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    Luis Cosme Pinto

    Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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    Therezinha da Praia

    O presente naquele aniversário não foi LP do Roberto e nem colônia da Avon

    Carta para Therezinha de Miranda Pinto (Foto: Luis Cosme Pinto)

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    - Mãe, o que é Cep?

    - Código de endereçamento postal.

    - Ih, Piorou.

    - O nome é estranho, filho, mas é fácil de entender. CEP é um número que ajuda o carteiro a entregar as cartas. Cada rua tem o seu.

    Minha mãe me explicou isso quando escrevi minha primeira carta (acho que foi pra professora). Depois, colamos o selo e botamos o envelope na caixa de correio.

    Minha mãe, a Therezinha, adorava mandar e receber cartas. Um dia, aniversário dela, eu perguntei o que queria de presente.

    - Escreve uma carta.

    - Do quê?

    Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luis Cosme Pinto
    Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luis Cosme Pinto(Photo: Reprodução)Reprodução

    - Do que quiser. “Me conta um causo de uma cousa”, disse imitando com graça o jeito de falar da avó dela.

    Nesta segunda-feira, 02/09/2024, a Therezinha, teria festejado 94 anos. Ia ter bolo, telefonemas, talvez um final de semana no Hotel Regência, em São Lourenço, com meu pai.

    Vai aqui então uma homenagem modesta, que também divido com você, leitor ou leitora.

    **

    São Paulo, 02/09/2024

    Oi mãe, tudo bem com a senhora? A senhora sabe, nunca me acostumei a lhe chamar de você. Naqueles tempos, era questão de educação e respeito.

    Mas vamos falar do presente. Sigo na Vila Buarque, em São Paulo, e vim passear no Rio. Nossa família tá diferente e maior. Já conto.

    Antes, notícia de quem é notícia: Chico fez 80. Botafogo é líder. Silvio partiu.

    Também as novidades de gente que nem a gente.  O exame da Ana deu negativo. O Sergio vai pra Vila Anastácio. A Juliana e a Marcia separaram. O filho do Fred já é dentista.

    Aqui no Rio, dias azuis e inverno quente. O melhor é que estou com dois carioquinhas fofos, que a senhora não teve chance de pegar no colo, botar chupeta, nem dar pão de queijo. Um é o Daniel, de 6 anos, o outro é o Leo, de 1 ano e meio. São seus bisnetos.

    Vou dizer primeiro o que rouba o bom humor da dupla: interromper a brincadeira por qualquer motivo, pior ainda se for para ir ao banheiro ou almoçar. Reclamam também de dormir quando os adultos ainda estão na sala.

    Querem sorvete, música, parque de diversão. Ficam eufóricos com água, balde, regador e giz de cera.

    O Daniel lê, escreve e vai ao cinema uma vez por semana. O Leo já aprendeu a dançar e conversa sem parar. Os dois amam macarrão e batata. Também curtem ver seu retrato com o papai.

    Leo e Daniel são netos do seu filho do meio, meu irmão Roberto.

    Te falo mais do nosso Rio. Copacabana continua cheia de gente, com aquele pôr do sol esplêndido e não dorme. Naquela areia a nossa história mais recente começou, né? A senhora me contava que meu pai puxou assunto, perguntando se vocês não se conheciam de algum lugar. Há mais de 70 anos essa cantada já era velha, mas deu certo. Ah, o Edgar.

    Copacabana e Vila Isabel foram extremos na nossa vida, lembra?

    Vila Isabel era nossa realidade. Eu e meus irmãos, Roberto e Pedro, estudávamos e brincávamos de pique-bandeira, bola de gude e pipa entre o morro dos Macacos e a praça 7. O apartamento era pequeno, quente, barulhento, mas foi o que o papai pôde comprar.

    No edifício Silvana a senhora conheceu a melhor amiga: a dona Lica e outras parceiras. Porém, por mais que a senhora se esforçasse para agradar o papai, nascido na Vila, a gente sabia que nossa mãe não curtia Vila Isabel.

    Copacabana era sonho. Sonho de vida, o maior de todos. Copa, onde a senhora morou quando jovem, tinha tudo e no plural: sundaes coloridos, livrarias, hotéis, teatros, cinemas e o mar. A senhora “pescava” tatuí com a gente e fazia castelo, buraco, piscina.

    Era longe, tudo custava mais caro, mas a senhora ia com a gente de ônibus, o 433, e nos apresentava outro mundo do lado de lá do túnel. Na zona sul carioca a moda era cabelo comprido pra eles e saia curta pra elas.

    Tinha mais Rock que Samba, mais Bossa Nova  que Chorinho. A gente descobria cinema de dois andares, escada rolante, hot dog.

    No verão de 1980, meu pai entrou em casa com uma surpresa, a gente ia se mudar: de Vila pra Copa! “Um apartamento maior e quase dá pra ver o mar, Therezinha”. A senhora disse que era a mulher mais feliz do mundo. Não esqueço aquele sorriso.

    Mãe, essa carta não tem CEP, nem selo, mas algo me diz que chegou aí e a senhora já leu. Parabéns. A gente te ama.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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