Meus micos inesquecíveis com Sílvio Santos
"Ele estava sentado à mesa de trabalho quando entramos. Logo percebi que não era o Silvio Santos da tevê", conta Alex Solnik sobre o encontro com o apresentador
Quando, na reunião de pauta da revista Senhor, Mino Carta me escalou para entrevistar Silvio Santos, eu logo protestei:
“Mas ele não dá entrevistas!”
Mino já estava acostumado, sabia que eu questionva tudo, às vezes reagia com bem humoradas pequenas agressões verbais, me rotulando, por exemplo, de “fanático do Apocalipse”, um de seus insultos prediletos, mas dessa vez, ele foi paciente, mostrou o telex que recebeu de Mauro Salles, dono da agência que cuidava da conta do Grupo SS, onde estava escrito que Silvio Santos estava disponível para falar dos trinta anos de suas empresas.
“Vão você e o Hélio”, ordenou, encerrando a conversa.
Ainda desconfiado, telefonei para a Salles Interamericana, o assessor de imprensa anotou meus dados e algumas horas depois retornou com o dia, a hora e o local do encontro.
Não é que o Mino estava certo?, pensei.
Nos apresentamos na portaria de um prédio de cinco andares, bem feio, por sinal, na rua Jaceguai, ao lado do Teatro Oficina.
“Somos da revista Senhor. Viemos entrevistar o senhor Silvio Santos”.
“Um momento”.
Olhei para o Hélio, ele olhou pra mim. Será que vai rolar?
“Podem subir”.
Ele estava sentado à mesa de trabalho quando entramos.
Logo percebi que não era o Silvio Santos da tevê, o do sorriso Kolynos, aquele Silvio Santos que eu vi por volta de 1958, no palco da Rádio Nacional, na rua Sebastião Pereira, eu sentado naquele auditório lotado por desocupados num dia útil, ao meio-dia, suas bochechas rosadas, conhecido então como o dono da “Caravana do Peru que Fala”, uma trupe de cantores, músicos e humoristas que ele levava aos teatrinhos meia-boca do interior do país. O peru era ele.
Também não era o Silvio Santos que obrigava minha mãe a passar as tardes dos domingos no sofá, hipnotizada por aquele rapaz bonitão, uma voz otimista, super dado, que abraça artistas famosos e as suas “colegas de trabalho” da periferia, feias ou bonitas, donas de belos dentes ou banguelas, aquele rapaz comum em que todo mundo acredita, um vendedor nato, seus comentários me irritavam porque eu sabia que, no fundo, ela queria ter tido um filho como ele e não como eu, sem ambições, sem talento para ganhar dinheiro. Era covardia competir com ele.
Naquele momento, no escritório da rua Jaceguai. ele não era esse cara, não estava sob holofotes, em vez do terno escuro e camisa branca, seu figurino da TV, vestia camisa preta, de mangas compridas e não se preocupou em nos conquistar.
“O que vocês vieram fazer aqui?” perguntou, como quem quer se livrar logo de visitas indesejáveis.
Tomei um susto. Supus que estava tudo combinado.
“Somos da revista Senhor. Viemos entrevistá-lo, combinei tudo com o assessor de imprensa”, respondi.
“Eu não dou entrevistas” disse ele. “Só recebi vocês porque achei que eram da agência do Mauro Salles”.
Tentei argumentar que a matéria faria bem a ele, seria uma conversa amigável, sem pegadinhas, eu não estava atrás de revelações bombásticas, a pauta era o Silvio Santos empresário, não o artista.
“Se eu der entrevista para a sua revista vou ter que dar para outras e eu não preciso, tudo o que tenho a dizer eu digo no meu programa”.
“O senhor permite que eu ao menos tire uma foto?” pediu o fotógrafo Hélio Campos Mello.
“Nada de fotos. Vocês fotógrafos são traiçoeiros. Ficam esperando a gente se distrair, e aí clicam justamente quando enfiamos o dedo no nariz”.
Nem um café nos ofereceu como prêmio de consolação.
Alguns anos depois, fui despachado pelo meu chefe, agora da revista Manchete para uma missão que não tinha nada a ver com reportagem, ele, Tão Gomes Pinto, tinha sido convidado para o júri do Troféu Imprensa, mas não podia ir, e a Manchete não podia faltar, ia soar como desfeita, e o Jaquito, dono da revista não queria problemas com Silvio Santos, logo, eu deveria ir em seu lugar.
“É tranquilo. Eles te levam, você passa lá a tarde toda, toma um lanche e te trazem de volta. E ainda tem um cachê”.
Acho que era algo como 200 reais o que estava num envelope pardo, que recebi ao chegar aos estúdios do SBT, dois enormes galpões situados do lado direito de quem vem do interior para a capital, no km 18 da Via Anhanguera.
O povo da tevê é meio paranoico com horário, a produção sempre traz os convidados várias horas antes da gravação, a fim de evitar qualquer zebra, e o clima não ficar mais pesado do que já é, pra levar bronca do chefe por qualquer vacilo é dois palitos, então deu tempo de circular, tomar um café na lanchonete, misturado a figuras bizarras, vestidas para a novela, mães levando pela mão seus filhos-prodígio ou supostos candidatos a, mocinhas bem maquiadas, palhaços, músicos, um exército de anônimos à espera dos quinze minutos de fama da profecia de Andy Warhol, um prato cheio para antropólogos, sociólogos e outros “ólogos”.
Eu tinha saído da cadeira de maquiagem quando Silvio Santos entrou no salão, não o Silvio Santos de camisa preta de mangas longas e cara de poucos amigos, agora não, era o Silvio Santos sorriso Kolynos, terno preto e camisa branca, vestido para entreter, para vender, para cantar, ele nos cumrimentou um a um, muito gentil, e então fez um pequeno discurso que pode ser resumido assim:
“Vocês vão participar de um programa gravado. Vocês estão livres para dizer o que quiserem e eu cortar na edição final o que eu quiser”.
Eu não disse nada, para que criar clima?, mas aquilo me deixou grilado, como se dizia na época, ou com a pulga atrás da orelha, como se dizia ainda antes, já estava começando a me arrepender, deveria ter dito ao Tão que detestava Silvio Santos, achava aquelas “brincadeiras” dele, como a do aviãozinho de dinheiro um insulto às pobres coitadas que ficam ali disputando as cédulas até rasgar, eu não sabia se poderia segurar tudo o que penso dele e do seu programa bagaceira, cafona, de mau gosto, o cara que fazia propaganda do governo militar enquanto os militares prendiam, torturavam e matavam, e agora ele vinha com essa arrogância de deixar claro que ele é o senhor das minhas palavras.
Só posso lhes dizer que naquele bat horário e naquele bat canal eu fui mais fanático do apocalipse do que Mino jamais supôs, esculhambei com todos ou quase todos os candidatos ao tal Troféu Imprensa, criado por um homem que detesta jornalistas, que odeia entrevistas, além de já estar puto com ele, fui ficando mais puto ainda com os candidatos ao prêmio, dentre os quais “É o Tchan” concorria a melhor música, geralmente dentre as três opções apresentadas eu escolhia uma quarta que não foi selecionada. E detonava as selecionadas.
Quando vi o programa na TV, quase não me vi, de tanto que minhas falas foram picotadas. Minhas opiniões viraram frases lacônicas.
Paguei o maior mico.
De novo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: