#SomosTodosAroeira: cartunistas recriam a charge que Bolsonaro quer proibir
"Cartunistas brasileiros e de outros países se uniram contra a tentativa de intimidação do governo Jair Bolsonaro ao colega Renato Aroeira por conta de uma charge publicada originalmente pelo portal Brasil 247", escreve a jornalista Cynatra Menezes
Por Cynara Menezes, para o Jornalistas pela Democracia
Cartunistas brasileiros e de outros países se uniram contra a tentativa de intimidação do governo Jair Bolsonaro ao colega Renato Aroeira por conta de uma charge publicada originalmente pelo portal Brasil 247. O ministro da Justiça, André Mendonça, anunciou que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República irão instaurar inquérito, com base na Lei de Segurança Nacional, da época do regime militar, para investigar o cartunista e o jornalista Ricardo Noblat, da revista Veja, que divulgou o trabalho do artista no twitter.
O bolsonarismo quer reeditar o que ocorreu na época da ditadura, quando cartunistas como Ziraldo e Jaguar foram presos, e o semanário O Pasquim, onde ambos publicavam suas charges, foi censurado e perseguido. Ziraldo foi para a cadeia antes do Pasquim, em 14 de dezembro de 1968, no dia seguinte à edição do AI-5 (Ato Institucional nº 5), que o próprio filho do presidente, Eduardo, já disse que sonha reeditar. A explicação: com seu lápis, era considerado um “elemento perigoso” pelo regime que torturava e matava opositores.
O cartunista mineiro seria preso novamente em 1970, junto com a turma do Pasquim, por causa de uma inocente intervenção de Jaguar sobre o quadro de Pedro Américo, Independência ou Morte. Como os militares cultivavam o “patriotismo” com adoração à monarquia (tipo hoje, em que o “príncipe” Luiz Phillipe de Orléans e Bragança, é deputado federal bolsonarista), a frase, sucesso na música do trio Mocotó, foi considerada uma “ofensa à Pátria”.
Para Miguel Paiva, que tinha 19 anos e atuava no Pasquim quando isso aconteceu, na verdade foi uma desculpa para a prisão. “Essa foi a justificativa, eles já estavam querendo fazer isso mesmo”, conta Miguel, também colaborador do Brasil 247 e integrante do coletivo Jornalistas Pela Democracia. Ele lamentou ver a história se repetindo. “Me vem a lembrança na cabeça, a sensação é de que tem alguma coisa ruim lá fora, mas vem também a esperança de que o humor cumpra o seu papel. Sinto mais tristeza que revolta. Acho que é desespero deles. Vão apelar, mas o momento é outro, eles é que continuam iguais.”
Na noite de segunda-feira, 15 de junho, o chargista Duke lançou, em grupos de whatsapp de cartunistas, a ideia de recriar o trabalho de Aroeira, intitulado “Crime Continuado”, sob o título “Charge Continuada”, como uma forma de protesto. Até agora, 55 desenhistas aderiram, com as recriações reunidas no perfil @SomosTodosAroeira no instagram. Para azar de Bolsonaro, ficaram ainda mais contundentes que a primeira.
“Inicialmente pensei em fazer uma charge sobre o caso, mas depois pensei que algo coletivo teria muito mais força, daí sugeri a ideia de cada um redesenhar a charge. Eu fiz a primeira e brinquei com o título original da charge do Aroeira: ‘crime continuado’ virou ‘charge continuada’, que é exatamente a proposta do movimento”, diz Duke. “Os humoristas e artistas de forma geral são sempre as primeiras vítimas do autoritarismo. Portanto, mais do que nunca, não é momento de se omitir. Quem não se posiciona frente a tantas atitudes autoritárias corrobora com o avanço dos fascismo. Não esperem de nós, chargistas, omissão e silêncio. Vamos resistir e lutar pra superar esse momento de tantos retrocessos.”
A tag #SomosTodosAroeira também está sendo utilizada para divulgar o protesto no twitter. Um abaixo-assinado em solidariedade ao chargista e em defesa da liberdade de expressão já reúne mais de 35 mil assinaturas.
A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos) divulgaram notas condenando a intimidação ao cartunista e a Noblat. “É estarrecedor que o ministro da Justiça, André Luiz Mendonça, anuncie a abertura de um inquérito policial contra o chargista Aroeira e o colunista Ricardo Noblat, devido a uma ilustração criada pelo primeiro e reproduzida pelo segundo, associando Bolsonaro ao nazismo”, afirmou a ABI em nota assinada por seu presidente, Paulo Jerônimo.
“Causa preocupação o Ministério da Justiça invocar a Lei de Segurança Nacional, promulgada durante a ditadura militar, para defender o presidente da República de uma charge crítica a seu governo”, disse a Abraji, pelo twitter. “Embora todo cidadão tenha direito a buscar reparação judicial quando se sente atingido em sua honra, usar o peso do Estado e uma lei criada em período de exceção é desproporcional neste caso, e sugere que o real objetivo é intimidar a imprensa e cercear a liberdade de expressão.”
Os mesmos bolsonaristas que agora perseguem cartunistas adoram apelar à “liberdade de expressão” quando se trata de defender o “direito” de divulgar fake news, atacar minorias, fazer “piadas” racistas e defender que seja instalada uma nova ditadura
A Associação dos Cartunistas do Brasil, a Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, o Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo divulgaram uma carta aberta em defesa da liberdade de expressão. “O que é mais estarrecedor, uma charge ou pessoas atirando fogos sobre o STF? Esta uma ação que, sim, mereceria a atenção do Ministro da Justiça”, diz o texto. “Como se não bastasse isso, os desenhistas Laerte, João Montanaro, Alberto Benett e Cláudio Mor estão sendo interpelados na Justiça pela publicação de cinco charges críticas à violência policial.”
Sim, o inquérito contra Aroeira veio na sequência de outra ação, movida pela Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar, a Defenda PM, entidade ligada ao bolsonarismo, que entrou na Justiça com um pedido de esclarecimento criminal para que a Folha de S.Paulo e os cartunistas “explicassem” charges consideradas pela entidade como “constrangedoras” a ela e a seus cerca de 2 mil associados. Os trabalhos denunciam a violência policial no Estado, campeão em mortes praticadas por policiais em serviço.
A Sociedade dos Ilustradores do Brasil repudiou a ameaça do governo ao cartunista. “Queremos lembrar ao Ministro da Justiça e ao Chefe da SECOM que o cartunista, exercendo, por meio de seu trabalho, a função de artista e comunicador crítico dos fatos, está em pleno direito de liberdade de expressão, prevista no Artigo 5o da Constituição Federal de 1988”, diz o manifesto. “Tal como lembrou muito bem o jornalista Ricardo Noblat, também ameaçado pelo governo por compartilhar a charge de Aroeira em suas redes sociais: ‘A liberdade de expressão ainda não foi revogada neste país’.”
Curiosamente, os mesmos bolsonaristas que agora perseguem cartunistas adoram apelar à “liberdade de expressão” quando se trata de defender o “direito” de divulgar fake news, atacar minorias, fazer “piadas” racistas e defender que seja instalada uma nova ditadura militar em suas passeatas.
Confira alguns dos trabalhos do movimento “Charge Continuada”. Será que o governo vai processar todos?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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