Superar a política de conciliação para derrotar o golpismo bolsonarista neofascista
"Fracassaram, em parte. Mas se vencemos algo foi uma batalha. A guerra é mais longa e não chegou ao final"
Desde antes das eleições de 2018, Jair Bolsonaro e os seus apoiadores já anunciavam suas intenções terroristas, com explícitas ameaças às esquerdas, aos trabalhadores do campo e da cidade, aos povos indígenas, à população negra, às mulheres, à comunidade LGBTQIT+, enfim ameaças à população excluída, oprimida e explorada da sociedade brasileira.
Com a sua posse, em 2019, efetivamente foi colocada em prática a primeira etapa do seu projeto necropolítico. O seu governo empoderou setores ultrarreacionários, ultraconservadores, fundamentalistas, criminosos, milicianos e fascistas. Destampou o esgoto trazendo para a luz do dia o lado sombrio da sociedade brasileira, marcada por mais de três séculos de escravidão e por jamais ter rompido com o seu passado colonial, oligárquico, patriarcal, violento e excludente. Aí está a base do fascismo brasileiro, expresso no bolsonarismo como a sua atual corrente hegemônica.
Desde a vitória democrática de 30 de outubro de 2022, não era preciso muito esforço intelectual para se dar conta da existência de uma conspiração em curso para golpear a democracia e afrontar o resultado das urnas, visando impedir ou, pelo menos, tumultuar a posse do Presidente Lula. Acampamentos em portas de quartéis pedindo intervenção militar pelo país afora, fechamento de estradas, hostilidade contra membros do STF, até mesmo contra alguns políticos da direita liberal que se afastaram do fascismo bolsonarista, além de uma aguerrida demonstração de fúria inconformada com a possibilidade de normalização da vida política e social no país. Como as ações políticas da conspiração fascista foram derrotadas institucionalmente, através das eleições e das medidas do STF, os golpistas passaram para as medidas insurrecionais, através do terrorismo.
As violências ocorridas em Brasília no dia da diplomação do Presidente eleito, 12 de dezembro, contou com a anuência das autoridades do Distrito Federal, o governador Ibaneis Rocha e o comando da Polícia Militar, como também do governo federal anterior. Dias antes da posse de Lula foi descoberto um caminhão de combustível com um artefacto explosivo que deveria ter sido acionado no aeroporto de Brasília.
São apenas algumas ações das inúmeras ameaças do golpismo terrorista bolsonarista.
Durante todo o período entre o anúncio do resultado eleitoral e a posse de Lula foi possível ver o elo existente entre os acampamentos nas portas dos quartéis, as ameaças de atos violentos e antidemocráticos com segmentos das forças armadas.
O governo Lula começou com a sua posse, no dia 1º de janeiro de 2023, com muita festa, colorido, esperança, emoção e a demonstração generosa de um país para todas brasileiras e todos os brasileiros.
Com sete dias de governo vimos uma verdadeira intentona fascista em Brasília, com a invasão e completa destruição do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF. Mais uma vez, com a cúmplice anuência do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, do Secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, com a amistosa complacência dos comandos da PM e com a omissão ou conivência do ministro da defesa do governo Lula, José Múcio.
A resposta democrática veio com o Presidente Lula decretando a intervenção na segurança pública do DF, com o ministro do STF, Alexandre de Moraes, decidindo pela intervenção e afastamento do governador Ibaneis Rocha e com o início da prisão de muitos participantes dos atos terroristas e do acampamento dos terroristas fascistas.
Algumas reflexões se colocam para entendermos o momento que estamos vivendo.
Eu considero que a intentona terrorista golpista do dia 8 de janeiro foi derrotada. No entanto, o bolsonarismo fascista e o seu ânimo golpista não deixou de existir. Podemos dizer que essa batalha foi vencida pelas forças democráticas lideradas pelo Presidente Lula. Mas temos que entender o alcance dos acontecimentos. Se, por um lado, a democracia teve uma vitória, por outro, o bolsonarismo e os militares golpistas, apesar das prisões, podem sentir o sabor da vitória. Afinal, eles destruíram fisicamente a sede do governo, os três poderes da República. Sentiram-se empoderados. E, aqui, temos que entender a lógica do fascismo, que tem a sua forma de ação através do avanço e recuo permanente, em um processo de acumulação de forças constante.
Não podemos esquecer do putsch da cervejaria de Munique, em 9 de novembro de 1923, uma primeira tentativa falhada de golpe de Estado de Hitler e do Partido Nazista. Foram mortos 16 nazistas e os outros foram presos pela polícia do Estado da Bavária, inclusive o próprio Adolf Hitler. Em janeiro de 1933, menos de 10 anos depois, chegava ao poder.
A lógica de confronto dos fascismos se dá com atos preparatórios, testes, avanços e recuos, como forma de acumulação de forças para novos avanços futuros. Assim, considero que os acampamentos, os bloqueios de estradas, as ameaças de explosão de um caminhão, a destruição das sedes dos poderes da República são atos preparatórios golpistas. Não são o momento definitivo do golpe. Trata-se de um processo para criar um permanente clima de caos, de instabilidade constante, criar medo, demonstrar capacidade de ação e força, como também, no caso do Brasil, desviar as atenções do governo de outras questões políticas, econômicas e sociais, para responder às provocações terroristas.
Fracassaram, em parte. Mas se vencemos algo foi uma batalha.
A guerra é mais longa e não chegou ao final.
Considero que, em um primeiro momento o nosso governo foi pego de surpresa. Acreditou na política do apaziguamento e do acordo, afinal o governador Ibaneis e o seu secretário de segurança estavam a garantir que tudo ia bem e em ordem.
E até mesmo as denúncias trazidas pelo jornalista Joaquim de Carvalho, da TV 247, dias antes dos atos terroristas, de que estavam preparando uma ofensiva em Brasília foram consideradas pelos nossos, inclusive pelo governo, como exagero, como histeria desnecessária.
Prevaleceu, nos primeiros instantes do governo o clima eufórico da posse do presidente e das diferentes posses de ministros no decorrer da semana. Prevaleceu o clima de “voltamos à tranquilidade”, “o amor venceu o ódio” etc, todos embevecidos, extasiados, com a nossa vitória e com a nossa demonstração política e até mesmo estética de como somos melhores do que os fascistas. Só que a história já mostrou diversas vezes que o fascismo não se derrota com acordos, apaziguamento, conciliação, diálogo ou flores.
O fascismo exige que sempre, sempre, tenhamos que estar atentos, preparados, pois, como disse Brecht, “a cadela do fascismo sempre está no cio”.
O fascismo não se derrota com diálogo, não se derrota com acordos ou conciliação, não se derrota com delicadeza e convencimento. A lógica do fascismo é a da guerra permanente, do confronto. E isso aprendemos há muitíssimo tempo, nas lutas antifascistas presentes na história dos povos. Agora apenas estamos confirmando na prática o que deverá ser uma referência para que possamos realmente derrotar os fascistas e reconstruir o Brasil.
Como eu disse no início, a tática deles é acumular forças.
Até acho que eles deram um “tiro no pé”, pois acabaram por criar uma enorme aliança que vai do governo Lula, passando pela Rede Globo e o resto da imprensa hegemônica, indo até o Biden. De Biden a Putin, passando pela Von der Leyen, pela Georgia Meloni, pelo Maduro, esquerda e direita liberal etc.
Tivemos uma vitória parcial. Parcial no sentido de que eles destruíram tudo, desviaram a atenção do governo das urgentes questões econômicas e sociais obrigando-o a perder um tempo e recursos para tratar da emergência da segurança.
A destruição de ontem é também simbólica, uma imagem metafórica dos quatro anos de destruição do país. Em poucas horas mostraram para o mundo do que são capazes, o horror.
E perderam. Mas também podem, pelo lado deles, criar empoderamento e acumulação de forças para novas estocadas. Depende também do nosso lado.
Nossa vitória parcial nessa batalha não é para ser festejada. Não é hora de festa. É hora de imobilizar o fascismo, aproveitar a oportunidade para esmagar as diversas cabeças desta serpente e começar a tentar reconstruir o país.
É uma oportunidade que caiu no nosso colo. Temos a opinião pública nacional e internacional, até a grande imprensa, os governos pelo mundo afora, todos contrários ao que aconteceu.
É um momento histórico que podemos aproveitar, deixando de lado a política (que se mostrou errada) do apaziguamento e começar tirando o ministro da defesa José Múcio, e criando a possibilidade de enfrentar a questão militar. A correlação de forças, momentaneamente, nos é favorável.
Isso garante algo? Não, necessariamente.
Isso leva ao acirramento? Pode ser.
Mas a política do acordo, da conciliação, do apaziguamento, com certeza, foi um fracasso e a sua continuidade tornará o governo Lula refém da tutela militar e das forças políticas mais reacionárias.
Temos que estar preparados para quatro anos de conflito. Cabe tentar esmagar a cabeça da serpente o mais rapidamente possível. E o momento é favorável para isso.
Será um período de intensa e dura luta política. Contra os fascistas e contra o chamado mercado (leia-se grande capital financeiro nacional e internacional ou, no popular, os bancos).
E a luta política passará também por uma intensa luta ideológica. E aqui entram os meios de comunicação.
Momentaneamente os fascistas estão isolados, momentaneamente.
E não podemos perder essa oportunidade. Infelizmente, acho que o espírito conciliatório da política brasileira (uma tradição bem lusitana, não é mesmo?) está presente. Temos que superar a nossa tradição do eterno “enorme Portugal”, como está no “Fado Tropical”, onde “quando a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega executa, senão o coração perdoa”.
Contra o fascismo, as políticas de apaziguamento e conciliação são o caminho certo para a derrota, a ver o fracasso do Pacto de Munique, de 29 de setembro de 1938, firmado entre os governantes da Europa, Adolf Hitler da Alemanha, Benito Mussolini da Itália, Neville Chamberlain do Reino Unido e Édouard Daladier da França. Um no depois a Alemanha invadia a Polônia e dava início à Segunda Guerra Mundial.
Corremos o risco de “deixar passar o bonde”. Espero que o governo Lula consiga superar a nossa eterna política de apaziguamento e conciliação e entenda que existem momentos em que temos que ousar.
Será uma luta intensa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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