Soco em Delis Ortiz é agressão à imprensa e à democracia
"É fundamental que o ato de violência contra a jornalista seja devidamente apurado e que os responsáveis sejam identificados e punidos", defende Florestan
Mais uma vez, um jornalista é agredido no Brasil. Mais uma vez, uma mulher. No dia 30 junho, a vítima foi a repórter Delis Ortiz, que levou um soco no peito, desferido por um agente de segurança, no Palácio do Itamaraty. Indignados, nós jornalistas manifestamos o repúdio à violência, ao cerceamento de nossa atividade e exigimos a identificação e punição dos responsáveis. Esse episódio que vitimou diretamente a nossa colega jornalista, é a inaceitável reedição de atos de violência contra a imprensa, que vêm se sucedendo nas últimas décadas e que leva o Brasil para a desonrosa posição de destaque no ranking dos países que mais violam jornalistas.
Quando repórter de televisão, nunca gostei das coberturas palacianas. Os presidentes eram literalmente blindados pelos donos dos meios de comunicação. Naquela época a relação entre o poder e a chefia de redação era afinadíssima.
Uma pergunta fora do script poderia levar à demissão do repórter. Na época do martírio do ex-presidente Tancredo Neves no INCOR de São Paulo, fui escalado pela TV Globo para entrevistar ao vivo as visitas ilustres que entravam e saíam do Hospital. Um dos primeiros entrevistados foi o jornalista e publicitário Mauro Salles, coordenador da campanha de Tancredo. Perguntei o que todos queriam saber: como será a posse de Sarney, sem a presença do titular? Mal terminou a entrevista e o editor me repreende pelo fone de ouvido: “Florestan, você não está aí para falar de política, mas da saúde do presidente”.
Tancredo morre, seu vice assume, e lá vou eu cobrir, pela TV Manchete, um encontro de José Sarney com o ex-presidente argentino, Raul Alfonsín, no interior de São Paulo. Ao tentar me aproximar dos presidentes, fui socado pelos seguranças.
Ao ver que eu estava em apuros, Sarney interferiu e conteve as agressões. Ao chegar na redação, fui informado pela direção que a segurança do Planalto havia reclamado da minha conduta, que esta não deveria se repetir.
Pelo jeito, essa lógica não mudou. Delis teria sido socada porque, para os agentes, estava próxima demais do chefe de estado da Venezuela.
Agentes esses que, nos últimos quatro anos, estavam à vontade para cumprir a sanha persecutória de seu então Presidente repressor.
Para se ter uma ideia, segundo dados da FENAJ (Federação Nacional de Jornalistas), apenas no ano de 2022, o Brasil registrou, em média, uma agressão a jornalista por dia, entre ataques físicos, ameaças e intimidações. A novidade, nos quatro anos passados, é que as agressões não partiram apenas dos pitbulls engravatados, que fazem a segurança do chefe, mas do próprio Chefe. A FENAJ levantou dados que apontam que Bolsonaro praticou em seu mandato 104 ataques a profissionais da mídia. Poucos foram exitosos em punir o agressor. Uma delas foi a jornalista Patrícia Campos Mello, que ganhou processo na justiça contra Bolsonaro, por declarações sexistas.
Durante as reuniões do grupo de trabalho da comunicação social, eu e a Tereza Cruvinel recebemos jornalistas da ABRAJ (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) que pediram providências do novo governo, no sentido de conter essa escalada de violência contra a imprensa. Nos comprometemos a encaminhar as demandas para a Secom e muito foi feito nesse sentido. De maneira geral, no governo Lula, os jornalistas são muito bem recebidos e o presidente e sua equipe têm, dentro do possível, atendido a todos. Contudo, o que aconteceu no encontro de presidentes no Itamaraty é inadmissível num governo democrático como o de Lula. É fundamental, para a democracia, que o ato de violência praticado contra a jornalista Delis Ortiz seja devidamente apurado e que os responsáveis sejam identificados e punidos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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