TV 247 logo
    Carlos Carvalho avatar

    Carlos Carvalho

    Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

    119 artigos

    HOME > blog

    Tenórios

    A besta do racismo não reconhece limites. Por ser estrutural, o racismo, rebento do fascismo, lança seus tentáculos até onde não mais puder

    Jeferson Tenório (Foto: Carlos Macedo/Divulgação)

    A história se repete. É sempre a mesma coisa: “Pra parede, mão na cabeça se não quiser levar tiro na cara”. Quase todo negro, inclusive este que vos fala, já passou por esse tipo de violência. E o que acontece? Absolutamente nada! E assim, “no país da delicadeza perdida”, a máquina policial de moer a carne mais barata do mercado continua exercitando sua truculência sob as bênçãos de políticos fascitoides, aos olhos atônitos e lassos de uma população que não tem a quem recorrer. Tudo que lhes resta é chorar pelos seus e rezar para que o corpo da milésima criança, adulto ou idoso não tombe na contramão “atrapalhando o tráfego”, vitima de uma troca de tiros onde apenas um lado estava armado.   

    Houve um tempo em que se falou em racismo mascarado, como nos diz Abdias Nascimento em seu O genocídio do negro brasileiro. No entanto, o racismo estrutural nosso de cada dia em nada tem de “mascarado”. Ao contrário, o que se tem no Brasil é um racismo escancarado. É estarrecedor, por exemplo, quando uma parlamentar branca, inexpressiva e ignorante, chama uma colega congressista negra, referência política para o país, de Chica da Silva, com a finalidade de atacar e diminuí-la, sem que à parlamentar racista lhe seja imputada qualquer sanção. E é assim que as democracias morrem, pois toda vez que tais coisas acontecem e fingimos não ver, um abismo de indigência e desolação se abre sob nossos pés. A besta do racismo não reconhece limites. Por ser estrutural, o racismo, rebento do fascismo, lança seus tentáculos até onde não mais puder, seja Brasília, Rio Grande do Sul ou Rio de Janeiro.

    Do Rio Grande do Sul, por exemplo, nos chega o relato do escritor Jeferson Tenório que, enquanto posava para um fotógrafo do The New York Times, no Parque da Redenção, foi abordado pela polícia apenas por ser parecido com um traficante da área. Diz Tenório: “Sob a mira da arma, fomos revistados. Neste momento comecei a suar frio e fiz um esforço para manter minhas mãos na cabeça, fiquei nervoso, pois todas as imagens de violência policial que tanto critico, estavam novamente acontecendo comigo. Mandaram baixar as mãos lentamente, a partir desse momento todas as explicações da abordagem foram dadas para o fotógrafo, que era um homem branco. Fui ignorado como se não merecesse a explicação” (Brasil de Fato, 04/07/24). A abordagem aconteceu no dia 25 de março do ano corrente e foi a 16º abordagem policial sofrida pelo autor de O avesso da pele, vencedor do Prêmio Jabuti de 2021. Mais um “caso isolado”,claro. 

    “No Sul do país, um corpo negro será sempre um corpo em risco”. É o que nos diz Pedro, personagem em O avesso da pele. Uma viatura sobe a calçada. Do carro, saltam policiais militares apontando fuzis para a cabeça de garotos de 13 e 14 anos. O cenário de terror é Ipanema, no Rio de Janeiro. O dia é 03 de julho. O que Pedro não sabia é que o corpo negro sempre corre risco no Brasil, seja no Sul, Sudeste, Norte, Nordeste ou Centro-Oeste. “Pra parede, mão na cabeça se não quiser levar tiro na cara, tira o casaco e levanta o saco!”. O horror! O horror! Alguma novidade na abordagem? Talvez para você, caro leitor, mas não para os meninos pretos do Brasil, que conhecem muito bem este modus operandi, mas nem todos sobrevivem para contar.

    No caso de Ipanema, eram cinco meninos. Dois brancos e três negros. Os negros eram todos filhos de diplomatas, do Canadá, Gabão e Burkina Faso. Sobre o ocorrido, a embaixatriz do Gabão, mãe de um dos garotos, disse: "Como que você vai apontar armas para a cabeça de meninos de 13 anos, como que é isso? Mesmos nós adultos, você me aborda, você me pergunta primeiro. E depois você me diz porque você está me abordando”. E concluiu: “Mas você não sai com uma arma e me manda colocar a mão na parede. A gente confia na Justiça brasileira e a gente quer justiça, só isso". Eu conto ou vocês contam?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados