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    Rogério Puerta

    Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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    Tabajara uma ova!

    O ministro do STF bem poderia ter evitado esta

    (Foto: Ricardo Stuckert)

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    Uma ova. A geração pós-internet desconhece o termo. Uma forma bem sutil, que nem de longe é condizente com o alto nível de indignação. Bem mais apropriado algo tal qual "Tabajara uma porra!". Porra chulo, mas o que é algo chulo frente a avalanche de imundície vomitada diariamente por bolsonaristas?

    Ministro do STF disse "Operação Tabajara", e aqui o Tabajara maiúsculo de forma alguma pela referência ao programa humorístico, mas à tribo dos tabajaras. Pior, o ministro disse para o público de Portugal. Ou lá em Portugal se conhece o programa sarcástico e genial da Rede Globo ou lá se conhece muito bem sobre os povos nativos pré-colombianos sul-americanos. As duas hipóteses são pouco prováveis.

    Coisa horrível de se dizer, o ministro pisou na bola, e feio. Referia-se à tentativa atrapalhada de fomentar um golpe de Estado via escuta clandestina de conversa. "Programa de índio" também é expressão de nossa geração, pior, "Tal qual um botocudo", outra abominação e absoluto desconhecimento e preconceito. Talvez não, talvez não o desconhecer, mas sim a intencionalidade de ofender e destilar ódio, afetar e ferir diretamente o objeto do preconceito.

    "Programa de índio" dizia-se quando algo era de muito mau gosto, enfadonho, um planejamento de entretenimento ridículo e fadado ao fracasso. Programa de índio, para quem já morou na Amazônia, ou para quem não fique sentado ao sofá assistindo documentários bem editados na tevê, programa de índio é sim catar açaí, pescar, andar de canoa, tomar banho de cachoeira, e as infinidades de coisas maravilhosas que se faz junto à natureza e longe da urbanidade caótica e poluída.

    "Tal qual um botocudo" horrível. O botoque labial ou auricular, lembrem-se do cacique Raoni e seu imenso lábio expandido inferior. Século XXI, muita gente botando nas orelhas expansores, o botoque auricular. Em complemento, tatuagens tribais aos montes, outra ancestralidade de povos originais. Problema é que botocudo foi muito usado, ou ainda é, em referência a alguém imensamente ignorante, iletrado, uma pessoa desprezível e sem esperança de correção.

    Botocudos os nativos mais brasileiros do que nós que impuseram severas derrotas sangrentas frente aos invasores europeus pós-fundear de Cabral e outros. Temidos botocudos, para deturpar o temor e esconder a covardia usou-se defenestrá-los. Bem mais coerente seria "Valente e desapegado tal qual um botocudo".

    Pisou na bola, ministro, e feio. Justo você, e justo para os portugueses? Por que não emendou uma muito mais espirituosa "Operação bufa/rocambolesca/patética", o diabo que fosse em substituição a Tabajara? Também não me venham com "Palhaçada". Vá a uma sessão dos Doutores da Alegria em um hospital infantil e nunca mais ousará chamar alguém de palhaço quando quiser ofendê-lo.

    A expressão popular "Uma ova" tem origem controversa, mas um dicionário de Portugal crava deliciosamente: "Interjeição usada para negar o que foi afirmado imediatamente antes". Linda descrição. Tabajara uma porra, tabajara o cacete! Palavrões que dão a devida intensidade da indignação. Impropérios à parte, o que seriam mais alguns em nosso país neofascista onde comunista virou palavrão dos mais feios?

    De fato os brasileiros têm algo bastante mal resolvido quanto aos seus próprios povos originários. "Muita terra pra pouco índio" ouve-se. Então os ditos civilizados vêm com a solução mirabolante: implantar mineração ilegal e intoxicar o ambiente com mercúrio, dentre as substâncias mais letais e problemáticas do planeta Terra.

    Mercúrio entra na cadeia trófica de uma forma quase absurda. Você come um peixe do rio com uma quantidade infinitesimal de mercúrio, você fica contaminado, quando idoso morre e apodrece, o verme que lhe come fica contaminado, o sabiá come o verme, fica contaminado, o gato come o sabiá e fica também. Dizem que não se faz mais hoje em dia o tal churrasco de gato em lugar de gado. Espera-se.

    Mercúrio é pouco, a solução dita civilizada é traficar tudo quanto é ilegal e que, por isso mesmo, dá muito dinheiro: cocaína, armas, ouro sem procedência devida, prostituição infantil, gente ingênua, e o que vier à cabeça de um criminoso. Não me perdoem aqui por um "E a porra toda!" omitido agora. Aliás será um ou uma? A porra ou o porra? Porra-louca é o porra, mas pode ser uma garota porra-louca também. Algo tal qual dizer que não se pode falar "Merda" e já se sai por aí falando aos montes.

    Tabajara o cacete, porra! O ministro do STF pisou feio na bola, poderia muito bem passar sem esta, poderia mandar tantas outras expressões em lugar de.

    O mundo de ponta-cabeça. Guerra, genocídio, pestes, ódios, neofascismo, os EUA absurdamente querendo arrumar encrenca com a China.

    Incivilizado, o não civilizado. A se questionar fortemente, talvez melhor ficar na oca da tribo, ir catar açaí, pescar, testemunhar espetaculares céus noturnos em meio à escuridão plena original, ouvir as corujas sábias, seguir rastro fresco de porco-catitu e se embrenhar nas matas para caçá-los e gostosamente assá-los depois em festança coletiva da aldeia.

    Tabajara, botocudos, Goytacaz, Yanomami, inúmeros outros e outras. O quanto você não desejaria recompor a sua saúde metido no meio da floresta luxuriante, a natureza, os litorais originais de água cristalina em toda a costa brasileira.

    Observar as estrelas-cadentes estupendas, dormir em rede de palha, parar um pouco ao menos de pensar em tanta besteira, passar um dia ao menos sem ter de escutar escrotidão de bolsonaristas. Não do ministro, bem esclarecido, que nem de longe demonstra simpatia ao clã, mas que sim, ministro, o que você disse foi uma tremenda escrotidão.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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