecimento? Existe previsão legal para tal conduta? Parece-me que ninguém sabe, ao certo, definir com exatidão o que vem a ser o "mero aborrecimento". O que sei é que mero, muito pouco, forte ou fraco podem ser bastante subjetivos e o que pode ser um mero aborrecimento pra um, pode custar a vida a outro.

    Ainda segundo Ivan Gonçalves, "inúmeras são as demandas que requerem reparação, seja a longa espera na fila do banco, a compra que não é entregue, o excesso na cobrança indevida, o extravio da bagagem no aeroporto, a negativação indevida, o produto com defeito colocado à venda e tantos outros que o judiciário define como "mero aborrecimento". O Judiciário fluminense deve ser cuidadoso para não estar incentivando, mesmo sem "dolo", a indústria dos "atos ilícitos".

    Como tudo o que acontece num país democrático como o Brasil deve ser, essa questão precisa ser debatida e um consenso encontrado. Equilíbrio é a chave do bem-estar social.

    E lembrando quem em tempos de internet e redes sociais, antes de uma empresa temer o processo por danos morais, ela deve temer seu julgamento implacável nas redes, nas denúncias, posts, comentários, tweets, hashtags e vídeos que podem lhe trazer prejuízo muito maior do que uma ação de danos morais. Atender bem ao cliente não é mais somente uma questão de advocacia preventiva e, sim, de a empresa expandir ou sumir no julgamento impiedoso da Internet.

    Se o consumidor prejudicado não achar que seu aborrecimento foi banal, mesmo que a Justiça lhe dê as costas, ele vai pras redes e ganha o mundo. O juiz hoje é o próprio consumidor.

    Pensemos bem e lutemos por espaços democráticos dentro e fora do Poder Judiciário.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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