Sobre a relação estratégica entre a Venezuela e a China
Esse é o ponto culminante de um relacionamento que começou com a primeira visita do presidente Hugo Chávez a Pequim em 1999
Durante uma visita de Estado à República Popular da China em setembro de 2023, o presidente venezuelano, Nicolas Maduro, encontrou-se com o presidente Xi Jinping e ambos concordaram em fortalecer o relacionamento de seus países estabelecendo sete subcomissões para elevá-lo ao nível de "parceria estratégica para todos os climas". Esse é o ponto culminante de um relacionamento que começou com a primeira visita do presidente Hugo Chávez a Pequim em 1999, logo no primeiro ano de sua presidência.
A primeira visita de Chávez foi muito além da diplomacia amigável, pois o presidente da Venezuela e o então presidente da China, Jiang Zemin, assinaram quinze acordos comerciais e de cooperação. Isso foi seguido pela visita do presidente Jiang à Venezuela em 2001. Em 1998, o comércio entre os dois países foi de apenas US$ 182,8 milhões, valor que se multiplicaria por cem na segunda década do século XXI.
Em sua visita de 1999, Chávez descreveu a República Popular como "um verdadeiro modelo e exemplo de respeito mútuo", acrescentando que "nós [na Venezuela] desenvolvemos uma política externa autônoma, independente de qualquer potência mundial e, nesse aspecto, nos assemelhamos à China". Depois disso, altos funcionários de ambos os governos visitaram o país um do outro para desenvolver um relacionamento comercial e político, que se fortaleceu desde então.
Quando Hugo Chávez era presidente da Venezuela, ele visitou a China em 2001, 2004, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. O presidente Maduro fez o mesmo em 2013, 2015, 2018, 2021 e 2023. Por sua vez, os líderes chineses também visitaram a Venezuela: após a visita de Jiang Zemin em 2001, Xi Jinping (então vice-presidente) visitou em 2009 e em 2013, o presidente Hu Jintao planejou uma visita em 2010 (interrompida devido a um terremoto na China) e Xi Jinping, como presidente, visitou em 2014.
Este artigo detalhado de Francisco Dominguez - especialista em política latino-americana, secretário nacional da Campanha de Solidariedade à Venezuela e membro do grupo consultivo Amigos da China Socialista - procura mapear a evolução do relacionamento entre a Venezuela Bolivariana e a República Popular da China e sua importância para a América Latina como um todo.
Introdução
Sendo um estrategista consumado, Hugo Chávez compreendeu, mais cedo do que outros líderes de esquerda latino-americanos, a importância e o peso da China na política e na economia mundiais, especialmente o compromisso da potência asiática em ascensão de construir um mundo multipolar. Chávez, um ávido leitor, dotado de um intelecto formidável, também estava consciente não apenas da importância da revolução chinesa de 1949 e do papel de liderança desempenhado por Mao Tse Tung, mas também da reforma econômica de Deng Xiaoping, que levou ao extraordinário desenvolvimento econômico da China. Ele sabia que, dadas as afinidades entre as revoluções bolivariana e chinesa, a República Popular era um aliado amigável.
Chávez comunicou isso a seu anfitrião, o presidente chinês Jiang Zemin, e ao povo da China em sua primeira visita à República Popular em outubro de 1999. Durante a visita, ele foi ao Mausoléu de Mao e declarou: "Fui maoista durante toda a minha vida". A visita à China em 1999 fez parte de uma viagem em busca de mercados para parceiros comerciais venezuelanos e potenciais para ajudar a quebrar o domínio econômico esmagador dos Estados Unidos sobre a Venezuela. A viagem incluiu visitas a Hong Kong, Japão, Coreia do Sul, Malásia, Cingapura e Filipinas.
Embora a turnê tenha produzido resultados positivos em todos os outros países asiáticos, o resultado de sua visita à China foi muito além de todas as expectativas: aos oito acordos de cooperação já existentes entre a Venezuela e a China, assinados desde que Chávez assumiu o cargo em fevereiro de 1999, sua visita em outubro produziu mais sete, abrangendo as áreas de energia, petróleo, créditos para a compra de maquinário agrícola, investimentos, diplomacia e academia.
Chávez combinou sua audácia política estratégica ao promulgar uma constituição anti-neoliberal em 1999 com uma política externa vigorosamente independente, buscando estabelecer fortes vínculos de todos os tipos com a República Popular da China, como uma alternativa à forte dependência da Venezuela em relação aos EUA. O Comandante sabia que Washington havia ativado todos os seus recursos com o objetivo de derrubá-lo e eliminar seu governo - visto pelos EUA como uma anomalia abominável. A coragem política de Chávez é ainda mais impressionante se considerarmos que, em 1999, a América Latina, com exceção de Cuba, era um mar de neoliberalismo.
As relações de Washington com a República Popular começaram a se deteriorar porque, em 1996, Clinton autorizou a visita do presidente de Taiwan, Lee Teng-hui, revertendo uma política de 15 anos contra a concessão de vistos aos líderes de Taiwan. Pior ainda, em maio de 1999, a OTAN, durante sua guerra contra a Iugoslávia, bombardeou "acidentalmente" a embaixada chinesa em Belgrado, matando três jornalistas chineses. Embora para a Venezuela e a China os Estados Unidos fossem um importante parceiro comercial, ambos concordaram com níveis abrangentes de cooperação, sabendo que, com o tempo, isso seria visto com hostilidade em Washington.
Hugo Chávez abriu as portas e foi um pioneiro nas relações com a República Popular da China para o restante da América Latina. Chávez foi eleito em 1999; o segundo governo de esquerda dessa "maré rosa" a ser eleito foi Lula, em 2002, no Brasil, que seria empossado em 2003. Ou seja, quatro anos depois. Entre 1999 e 2003, o governo de Chávez enfrentou uma intensa desestabilização liderada pelos EUA, que incluiu violência de rua da direita, uma campanha de demonização da mídia mundial, protestos nacionais, sabotagem econômica, um golpe de estado de curta duração e um bloqueio de petróleo de 64 dias que quase levou o país ao colapso econômico. Embora plenamente ciente desse contexto, o presidente Jiang Zemin fez uma visita formal à Venezuela em 2001, ocasião em que os dois países decidiram estabelecer uma "Associação Estratégica para o Desenvolvimento Compartilhado" e criar uma Comissão Sino-Venezuelana de Alto Nível.
Venezuela e China: mais de duas décadas de parceria crescente
Os 15 acordos assinados em 1999 entre a República Bolivariana da Venezuela e a República Popular da China foram seguidos pelo acordo entre os dois países de estabelecer uma "Associação Estratégica para o Desenvolvimento Compartilhado" após a visita do primeiro-ministro Jiang Zemin a Caracas em 2001. O fato de isso ter sido acompanhado pelo estabelecimento da Comissão Sino-Venezuelana de Alto Nível atesta, com o benefício da retrospectiva, que a liderança política das duas nações compreendeu a importância estratégica do relacionamento.
Em setembro de 2000, uma Comissão Conjunta de Comércio se reuniu, oportunidade que o governo venezuelano utilizou para emitir um comunicado para apoiar a entrada da China na Organização Mundial do Comércio e reconhecer a República Popular da China como a única e legítima representante do povo chinês, reafirmando o apoio ao princípio de "um país, dois sistemas" como meio de reunificação.
Chávez fez uma segunda visita à China em julho de 2001 com o objetivo de consolidar a Parceria Estratégica de dez anos (2001-2011) assinada com o presidente Jiang Zemin no mesmo ano. Em sua visita, Chávez enfatizou a afinidade da revolução bolivariana com a revolução chinesa, observando especialmente o fato de que ambas as nações haviam entrado no século XXI sem ter aceitado nenhuma imposição de ninguém. Elas estavam determinando seu próprio destino por meio de seu próprio modelo político, social e econômico, com base em sua rica cultura e, além disso, ambos os países estavam promovendo relações internacionais baseadas na justiça, na autodeterminação das nações e no respeito à soberania de todas as nações.
Isso ocorreu em 2001, em um momento em que, apesar da crescente mobilização social e de uma crise aguda na América Latina, não havia indícios de que a região seria em breve engolfada por uma maré rosa de governos de esquerda. Lula foi eleito presidente do Brasil em outubro de 2002, Nestor Kirchner na Argentina em 2003, Evo Morales seria eleito presidente da Bolívia em dezembro de 2005 e Rafael Correa no Equador em 2006, para mencionar os mais importantes.
Alguma estabilidade política voltou à Venezuela depois que Hugo Chávez venceu um referendo revogatório em agosto de 2004. Chávez visitou a República Popular novamente em novembro de 2004, em um contexto muito diferente, já que foi depois do golpe de abril de 2002, que durou pouco tempo, e do bloqueio de petróleo de 64 dias liderado pelos EUA em 2003. O Brasil enviou 520.000 barris de gasolina para ajudar a aliviar a grave escassez causada pelo bloqueio, juntamente com vinte especialistas em petróleo para reiniciar a indústria petrolífera da Venezuela, sabotada por engenheiros da oposição (Mendible Zurita 2006, 18-19).
O novo presidente da China, Hu Jintao, recebeu Chávez em um momento em que o investimento da China na Venezuela era o maior da América do Sul. Foram assinados acordos de cooperação em energia e mineração, assistência técnica, infraestrutura, maquinário agrícola, forças armadas e habitação. Em 2005, a Venezuela criaria um vice-ministério para a Ásia, o Oriente Médio e a Oceania.
Na quarta visita de Chávez à China, em 2006, outra reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível foi realizada em Pequim, o que levou à assinatura de 31 novos acordos de cooperação e ao estabelecimento de um consulado venezuelano em Xangai. Nessa visita, os dois países assinaram 12 acordos de cooperação em energia, incluindo joint ventures no setor de petróleo na Venezuela por meio de suas respectivas empresas estatais de petróleo e o treinamento de 195 venezuelanos no uso de brocas de perfuração. A Venezuela concordou em aumentar o fornecimento de petróleo para a República Popular, a construção conjunta de 18 navios petroleiros, a exploração conjunta da possibilidade de produzir etanol na Venezuela e um projeto de economia de energia por meio da tecnologia chinesa em painéis solares (PDVSA 2006). Em seguida, foi realizada a sexta reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível em 2007, quando foram assinados mais 45 acordos de cooperação envolvendo áreas como energia, finanças, comunicação, tecnologia, infraestrutura, mineração, agricultura, educação e turismo.
Chávez visitou a China pela quinta vez em setembro de 2008, o que levou à renovação do Fundo Conjunto Venezuela-China, com um compromisso de US$ 6 bilhões. Em outubro daquele ano, como resultado da crescente cooperação entre a Venezuela e a China, a Venezuela lançou com sucesso seu primeiro satélite, o "Simon Bolivar 1". Ele foi construído pela China Great Wall Industry Corp. em um acordo assinado em novembro de 2005, foi operado pela Agência Bolivariana de Atividades Espaciais e ofereceu, gratuitamente, telecomunicações modernas, como Internet de banda larga, televisão de alta definição e serviços de telefonia móvel para toda a América Latina (Barbosa 2008). Na época (29/10/2008), a France 24, em tom azedo, relatou: "O laboratório espacial - o orgulho do regime de Hugo Chávez - está localizado no coração de uma base da força aérea. Em frente ao primeiro posto de controle de segurança, um cartaz adverte os visitantes: "Pátria socialista ou morte". A cooperação entre a Venezuela e a China no programa espacial levaria a Venezuela a lançar mais dois satélites, o 1º Satélite Venezuelano de Sensoriamento Remoto (VSSR-1) em 2012 e o VSSR-2 em 2017 (China Great Wall Industry Corporation 2017), batizados de Francisco de Miranda e Antonio Jose de Sucre, respectivamente, em homenagem aos líderes do século XIX da independência da Venezuela e da América Latina.
Hugo Chávez fez uma sexta (sua última) visita à República Popular em abril de 2009 para fortalecer a aliança estratégica com a China e, quando se encontrou com o presidente Hu Jintao, afirmou: "Ninguém pode negar que o centro de gravidade do mundo se mudou para Pequim". Isso foi precedido por uma visita do então vice-presidente Xi Jinping à Venezuela em fevereiro daquele ano. Os dois países concordaram que a Venezuela aumentaria seu fornecimento de petróleo para a China de 380.000 barris por dia para 1 milhão até 2013, para o qual uma refinaria de petróleo venezuelana seria construída em território chinês e eles estabeleceriam uma empresa de navegação binacional para transportar o petróleo bruto. Em dezembro de 2009, após a oitava reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível realizada em Caracas, foram assinados mais 29 acordos envolvendo as áreas de energia, ciência, tecnologia, aeroespacial, economia, comércio e questões sociais (Briceño-Ruiz e Molina-Medina 2020, 150).
Em 2010, quarenta e oito acordos foram assinados entre a China e a Venezuela, ano em que o Banco de Desenvolvimento da China emitiu um empréstimo em grande escala de US$ 20 bilhões para a Venezuela. A nona reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível levou à assinatura de 39 acordos em áreas como mineração, ciência e tecnologia, indústria, comércio, intercâmbio cultural, desenvolvimento agrário, comunas e habitação. A Comissão Conjunta de Alto Nível se reuniu em Caracas em novembro de 2011 para sua décima reunião, com foco na revisão do progresso dos projetos conjuntos, mas também foi estabelecido um Grupo Parlamentar de Amizade da Venezuela com a China.
De 1999 a 2011, foram assinados 430 acordos entre a Venezuela e a China, dos quais 171 eram projetos de cooperação em energia e mineração, agricultura, ciência e tecnologia, infraestrutura, indústria, aeroespacial, cultura, questões sociais, econômicas e comerciais. Eles também incluíram projetos em áreas como ferro e alumínio, produção de alimentos, habitação, importação de ônibus e veículos, saúde e suprimentos médicos e energia elétrica.
A partir de 2012, a China forneceu assistência financeira ao enorme programa habitacional da Venezuela e, como resultado da 11ª reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível convocada em Pequim, a cooperação se expandiu para mineração (certificação, exploração e prospecção geológica de reservas de minerais), petróleo (fornecimento de plataformas de petróleo), finanças (Fundo Conjunto com a PDVSA), eletricidade e academia.
A morte prematura de Hugo Chávez, em 5 de março de 2013, foi recebida pelos Estados Unidos e pela oposição venezuelana como uma oportunidade de ouro para acabar com a Revolução Bolivariana. Assim, a oposição contestou a vitória eleitoral de Nicolas Maduro em abril de 2013, que foi seguida por uma onda de violência nas ruas que durou seis meses em 2014, complementada por sabotagem econômica que provocou escassez aguda de itens básicos de consumo diário, principalmente alimentos. Em 2015, o presidente dos EUA, Barack Obama, declarou a Venezuela "uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional dos EUA", abrindo as comportas para uma série imparável de medidas coercitivas unilaterais desagradáveis (também conhecidas como "sanções"). Ele também expandiu a produção de energia dos EUA por meio do fracking, deliberadamente fazendo com que os preços do petróleo despencassem para menos de US$ 30 o barril (Dominguez 2019). Começava assim a pior crise da história da república venezuelana.
A agressão liderada pelos EUA contra a Venezuela foi altamente prejudicial para sua economia e seu povo, pois a levou à beira do colapso, estado em que se encontrava de 2014 a 2020 (Dominguez 2023). No entanto, o apoio e a cooperação da República Popular da China com a Venezuela nunca enfraqueceram. Muito pelo contrário, foram intensificados como solidariedade, especialmente durante os anos muito difíceis da pandemia de Covid-19, período em que o bloqueio dos EUA à Venezuela foi mais intenso. Além disso, o presidente dos EUA, Donald Trump, declarou a eleição venezuelana de 2018 fraudulenta e o vencedor, o presidente Maduro, ilegítimo, levando os EUA a reconhecer o autoproclamado "presidente interino", Juan Guaidó, que se envolveu em corrupção maciça com ativos venezuelanos controlados pelos EUA.
As 12ª e 13ª reuniões da Comissão Conjunta de Alto Nível ocorreram em setembro de 2013 e julho de 2014, respectivamente. A primeira, realizada na China, contou com a presença do presidente Maduro e a segunda, realizada em Caracas, com a presença do atual presidente Xi Jinping. Os dois países assinaram mais acordos, nas mesmas áreas das reuniões anteriores.
O presidente Maduro viajou para a República Popular em janeiro e setembro de 2015, este último como parte da 15ª reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível, onde, entre os 11 novos acordos, havia o Plano de Desenvolvimento Conjunto Venezuela-China (2015-2025), o Acordo-Quadro para Cooperação em Zonas Econômicas Especiais na Venezuela e o Acordo-Quadro para um Mecanismo Financeiro Especial de até US$ 5 bilhões.
Em 2016, a China e a Venezuela haviam desenvolvido mais de 18 projetos de produção de petróleo com um investimento total de cerca de US$ 5 bilhões. A China havia aprovado o financiamento de cerca de US$ 700 milhões em projetos no Arco de Mineração do Orinoco, uma região rica em ouro, coltan, diamantes, ferro, bauxita e outros minerais estratégicos. Em fevereiro de 2017, a China e a Venezuela haviam assinado um total de 790 acordos de cooperação em áreas estratégicas (PSUV 2017). Em sua 10ª visita à República Popular, o presidente Maduro, no contexto da 16ª reunião da Comissão Conjunta de Alto Nível realizada em Pequim, assinou mais 28 acordos de cooperação nas áreas usuais de petróleo, ciência e tecnologia, mineração, economia, segurança e saúde (Ministério das Relações Exteriores 2018). O presidente Maduro caracterizou essa visita como "histórica" porque assinou um Memorando de Entendimento com a China "para cooperação na Iniciativa Cinturão e Rota" (CGTN 2018).
Entre 2000 e 2018, a Venezuela tomou emprestado mais de US$ 67 bilhões de instituições chinesas, cerca de 48% do total de empréstimos da China para toda a América Latina. Os especialistas dizem que esse é o maior crédito concedido pela China a qualquer país do mundo (Brandt e Piña 2019, 9). Isso levou alguns especialistas a "teorizar" que, paradoxalmente, na busca da Venezuela pela construção de um mundo multipolar, o estreitamento e o crescimento das relações econômicas com a China como contrapeso a Washington, torna-a cada vez mais dependente do investimento, do apoio tecnológico e da assistência econômica chineses, o que "poderia muito bem levar à substituição de uma dependência antiga (Estados Unidos) por uma nova (China)" (Briceño-Ruiz e Molina-Medina 2020, 162). O fortalecimento contínuo do relacionamento Venezuela-China e China-América Latina desmente essas falácias.
Entre 2008 e 2020, a Venezuela foi responsável por 29,6% dos projetos contratados realizados pela China na América Latina, bem acima do Brasil (13,9%), Argentina (10,7%), Equador (7,5%), México (6,7%), Colômbia (6,2%) e Peru (4,2%). Confirmando a natureza forte da relação China-Venezuela, entre 2010 e 2018, a China construiu vários hospitais, estradas, pontes, portos, aeroportos, escolas, projetos hidrelétricos e projetos habitacionais (Guo 2023, 1-26). Em maio de 2023, a relação da Venezuela com a China foi atualizada de "parceria estratégica" para "parceria estratégica abrangente".
Em setembro de 2023, por ocasião de uma visita do presidente Maduro a Pequim, a convite do presidente chinês Xi Jinping, o relacionamento da República Popular da China com a República Bolivariana da Venezuela foi atualizado para uma "parceria estratégica para todos os climas". O evento foi descrito da seguinte forma: "A conexão China-Venezuela é um marco importante no cenário político e econômico global em transformação. Em uma ordem mundial em transformação, essa parceria tem o potencial de proporcionar à Venezuela prosperidade econômica, estabilidade e maior autonomia (Anwar 2023)."
Ambos os líderes e seus respectivos governos veem seu relacionamento como um componente central da construção de um mundo multipolar, valorizando muito "o importante papel do Fórum China-CELAC (CCF) na promoção das relações China-América Latina e Caribe (ALC). Xi Jinping e Maduro estão dispostos a fortalecer as comunicações e a coordenação em assuntos relacionados ao CCF, de modo a promover relações estáveis e duradouras entre a China e a ALC na nova era, caracterizadas por igualdade, benefício mútuo, inovação, abertura e bem-estar para seus povos. O lado chinês apreciou o papel da Venezuela nos assuntos da ALC, bem como sua postura ativa em favor do desenvolvimento contínuo da cooperação entre a região e a China (Ministério das Relações Exteriores 2023)".
A evolução das relações entre a Venezuela e a China, conforme descrito acima, ocorreu no contexto do grave declínio dos Estados Unidos e da ascensão econômica meteórica da República Popular da China, que se tornou o principal parceiro comercial da América Latina, conforme examinaremos a seguir.
O declínio dos Estados Unidos
A ascensão de Chávez e do chavismo pode ser encontrada nas especificidades do declínio e do eventual colapso da economia política venezuelana parasitária e dependente do petróleo, cuja manifestação terminal foi a explosão social de 1989 conhecida como Caracazo. Por sua vez, a queda do ancien régime da Venezuela ocorre no final da década perdida da América Latina, em um contexto dominado pelo declínio econômico e político do imperialismo norte-americano. Em 1960, o PIB dos Estados Unidos representava 40% do total mundial; em 2000 - dois anos após a eleição de Chávez - ele havia caído para 30% (Bhutada, 2021).
Os Estados Unidos procuraram neutralizar seu declínio construindo suas capacidades militares, aumentando assim maciçamente seu orçamento de defesa de US$ 47,35 bilhões em 1960 para US$ 320,09 bilhões em 2000 (e para US$ 800,67 bilhões em 2021), ou seja, um aumento impressionante de mais de 600% em 2000 (e 1.700% em 2021) (Macrotrends, 2023a). A força militar dos EUA tem sido exercida principalmente em guerras no Oriente Médio, apresentadas como uma "guerra global contra o terror" que começou em 2001 com a ação militar dos EUA contra o Afeganistão. Seguiram-se a guerra contra o Iraque em 2003, a guerra contra a Síria (descrita como "operações direcionadas para derrotar o ISIS"), o brutal bombardeio militar da Líbia que levou ao assassinato de Muammar Gaddafi em 2011 e um vigoroso apoio militar à Arábia Saudita na guerra civil no Iêmen.
O custo de 20 anos da "guerra ao terror" dos EUA foi, até agora, de mais de 900.000 pessoas mortas diretamente e cerca de 4 milhões que morreram indiretamente como consequência dessa guerra, 38 milhões de pessoas foram deslocadas e um custo estimado de US$ 8.000 bilhões para o contribuinte americano. Atualmente, os EUA estão realizando atividades de combate ao terrorismo em 85 países (Watson Institute, n.d.) e possuem cerca de 800 bases militares altamente dispendiosas em todo o mundo.
Devido aos gastos excessivos dos EUA (além do fraco desempenho econômico) nas últimas décadas, os governos dos EUA enfrentaram essas graves deficiências da economia do país tomando dinheiro emprestado por meio da emissão de títulos do Tesouro, o que levou a um aumento dramático da dívida pública dos EUA: em 1960, era de US$ 286 bilhões, em 1980, subiu para US$ 908 bilhões e, em 2000, chegou a US$ 5.764 bilhões. Ou seja, entre 1960 e 1980, a dívida pública dos EUA girava em torno de 30-40% do PIB, em 2000 estava em torno de 60% do PIB, em 2020 havia atingido mais de 100% do PIB e em 2023 estava em 120% do PIB (Srinivasan, 2023). Atualmente, a dívida pública dos EUA é superior a US$ 33 trilhões (a maior do mundo em volume) e, com um PIB de US$ 27 trilhões, a diferença é de impressionantes US$ 6 trilhões (US Debt Clock, n.d.), equivalente ao PIB combinado de todos os países da América Latina e do Caribe (Macrotrends 2023b).
O Banco Mundial considera que os países com uma relação dívida/PIB acima de 77% por um período prolongado sofrem uma desaceleração significativa no crescimento econômico (Caner, Grennes e Koehler-Geib, n.d.). Entre 1961 e 2017, a taxa média de crescimento econômico dos EUA foi de pouco mais de 2%; ela havia sido de 4,4% em 1970, ou seja, uma tendência de longo prazo de queda constante (Topforeignstocks 2017). Além disso, o sistema bancário dos EUA provocou uma enorme recessão mundial em 2008 e, em seguida, foi atingido pela pandemia de Covid-19 antes que pudesse se recuperar totalmente (Coghlan et al., 2018).
Como consequência dos gastos militares excessivos, dos déficits comerciais persistentes e crescentes e do fraco desempenho econômico, a economia dos EUA não consegue gerar poupança suficiente para se dedicar ao investimento doméstico. Estima-se que "a poupança e o investimento tenham diminuído substancialmente como porcentagem do PIB nos últimos 40 anos e tenham entrado em colapso quase que totalmente desde a crise financeira", que, além disso, o investimento "mal acompanha o ritmo da depreciação" e, em conclusão, os EUA, "de modo geral, não poupam dinheiro suficiente para financiar todos os investimentos domésticos que valem a pena e dependem substancialmente de investidores estrangeiros para compensar a diferença (Cole 2014)".
Esses números foram apresentados em um artigo escrito para a Tax Foundation em 2014, mas desde então a situação econômica dos EUA em todos esses aspectos piorou significativamente. Os Estados Unidos poderiam aumentar o nível de poupança disponível para investimento, mas isso terá que ser feito por meio da redução do consumo da população ou dos gastos militares. Este último, especialmente com os atuais conflitos na Ucrânia, em Gaza e com o uso de força militar contra a China em torno de Taiwan, é politicamente intocável. Enquanto isso, os salários estão estagnados há décadas: "Entre 1979 e 2020, os salários dos trabalhadores cresceram 17,5%, enquanto a produtividade cresceu três vezes mais rápido, 61,8% (Lee 2022)." Além disso, o investimento direto dos EUA no exterior supera o investimento estrangeiro direto interno; em 2021 e 2022, a diferença foi de US$ 1.331 bilhão e US$ 1.326 bilhão, respectivamente (Bureau of Economic Analysis 2022).
Uma consequência crucial foi a negligência de décadas com a infraestrutura do país, o que agrava todos os problemas identificados. Em 2021, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis (ASCE) informou que "estima-se que 6 bilhões de galões de água tratada são perdidos todos os dias nos EUA, o suficiente para encher mais de 9.000 piscinas", 43% de nossas vias públicas [estão] em condições ruins ou medíocres, um número que permaneceu estagnado nos últimos anos", "42% das 617.000 pontes têm pelo menos 50 anos de idade e 46.154, ou 7,5% das pontes do país, são consideradas estruturalmente deficientes", para mencionar apenas algumas das áreas negligenciadas (American Society of Civil Engineers 2021).
Uma dimensão frequentemente negligenciada da decadência econômica e política dos EUA é o aumento da pobreza no país mais rico do planeta. Em uma audiência no Senado dos EUA em 2014 sobre a pobreza infantil, o senador Bernie Sanders declarou que "os EUA têm, de longe, a maior taxa de pobreza infantil de qualquer grande país do mundo", ou seja, "22% das nossas crianças vivem na pobreza". Sanders comparou esse índice com o de outros países: Dinamarca, 3,7%: Finlândia, 3,9%; Noruega, 5,1%; Islândia, 7,1%; Áustria, 8,2%, Suécia, 8,2%; Alemanha, 9,1%; Coreia do Sul, 9,4%; Reino Unido, 9,8%; França, 11%; Nova Zelândia, 13%; Polônia, 13,6%; e Canadá, 14%. Ou seja, continuou Sanders, "em nossa sociedade, uma em cada quatro crianças se alimenta com vales-refeição". Ele também disse que o motivo pelo qual os EUA têm mais pessoas presas do que qualquer outro país do mundo é o alto nível de evasão escolar, que, por sua vez, é causado pelo alto nível de pobreza infantil. Ele também disse que a pobreza na infância se manifesta no fato de que "mais de uma em cada cinco crianças nos Estados Unidos vive em lares que não têm acesso consistente a alimentos adequados porque seus pais não ganham dinheiro suficiente [...] o número de crianças sem teto aumentou 73%, desde 2006, em todos os estados do país há famílias vivendo com seus filhos em carros ou abrigos de emergência (Sanders 2014)."
Um estudo do Government Accountability Office, GAO (Escritório de Prestação de Contas do Governo) encomendado pelo senador Sanders, publicado em setembro de 2019, concluiu não apenas que "os ricos estão ficando mais ricos e os pobres, mais pobres", mas também que os primeiros estão vivendo vidas mais longas, enquanto os americanos pobres estão morrendo jovens, levando Sanders a concluir que "a pobreza é, de fato, uma sentença de morte". O relatório constatou que 48% dos 20% mais pobres na faixa etária de 51 a 61 anos em 1992 haviam sobrevivido até 2014, enquanto que entre os 20% mais ricos, 75,5% estavam vivos. "Os 20% mais pobres tinham duas vezes mais chances de morrer durante o período de 22 anos do que os 20% mais ricos." A mesma disparidade também foi encontrada pelo Relatório sobre a expectativa de vida (veja nossos comentários abaixo sobre a expectativa de vida na China), "apenas metade das pessoas sem diploma universitário e entre os 20% mais pobres da distribuição de renda sobreviveram até 2014. Entre os que tinham diploma universitário e estavam entre os 20% melhores, com base nos ganhos no meio da carreira, 80% ainda estavam vivos (Sanders 2019)." De acordo com o US Census Bureau, em 2022 havia 37,9 milhões de pessoas vivendo na pobreza (11,5% da população) (US Census Bureau 2023). Em setembro de 2022, o Congressional Budget Office (CBO), abrangendo o período de 1989-2019, informou que "em 2019, as famílias nos 10% mais ricos da distribuição detinham 72% da riqueza total, e as famílias no 1% mais rico da distribuição detinham apenas 2% da riqueza total", uma situação que Sanders descreveu como "obscena" (Wilkins 2022).
O fraco desempenho econômico dos EUA reduz a capacidade do país de competir com sucesso no mundo e levou a um déficit comercial crescente. Em 1989, seu déficit comercial era de US$ 109,399 bilhões, déficit que cresceu ano após ano e que, em 2022, atingiu US$ 1.177,372 bilhões, ou seja, um aumento de 11 vezes.
No que diz respeito às relações entre os EUA e a América Latina, durante três décadas (1970-2000), após a derrubada de Allende no Chile, os governos dos EUA impuseram políticas neoliberais brutais em seu "quintal" (o "Consenso de Washington"). O neoliberalismo empobreceu maciçamente milhões de pessoas, minou a soberania dos países ao sul do Rio Bravo (Grande), apropriou-se avidamente de seus recursos naturais, forçou vigorosamente onda após onda de privatização de ativos estatais e armou o FMI e o Banco Mundial para impor pacotes de ajuste estrutural desagradáveis, levando milhões de pessoas a privações desesperadas. Em 1990, a proporção da população que vivia abaixo da linha da pobreza era de 48,3%, ou seja, 200 milhões de pessoas, número que diminuiu ligeiramente em 1999 para 43,8% (211 milhões de pessoas). Isso foi acompanhado por níveis sem precedentes de concentração de renda no topo, com 10% das famílias mais ricas recebendo mais de 30% da renda total (CEPAL 2004, 33 e 79) (ou até mais), tornando a América Latina a região mais desigual do mundo.
Não é de se admirar que, na década de 2000 a 2010, os movimentos sociais radicais e as correntes políticas de esquerda tenham derrubado e derrotado um governo neoliberal após o outro (em alguns casos, por meio de insurreições em massa), dando origem à "maré rosa" que mudou definitivamente a aparência da região. Em 2005, um movimento continental liderado por Chávez derrotou os esforços dos EUA para incorporar a América Latina a uma zona de livre comércio dominada pelos EUA, do Canadá à Patagônia. Essa ofensiva política das forças progressistas contra o neoliberalismo enfraqueceu ainda mais os Estados Unidos, que já estavam em declínio, situação que coincidiu com a ascensão econômica da República Popular da China.
América Latina: A vanguarda do Sul Global na construção de um mundo multipolar
Entre 1960 e 2000, o comércio entre a República Popular da China e a América Latina era insignificante; no entanto, no início da segunda década do século XXI (2012, no auge da maré rosa), o comércio entre elas aumentou 21 vezes. Naquela época, a República Popular da China havia se tornado o principal parceiro comercial de vários países latino-americanos, em uma relação econômica que continuou a se expandir. O comércio anual entre a República Popular da China e a América Latina e o Caribe cresceu de US$ 12 bilhões em 2000 para US$ 445 bilhões em 2021, ou seja, um aumento de 28 vezes (The Economist, 15 de junho de 2023).
Esse desenvolvimento estava de acordo com o extraordinário crescimento da China na economia mundial: Em 1960, o PIB da China era inferior a US$ 60 bilhões, enquanto o dos EUA era de US$ 543 bilhões; em 2022, o PIB da China havia aumentado para mais de US$ 17 trilhões (Macrotrends 2023c), enquanto o dos EUA era de US$ 25 trilhões (Macrotrends 2023d). Ou seja, a economia dos EUA havia crescido 46 vezes, enquanto a da China havia crescido 283 vezes. Além disso, em 1980, a taxa de pobreza da China era de quase 100%; depois de tirar quase 900 milhões de pessoas da pobreza, em 2023 essa taxa caiu para 12,6%, enquanto a dos Estados Unidos é de 17,8% (Wisevoter, n.d.). Em 2021, a China havia conseguido erradicar a pobreza extrema. Em 2022, Ma Jiantang, Secretário do Grupo de Liderança do Partido do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento, declarou que "a batalha da China contra a pobreza beneficiou o maior número de pessoas na história da humanidade (World Bank 2022). O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, comemorou o fato como "a maior conquista contra a pobreza da história" (Nações Unidas 2019). A expectativa de vida na China, uma medida mais precisa de bem-estar, passou de cerca de 40 anos em 1950 para mais de 77 anos em 2023, ou seja, um aumento de 37 anos (Macrotrends 2023e).
A China se tornou o maior parceiro comercial da América do Sul e, embora os EUA tenham continuado a ser o maior parceiro comercial da América Central, a China subiu para a segunda posição. E, embora o México esteja fortemente entrelaçado com os EUA em um acordo abrangente de livre comércio, no período de 2000 a 2021 seu comércio com a China aumentou 40 vezes (Cadena et al., 2023). Espera-se que o comércio entre a China e a América Latina cresça para mais de US$ 700 bilhões até 2035.
Esses vínculos comerciais foram fortalecidos por acordos de livre comércio entre a China e os países latino-americanos: A China assinou acordos de livre comércio com o Chile (2005), Peru (2009), Costa Rica (2011), Uruguai (2016) e Equador (2023) e, até o momento, 21 países assinaram a Iniciativa Cinturão e Rota da China (Stott 2023). Apenas para dar uma ideia desses desenvolvimentos, de acordo com a The Economist (18 de janeiro de 2023), o Chile, por exemplo, envia 67% de suas exportações de cobre e o Brasil 70% de suas exportações de soja para a China. Em 2022, as exportações da América Latina para a China atingiram US$ 184 bilhões (Hernandez 2023).
Esses desenvolvimentos entre o gigante econômico da Ásia e a América Latina estão ocorrendo em um ritmo alucinante, levando um think tank dos EUA - o Wilson Center - a descrever a crescente influência da China na América Latina como o deslocamento econômico dos Estados Unidos:
"Em 2000, cerca de 3% da população da região vivia em um país onde o peso econômico da China era maior do que o dos Estados Unidos. Duas décadas depois, essa porcentagem havia aumentado para 60%". (Urdinez 2023)
O mesmo se aplica ao Investimento Estrangeiro Direto (IED) da China na América Latina. Em 2000-2004, a média do IED chinês na América Latina foi de US$ 1 bilhão, e em 2005-2009 subiu para mais de US$ 3 bilhões. Em 2010-2014, subiu para quase US$ 12 bilhões, chegando a US$ 14 bilhões e a US$ 11 bilhões em 2020-2022. A média anual do IED chinês na América Latina no período de 2000 a 2022 foi de US$ 8 bilhões, ou seja, um total acumulado de US$ 184 bilhões que gerou um total de quase 630.000 empregos. O IED da China na América Latina abrangeu diversas áreas, incluindo automóveis, eletrônicos, energia, metais, minerais, mineração, telecomunicações, transporte e muito mais (Dussel Peters 2023, 5 e 10).
As tendências examinadas acima mostram o crescente fortalecimento do relacionamento entre a América Latina e a República Popular da China, que foi recentemente descrito como tendo evoluído significativamente, "apresentando um imenso potencial para crescimento e cooperação futuros. Essa parceria abriu uma ampla gama de oportunidades para ambas as regiões, com implicações econômicas, políticas e sociais que podem moldar o cenário global". (Dussel Peters, op. cit.)
O peso econômico da China na região cresce rapidamente. Em janeiro de 2023, o presidente do Brasil, Lula da Silva, falou sobre a possibilidade de negociar um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a China. O presidente do Chile endossou o pedido de adesão da China ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico (CPTPP). Além disso, a China assinou um acordo de US$ 1 bilhão com a Bolívia para explorar o lítio. O investimento da China no lítio da Argentina vale cerca de US$ 960 milhões. A China também está investindo no centro estatal de semicondutores do Brasil, o CITEC. Além disso, Lula e o presidente argentino Alberto Fernandez fizeram visitas separadas à Huawei durante viagens à China, demonstrando o interesse latino-americano em aprofundar a cooperação em TI com a República Popular, "para desespero dos Estados Unidos". (Wu 2023)
Em uma visita à China em abril de 2023, Lula assinou 15 acordos de ampla cooperação, mas o "marco mais importante foi a assinatura de acordos de troca de moeda entre o Brasil e a China em março de 2023". (Silk Road Briefing 2023) Um mês depois, a Argentina fez o mesmo, concordando em pagar US$ 790 milhões em importações mensais da China a partir de maio de 2023 em RMB Yuan. (Wu op. cit.) O Brasil é a maior economia da América Latina e a Argentina, a terceira maior.
O desenvolvimento mais importante na região é o acordo assinado pela China e pelo Brasil em 31 de março de 2023 para o comércio em suas moedas mútuas, permitindo que eles realizem suas transações comerciais e financeiras anuais de US$ 150 bilhões diretamente, "trocando Yuan RMB por Real brasileiro e vice-versa, em vez de usar o dólar americano para liquidações" (Silk Road Briefing op. cit.). Ironicamente, 59 anos antes, exatamente em 31 de março de 1964, o presidente democraticamente eleito da ala esquerda do Brasil, João Goulart, foi derrubado por um golpe de Estado liderado pelos EUA, levando a uma ditadura militar que durou 21 anos.
Três semanas depois, o governo argentino tomou a decisão de liquidar US$ 1.040 bilhão de importações chinesas em abril e, a partir de maio, US$ 790 milhões por mês em yuans em vez de dólares americanos. Em janeiro de 2023, o Banco Popular da China ampliou seu swap cambial com a Argentina em 35 bilhões de yuans (US$ 5 bilhões) para 165 bilhões de yuans (US$ 22 bilhões). O Ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, disse: "Esses tipos de medidas dão maior força às nossas reservas e são fundamentais para melhorar as perspectivas de reservas líquidas, dando-nos maior liberdade e capacidade de intervir diante daqueles que especulam e superespeculam com a situação econômica..." (Wong, 27 de abril de 2023). Assim como no Brasil, 47 anos antes (24 de março de 1976) um golpe de Estado liderado pelos EUA derrubou o governo legítimo da Argentina e instalou uma ditadura militar que assassinaria 32.000 pessoas em apenas seis anos.
A eleição de Javier Milei como presidente da Argentina provavelmente complicará, mas não impedirá, a proposta do Brasil de uma moeda comum para seu comércio mútuo com a Argentina e como base para uma moeda comum latino-americana. O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina na América Latina, portanto, as ameaças de Milei de romper comercialmente com o gigante da América Latina podem ser apenas demagogia eleitoral; seria muito difícil de implementar e totalmente autodestrutivo. Romper comercialmente com a China também seria desastroso, já que a Argentina exporta 92% de sua soja e 57% de sua carne para a China, e a República Popular investiu pesadamente na indústria de lítio e no setor de energia da Argentina (Asia Times, 21 de novembro de 2023). A não adesão ao BRICS, como anunciou a principal assessora de Milei, Diana Mondino, prejudicará substancialmente as perspectivas de recuperação da Argentina. Esperemos que as realidades econômicas induzam o governo de Milei a um mínimo de pragmatismo e sanidade.
E, há algumas semanas, no dia 21 de outubro, a recém-nomeada presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, reuniu-se com o presidente da China, Xi Jinping, para discutir maneiras de desenvolver uma nova arquitetura financeira mais justa e equitativa, com o objetivo de permitir a participação de mercados emergentes e países em desenvolvimento. Dilma também participou do 3º Fórum da Iniciativa do Cinturão e Rota (18-19 de outubro de 2023), onde disse que a BRI é um dos instrumentos mais eficazes para construir uma comunidade global de futuro compartilhado que seja multipolar, inclusiva e sustentável." (Brasil 247, 21 de outubro de 2023)
Em 12 de outubro de 2023, Delcy Rodriguez, vice-presidente da Venezuela, no Fórum da Semana da Energia, realizado em Moscou, fez um apelo para desdolarizar o mercado de petróleo e convocou os 31 países visados pelas sanções dos EUA a enfrentar conjuntamente as sanções dos Estados Unidos. Ela também destacou que, como consequência das sanções dos EUA, a indústria petrolífera da Venezuela perdeu 4.000 milhões de barris de petróleo, o equivalente a US$ 600 bilhões (Swissinfo, 12 de outubro de 2023).
Embora a República Popular da China seja o segundo maior parceiro comercial da América Central, que tem sido mais apoiada pelos Estados Unidos do que o restante da América Latina, a mudança geopolítica para longe dos Estados Unidos também a está afetando. Esses governos romperam relações com Taiwan e as estabeleceram com a República Popular da China: em junho de 2007, a Costa Rica; em junho de 2017, o Panamá; em novembro de 2021, a Nicarágua; em agosto de 2018, El Salvador; e em março de 2023, Honduras.
O recém-eleito presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo (agosto de 2023), embora tenha declarado que manteria relações com Taiwan, também buscará melhores relações com a República Popular da China (Patrick 2023). Todas essas nações da América Central, com exceção da Costa Rica, sofreram intervenções dos EUA na forma de golpes de Estado liderados pelos EUA e até mesmo intervenções militares diretas dos EUA. É provável que, muito em breve, a República Popular deixe de ser o segundo maior parceiro comercial da América Central.
As características marcantes das relações entre a China e a América Latina são a "complementaridade" e o "desenvolvimento". A República Popular da China é parte integrante do Sul Global e a cooperação latino-americana com sua economia já avançada, cujo desenvolvimento é inexorável, oferece oportunidades crescentes de benefício mútuo (Guo, op. cit.).
Conclusão
A República Popular da China continuou a desenvolver fortes vínculos econômicos, comerciais e políticos com a República Bolivariana da Vem ezuela, mesmo durante os piores momentos vividos pela nação sul-americana como resultado das sanções dos EUA. Recentemente, em outubro de 2023, o porta-voz da República Popular da China, Mao Ning, saudou a "retomada do diálogo político na Venezuela" e exigiu que os Estados Unidos eliminassem "completamente" as sanções "unilaterais e ilegais" que atualmente são aplicadas contra a República Bolivariana da Venezuela. (Orinoco Tribune, 26 de outubro de 2023) Essa postura da República Popular da China dá confiança a outros governos de esquerda e progressistas (e até mesmo não muito progressistas) na América Latina sobre a solidez e a coerência de sua política externa em relação à região e ao Sul Global.
Além disso, a América Latina viu o que a República Popular da China pode e oferece para seu desenvolvimento, especialmente quando comparada com o que os Estados Unidos não podem e não oferecem para a região. Enquanto a República Popular da China oferece enormes recursos para o desenvolvimento e o progresso em todos os campos fundamentais e, o que é crucial, respeita a soberania nacional, os Estados Unidos oferecem austeridade neoliberal, agressão, medidas coercitivas unilaterais, bases militares e apoio político às correntes políticas mais extremas, como Uribe na Colômbia, Añez na Bolívia, Bolsonaro no Brasil, Milei, de extrema direita, na Argentina, e pisoteia persistentemente a soberania.
Não há dúvida de que Hugo Chávez, com sua visita em 1999, abriu o caminho para que a América Latina desenvolvesse vínculos semelhantes com a República Popular da China. E também não há dúvida de que a Maré Rosa original desenvolveu maciçamente as relações comerciais, econômicas e políticas entre a região e a República Popular da China (Dominguez 2017, 22-40). A política externa agressiva dos EUA contra os governos da Maré Rosa levou a América Latina a participar da construção de um mundo multipolar.
Os EUA desempenharam um papel crucial na destituição de Manuel Zelaya em Honduras em 2009, na tentativa de golpe contra o presidente Rafael Correa no Equador em 2010, no golpe "constitucional" contra o presidente Fernando Lugo no Paraguai em 2012, na derrota eleitoral do governo peronista na Argentina em 2015, o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil em 2016, a falsa acusação de corrupção e a prisão de Lula que facilitou a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018, e na agressão desagradável contra a Venezuela, Cuba e Nicarágua (Weisbrot 2017). E os EUA, é claro, têm sido o cérebro de todas as tentativas de derrubar a Revolução Bolivariana da Venezuela desde 1999.
O anseio da América Latina por um mundo melhor começou a tomar forma simultaneamente com a geopolítica emergente que está sendo construída principalmente pela República Popular da China por meio do BRICS, da Organização de Cooperação de Xangai e da Iniciativa Cinturão e Rota. Eles oferecem amplas oportunidades ao Sul Global para investimentos, mercados, tecnologia e créditos, oferecendo a possibilidade real de desenvolvimento socioeconômico em um mundo inclusivo, multipolar, pacífico e estável; possibilidade que foi negada à maior parte da humanidade no mundo unipolar hegemonizado pelos Estados Unidos.
Um editorial do China Daily (26 de julho de 2023) ironizou a abordagem agressiva dos EUA em sua "competição" contra a República Popular da China da seguinte forma
"Não foi a China que iniciou a guerra comercial entre os dois países, nem a China está suprimindo o desenvolvimento das empresas de tecnologia dos EUA. Os militares chineses não estão realizando as chamadas operações de liberdade de navegação na costa dos EUA, nem a China está se intrometendo nos assuntos internos dos EUA. E não é a China que está aumentando a necessidade de os países reduzirem os riscos para criar a impressão de ameaças secretas, nem a China está remodelando as cadeias de suprimentos para serem excludentes." (China Daily, 26 de julho de 2023)
Um editorial do Global Times (11 de fevereiro de 2023) ampliou essa visão argumentando que a agressividade dos EUA não se aplica apenas à China: "Somente em 2022, os EUA aplicaram 100 sanções contra outros países, envolvendo 82 países e regiões. O número de entidades na lista de sanções do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA aumentou de 912 em 2000 para 9.421 em outubro de 2021, um aumento líquido de 933%." O editorial do Global Times descreveu e previu com precisão o comportamento atual dos EUA:
"Quando Washington precisa reprimir oponentes, a democracia é uma arma; quando precisa conquistar parceiros, a democracia é um alicerce. O "tirano" antidemocrático fala sobre "democracia", o que é um insulto à democracia. A natureza hegemônica, intimidadora e dominadora da democracia dos EUA está sofrendo choques internos e externos sem precedentes. Desde os tumultos no Capitólio em 2021 até o caos político que ocorreu uma vez em um século este ano, a "democracia dos EUA" começou a apresentar rachaduras internas. As práticas democráticas bem-sucedidas de outros países são vistas como um inimigo formidável pela elite política americana, que está acostumada à autoimportância." (Global Times, 11 de fevereiro de 2023)
A visão progressista da América Latina de um mundo melhor e multipolar coincide perfeitamente com os objetivos da política externa da República Popular da China, explicitados pelo presidente Xi Jinping em seu discurso "Comunidade de Destino Comum" no Fórum de Boao em 2015. O argumento do presidente Xi é que o conceito "ganha-ganha" está fundamentado na realidade da divisão internacional do trabalho no mundo e no crescente comércio e investimento mútuos com os quais todas as nações se envolvem e para os quais elas precisam dos meios reais para permitir essas interações, como zonas de livre comércio, "portos, ferrovias, rodovias, aeroportos e links de telecomunicações".
Xi postulou que todos os países são "membros iguais da comunidade internacional, com direitos iguais de participar de assuntos regionais e internacionais" e que nenhuma civilização é superior à outra, ela é apenas culturalmente única. Isso contrasta fortemente com os EUA, cuja elite se apresenta como o "maior país que já existiu na história", caracterizando, por definição, todos os outros países como inferiores. Isso significa que a igualdade nas relações internacionais é uma ameaça à sua supremacia, e a concorrência é um jogo de soma zero de todos contra todos. Em suma, os Estados Unidos trabalham para criar resultados "ganha-perde", dos quais se beneficiam. Em resumo, o conceito de política externa da China de benefício mútuo se expressa em sua política "ganha-ganha", "o conceito dos EUA é competição, jogos de soma zero e supremacia dos Estados Unidos". (Ross 2015)
Faz 24 anos (outubro de 2023) que Hugo Chávez visitou pela primeira vez a República Popular da China, dando início a um relacionamento que se fortaleceria a cada ano que passava e a cada agressão imperialista dos EUA contra a República Bolivariana da Venezuela. Até o momento, 790 acordos de cooperação entre os dois países e uma infinidade de órgãos e instituições conjuntos foram estabelecidos, especialmente a Comissão Conjunta de Alto Nível, órgão binacional que supervisiona, ajusta e desenvolve seu relacionamento vantajoso para ambas as partes, o que atesta a força do relacionamento.
Em sua última visita à República Popular da China, o presidente Nicolas Maduro declarou que a China e a Venezuela têm uma relação de "confiança íntima mútua" e "amizade verdadeira" que compartilham "um destino comum no novo mundo que está surgindo" e que ambas as nações estão comprometidas com a paz, o desenvolvimento e a cooperação. Assim, o presidente Maduro deu total apoio ao objetivo do presidente Xi de "construir uma comunidade de destino compartilhado para a humanidade".
NB: Artigo traduzido por Franklin Frederich
REFERÊNCIAS
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