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    Jeová Silva Santana

    Professor e escritor

    14 artigos

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    Sobre o aparecer a qualquer preço

      Na minha infância, cada vez mais longínqua, vivida no  bairro Santos Dumont, em Aracaju, havia esse dizerzinho: “Quer aparecer? Bote um penico na cabeça e diga que é astronauta.” Essa recomendação cirúrgica ficava nos âmbitos domésticos.  Os adeptos de inclinações circenses serviam de motejo e não causavam maiores estragos. Não se abalava um mundo tão provinciano com celebridade instantânea.  A vida era um bem que se levava aos trancos e remansos. A morte severina passava nos caixões de anjinhos  levados por mãos paternas, seguidos por uma reca de pimpolhos serelepes.

     Trago essa lembrança oral para contrapô-la aos dias que passam, marcados por uma predisposição doentia de se sair do anonimato a qualquer custo. Os exemplos pululam por aí alimentados nas famigeradas redes sociais. Felizmente, para o bem e para o mal, são elas a fonte de disseminação  e do clamor para a punição  dos que têm um celular na mão e nenhuma ideia na cabeça. Ou melhor, até têm: tosca, indigente, desumana. Essa tendência foi amplificada pelos distúrbios dos tempos bolsonaristas e seu rastro de destruição, sob os quais penaram índios, pretos e pobres.  Não escaparam nem as franciscanas carpas do Palácio da Alvorada e as esguias emas da Granja do Torto.  

     Um dado ululante: “vídeo que viralizou”, no qual se destila um monte de excrescências boca afora, geralmente é de alguém afeito   aos discursos e práticas violentas  dos  últimos quatro anos. Houve uma contenção dessa derrama devido ao resultado eleitoral em outubro do ano passado, mas tudo indica que essa herança  nefasta  terá sobrevida nesses tristes trópicos.  

     A médio prazo, há duas medidas  para as rimas pobres (com o perdão dos poetas) dessa desgraceira, cujo ponto máximo foi o vergonhoso  8 de janeiro. Primeiro, o uso incisivo da lei, doa a quem doer, seja para fardados, seja para civis. Segundo, priorizar a  educação para que seja o vetor maior da desbarbarização. Nunca é demais lembrar, como escreveu o filósofo Theodor Adorno, que “a exigência para que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação”. A tragédia dos yanomami soa como uma triste referência a um ícone do horror no século XX.

     Pego aqui apenas quatro exemplos recentes do mote que move essas linhas. Em Maués, município de Manaus, duas jovens médicas gravaram um vídeo debochando de crianças atingidas por raios; também na Amazônia, três estagiárias  de enfermagem debocharam de pacientes “que morriam” numa unidade hospitalar de Manacapuru; em São Paulo, uma influenciadora (branca) desabafa após quase ser assaltada por quem “nasceu com a cor errada, na classe social errada”. Por fim, Mauricio Marcon, deputado do Podemos (RS), gravou vídeo dizendo que “a Bahia é um Haiti, lugar sujo e pichado”.  

     No caso das moçoilas  medicinais, houve exoneração e cancelamento de contrato. O deputado, como é usual nesse tipo de preconceito, pediu desculpas e “vida que segue” sob seus 140 mil votos. A moça assaltada, cuja performance no vídeo está mais para uma (péssima) atriz à procura de um novelista da Globo, deve estar feliz pelo  público angariado nos quase dois minutos do Tik Tok.  

     Enquanto isso, não hesito em recolocar  minhas retinas sobre Machado de Assis e sua cria mais filosófica, o inelutável Brás Cubas:  não devemos nos privar  “da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.” Assino embaixo à espera que o bom senso  substitua o narcisismo jeca  sob o invólucro  de lacrações e outros bichos.  “No futuro,  todo mundo será famoso por quinze minutos”. Infelizmente, essa maldição do pintor Andy Warhol  reduziu-se a míseros segundos.    

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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