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    Jean Goldenbaum

    Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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    Sobre Lula, Biden, Israel, Palestina e a renovação da esperança pela paz

    Lula e Joe Biden (Foto: Stuckert | Reuters)

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    Enquanto Sionista de Esquerda, membro do partido israelense Meretz, um dos únicos dois partidos (o outro é o trabalhista Avodah) que possui em sua composição tanto judeus quanto árabes no parlamento, uma visita como a de Biden ao Oriente Médio esta semana, funciona como uma réstia de luz na escuridão. Sim, nosso desejo sobre a região sempre foi e continuará a ser o mesmo: o fim da ocupação israelense na Cisjordânia e a fundação de um estado palestino independente e soberano ao lado do estado israelense independente e soberano, ambos vivendo e convivendo não somente em paz, mas também em efetiva cooperação econômica e social.

    Biden esteve pela primeira vez enquanto presidente – já estivera outrora enquanto vice – na ao mesmo tempo tão maravilhosa e tão conflituosa região médio-oriental, visitando especificamente Israel, Palestina e Arábia Saudita. E por que podemos afirmar que a viagem foi um sucesso e nos inspira esperança?

    Bem, inicialmente porque em Israel ele foi recebido pelo atual primeiro-ministro Yair Lapid, o primeiro a ocupar o cargo desde 2009 que não representa a Direita/Extrema-direita (Netanyahu governou de 2009 a 2021 e depois Bennet de 2021 a 2022). Lapid advoga pela Solução dos Dois Estados, e Biden claramente também o faz (o oposto de Trump, é claro, que seguindo à risca a agenda direitista, apoia a continuação da opressão aos palestinos).

    A conversa com Lapid decorreu dentro do esperado: Biden confirmou mais uma vez o forte apoio a Israel que já se estende há décadas, frisando que a relação entre EUA e Israel se encontra “mais forte e profunda do que nunca”. Ambos falam o mesmo idioma político a respeito de dois principais pontos: estão disposto a fazer de tudo para impedir que o poderio atômico seja estendido; e também estão afeitos a trabalhar pela reconstrução do diálogo entre líderes israelenses e palestinos (desmantelado definitivamente por Netanyahu em 2014).

    De fato Lapid já provou estar comprometido a esta iniciativa: em primeiro de julho de 2022 ele assumiu o cargo de primeiro-ministro e exatamente sete dias depois telefonou a Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, para tentar retomar a cooperação a fim de atingir em algum momento a tão desejada paz.

    Biden então seguiu à Cisjordânia onde se encontrou na cidade de Belém com Abbas, que do alto de seus 87 anos proferiu discurso equilibrado e racional, clamando por exatamente o que menciono acima: o fim da ocupação e a fundação do estado palestino. Abbas ainda ressaltou que o estado deve ser constituído sobre as fronteiras de 1967 (ano da fatídica Guerra dos Seis Dias), ou seja, com Cisjordânia e Gaza formando o estado (proposta plenamente coerente e cabível na busca pelo acordo). Biden por sua vez proferiu um discurso histórico, concordando clara- e veementemente com Abbas, e iniciando com a frase “Nós dois estamos entre os primeiros apoiadores da Solução dos Dois Estados.”

    Ele prossegue: “A melhor maneira de alimentar a chama da esperança é demonstrar que as coisas podem ser melhores. E, presidente Abbas, os EUA são um parceiro neste trabalho para melhorar o dia a dia da vida do povo palestino.”

    Ele então aproveita para, sutil- e acertadamente, mencionar a política racista e disruptiva de Trump na região, relembrando as suas medidas: “É por isso que, quando assumi a presidência, eu reverti a política de meu predecessor e reinstituí a ajuda aos palestinos. Mais de meio bilhão de dólares em 2021, (…) doando mais de um milhão de doses de vacina de COVID-19 à Cisjordânia e Gaza, e mais de 400 milhões de em assistência humanitária aos refugiados palestinos. E hoje anuncio que os EUA providenciarão mais 200 milhões ao UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente) e mais 100 milhões em suporte aos hospitais palestinos em Jerusalém do Leste.”

    Ele conclui: “Espero que nossa visita seja o começo de um novo e revigorado diálogo entre a Autoridade Palestina e os EUA e entre palestinos e os países da região, entre eles Israel. Vamos trabalhar juntos para mostrar, sobretudo aos jovens, que o futuro pode ser melhor do que é hoje.”

    Há dois pontos essenciais que eu gostaria de colocar ao caro leitor ou cara leitora acerca da postura de Biden:

    O primeiro é que tal postura constitui um verdadeiro tapa diplomático na cara de três partes envolvidas: Trump (que apresentou em sua gestão um indecente e até ofensivo “plano de paz” à região, e tentará a reeleição em 2024); Netanyahu (que tentará a reeleição no próximo novembro para dar continuidade à sua ambição de construir uma dinastia em Israel); e Hamas (partido político com um braço terrorista que governa Gaza ditatorialmente, não dialoga com a Autoridade Palestina por ser democrática, e é logicamente contra a Solução dos Dois Estados, por não aceitar a existência de Israel).

    O segundo ponto é uma referência direta ao Brasil: a postura de Biden nesta temática se irmana integralmente à de Lula. Lula e Celso Amorim todas as vezes que estiveram no Oriente Médio ou abordaram qualquer questão relativa à região, sempre defenderam a Solução dos Dois Estados, reconhecendo a soberania e o pleno direito de existência e independência de Israel e da Palestina. Inclusive, esta é também a posição de dois dos principais aliados declarados de Lula na Europa, Scholz e Macron.

    Em suma, a viagem de Biden constitui um êxito da Razão e da luta por Democracia e Direitos Humanos, se inserindo dentro de um contexto maior, mundial: a busca pela vitória da civilização contra a barbárie, contra uma Israel netanyahista, um Brasil bolsonarista, uma América trumpista, e por aí adiante.

    Por fim, Biden seguiu à Arábia Saudita, voando inclusive diretamente de Israel a este país, um importante gesto simbólico em busca da normalização das relações entre estas duas nações. Lapid pediu que o estadunidense enviasse a seguinte mensagem a Riad: “Nossa mão está estendida para a paz. Estamos prontos para compartilhar nossa tecnologia e experiência, prontos para que nossos povos se conheçam e aprendam um com o outro, prontos para que nossos cientistas colaborem e nossos negócios cooperem.”

    E os primeiros frutos desta aproximação se deram rapidamente: a Arábia Saudita logo anunciou que permitiria que todos os aviões civis, incluindo os israelenses, usassem seu espaço aéreo.

    Entretanto, para que os acordos entre Arábia Saudita e Israel frutifiquem ainda mais, uma condição foi imposta em Riad: que as negociações de paz entre israelenses e palestinos sejam retomadas e desenvolvidas. E esta condição é um ponto fundamental em nosso tema central, afinal quando Netanyahu em 2020 com o apoio de Trump assinou como parte dos ‘Acordos de Abraão’ o pacto de normalização com três países do mundo árabe (Barein, Marrocos e Sudão), a causa palestina foi completamente ignorada. Os palestinos se sentiram logicamente traídos por parte da suposta irmandade muçulmana e criticaram enfaticamente os acordos.

    Enfim, devemos ter esperança sobre a paz em Israel e Palestina, algo que nossos avós já almejavam e morreram sem ver? Sim, sempre devemos manter a esperança quando algo de positivo ocorre, como esta viagem de Biden. Por outro lado devemos nos manter realistas. Se Netanyahu voltar ao poder será uma catástrofe. Se Trump também voltar, será a catástrofe à potência décima, assim como se Bolsonaro vencer novamente, adentraremos possivelmente o breu civilizatório no Brasil.

    Lutemos então pelos representantes da Paz no mundo todo. Nós Sionistas de Esquerda continuaremos lutando com todas as nossas forças pela vitória de Lula e Alckmin no primeiro turno em outubro e depois pela não-vitória de Netanyahu em novembro. Qualquer uma dessas duas batalhas, se perdida, representará a derrota da Democracia, da Justiça Social e dos Direitos Humanos. E no ponto e momento em que o planeta se encontra, isto pode ser fatal.

    Concluo este artigo com as palavras do próprio presidente Lula em discurso no parlamento israelense em histórica viagem em 2010. Elas eram atuais, continuam sendo e serão por quanto tempo forem necessárias:

    “A única recompensa que esperamos ter aqui é a felicidade de israelenses e palestinos. (…) Em 1948 o surgimento de Israel teve o patrocínio das Nações Unidas. Não será o caso das Nações Unidas, renovada, com maior legitimidade, assumir agora um papel mais ativo na busca da paz?

    Amigas a amigos, ao dirigir-me aos parlamentares israelenses, sei que não estou falando apenas à mais alta instituição do estado de Israel. Sei que por vosso intermédio falo a mães, pais, esposas e filhos dos que partiram em meio a conflitos que poderiam ter sido evitados. É chegada a hora de abrir um círculo virtuoso de negociações nesta região do mundo superando desconfianças e desentendimentos em nome de valores mais elevados. A história recompensará os que seguirem este caminho. Concluo uma vez mais mencionando esta figura luminar do século XX, Albert Einstein, quando proclamou: ‘A paz não pode ser mantida pela força, mas somente pode ser alcançada através do entendimento’. Shalom e muito obrigado” – conclui Lula, sendo aplaudido de pé pelos parlamentares em Jerusalém.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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