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    João Ricardo Dornelles

    (Professor de Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz)

    13 artigos

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    Tempos sombrios. Bem-vindas, Bem-vindos e Bem-vindes ao Admirável Mundo Novo

    Proposta de Trump para desocupar Gaza e transformar aquela faixa de terra em “paraíso” para milionários é a demonstração de como os nazifascistas olham o mundo

    Donald Trump (à esq.) e Benjamin Netanyahu (Foto: Kevin Lamarque / Reuters)

    Até a madrugada do dia 11 de maio de 1969, no período mais duro da ditadura militar, existia no Rio de Janeiro uma favela chamada Praia do Pinto. Estava localizada no bairro do Leblon. Naquele momento o Leblon ainda não era o principado de ricos e o cenário de novelas da Globo, embora já existissem muitas mansões caras. Ainda não era o metro quadrado mais caro do Rio, talvez do Brasil.

    Pois bem, ali existia a Favela da Praia do Pinto, bem ao lado da sede social e do antigo estádio do Flamengo. Com a ditadura a especulação imobiliária avançou no Leblon em benefício de grandes incorporações e construtoras e com a sofisticação do bairro. Afinal estar à beira-mar, aos pés do Dois Irmãos, com uma das paisagens mais bonitas do mundo merecia investimentos de luxo ou, pelo menos, de classe média alta ou altíssima. Não era lugar para pobres, trabalhadores, gente negra.

    Hoje certos incorporadores poderiam pensar em ali construir resorts e condomínios de luxo.

    Pois bem, não é que em 1969, sem mais nem menos, na madrugada de 11 de maio, a Praia do Pinto pegou fogo? A favela toda. Mas não se preocupem, o governo do então Estado da Guanabara conseguiu lugares ótimos para os sobreviventes no Egito, Jordânia e Saara Ocidental… ops, lá na Cidade de Deus, bem distante de tudo.

    É assim a lógica das classes dominantes, dos oligarcas do mundo, no passado e no presente. A concepção de controle das classes perigosas, dos segmentos que devem ser contidos, se for o caso até eliminados, é a referência que modela a relação entre capitalismo e poder político. Sempre olham os pobres, as classes trabalhadoras como utilizáveis e descartáveis.

    Hoje, décadas depois daquele incêndio na Praia do Pinto, em plena vigência do necrocapitalismo imperialista neofascista, com Trump e Elon Musk, Netanyahu e outros mais (no Brasil não esquecer os bolsonaros e seus filhotes como Tarcísio de Freitas, Cláudio Castro etc), as práticas genocidas e a barbárie sem máscaras passam a naturalizar a morte, a eliminação de qualquer pessoa. E é nesse cenário que o genocídio do povo palestino entra em uma nova fase. A fase combinada da eliminação física, da solução final, da desocupação territorial e do apagamento de quaisquer vestígios daquele povo.

    A proposta indecente de Trump para desocupar Gaza, enviar os seus habitantes históricos para muito longe e transformar aquela faixa de terra em um “paraíso” para milionários à beira do Mediterrâneo é a demonstração de como os nazifascistas olham o mundo. Gaza, Cisjordânia, a África inteira, os guetos periféricos do chamado “primeiro mundo”, as favelas da América Latina são vistas como áreas insalubres, habitadas por gente perigosa que deve ser controlada, tratada com rigor, criminalizada, vigiada, punida e, se necessário, exterminada.

    Os nazistas chamavam os judeus de baratas, os sionistas (judeus ou cristãos) chamam os palestinos de baratas. Os escravistas nos processos coloniais de expansão e acumulação primitiva europeia chamavam os negros e indígenas das Américas de não-humanos. A Controvérsia de Valladolid, de 1551, entre Bartolomeu de las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda, debateu exatamente se os indígenas das Américas eram humanos ou não, tinham alma ou eram animais selvagens, poderiam ser escravizados e mortos ou não.

    A mesma forma de tratar e agir descrita por Agambem em sua obra sobre a barbárie nos campos.

    Nas últimas décadas o mundo já vinha se transformando em um grande “campo”. Com a ascensão dos neofascismos essa tendência não apenas se generalizou como passou a ser a referência central das estratégias do capitalismo de barbárie que há muito tempo deixou de se preocupar com questões morais, questões menores como direitos humanos e democracia, mesmo na sua versão liberal.

    Vivemos em tempos difíceis, tempos de medo e incertezas. Nunca a humanidade esteve tão ameaçada como nos tempos atuais. Talvez Benjamin hoje desconfiasse que estamos a poucos minutos da meia-noite do século XXI. Com um mundo distópico, onde nada é o que diz ser, onde tudo é o seu contrário.

    Alguém lembra do letreiro do portal do campo de Auschwitz? O que está ali escrito? “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta). A distopia presente, onde o que se diz é o seu contrário. Os presos que seriam mortos, judeus, ciganos, comunistas, homossexuais, eslavos eram recebidos na sua chegada ao som de músicas clássicas. Agora Trump diz que os palestinos devem sair do território de Gaza, para terem casas boas e confortáveis. Possivelmente Trump imagina os palestinos sendo recebidos nas tais casas com música clássica.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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