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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Tornem o nazismo novamente grande

    O alvo supremo é a mudança de regime na Rússia. A Ucrânia é apenas um peão nesse jogo - ou pior ainda, bucha de canhão

    REUTERS/Serhii Nuzhnenko (Foto: REUTERS/Serhii Nuzhnenko)

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    Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

    Tradução de Patricia Zimbres para o 247

    Todos os olhos se voltam para Mariupol. Desde quarta-feira à noite, mais de 70% das áreas residenciais estavam sob o controle das forças de Donetsk e da Rússia. Ao mesmo tempo, os fuzileiros navais russos, o 107º batalhão de Donetsk e a Spetsnaz chechena, liderados pelo carismático Adam Delimkhanov, entraram na usina de Azov-Stal – o QG do batalhão Azov neonazista. 

    Azov recebeu um ultimato final: rendam-se até a meia-noite - senão... sugerindo uma estrada para o inferno sem tomada de prisioneiros. 

    Isso indica uma grande virada no campo de batalha ucraniano: Mariupol, finalmente, está prestes a ser desnazificada por completo - já que as  forças do Azov, há muito entrincheiradas na cidade e usando civis como escudos humanos eram a força de combatentes mais experientes.

    Enquanto isso, ecos do Império de Mentiras praticamente entregaram o jogo. Ninguém em Washington tem a mínima intenção de facilitar um plano de paz para a Ucrânia - o que explica as incessantes táticas de procrastinação do comediante Zelensky. O alvo supremo é a mudança de regime na Rússia e, para tal, uma Totalen Krieg contra a Rússia e contra todas as coisas russas  é dada como certa. A Ucrânia é apenas um peão nesse jogo - ou pior ainda, bucha de canhão.

    Isso também significa que as 14 mil mortes ocorridas no Donbass nos últimos oito anos devem ser atribuídas diretamente aos Excepcionalistas. Quanto aos neonazistas ucranianos de todos os matizes, eles são tão descartáveis quanto os "rebeldes moderados" da Síria, tanto os da al-Qaeda quanto os ligados ao Daesh. Os que porventura venham a sobreviver sempre poderão se juntar à recém-criada NeoNazi S.A. patrocinada pela CIA, uma remixagem vagabunda da Jihad S.A. da década de 1980, no Afeganistão. Eles serão devidamente "Kalibrados".

    Uma breve recapitulação do neonazismo 

    A essas alturas, apenas os OTANistaneses acometidos de morte cerebral - e há hordas deles - não têm conhecimento do que ocorreu em Maidan em 2014. No entanto, poucos sabem que foi o então Ministro do Interior da Ucrânia, antes governador de Kharkov, que deu sinal verde para que uma turma de 12 mil paramilitares se materializasse a partir da Sect 82, a violenta torcida  organizada do Dynamo Kiev. Nasceu aí o Batalhão Azov, em maio de 2014, sob a liderança de Andriy Biletsky, também conhecido como o Fuhrer Branco, e antigo líder da gangue neonazista Patriotas da Ucrânia.

    Juntamente com o agente secreto da OTAN Dmitro Yarosh, Biletsky fundou o Pravy Sektor, financiado pelo chefão da máfia ucraniana e bilionário judeu Ihor Kolomoysky (que mais tarde apadrinharia a meta-conversão de Zelensky de comediante medíocre a presidente medíocre).

    O Pravy Sektor, por acaso, era ferozmente anti-União Europeia – digam isso a Ursula von der Leyen – e sua obsessão política era ligar a Europa Central e os Países Bálticos em um novo e cafonérrimo Intermarium. É importante observar que o Pravy Sektor e outras gangues nazistas foram devidamente treinados por instrutores da OTAN.

    Biletsky e Yarosh, é claro, são discípulos do notório colaboracionista e partidário do nazismo do tempo da Segunda Guerra, Stepan Bandera, para quem os ucranianos puros são proto-germânicos ou escandinavos, enquanto os eslavos são untermenschen, ou sub-humanos.

    O Azov acabou por absorver a quase totalidade dos grupos neonazistas da Ucrânia, que foram mandados para lutar  contra o Donbass – onde seus acólitos ganhavam mais dinheiro que os soldados regulares. Biletsky e um outro líder neonazista, Oleh Petrenko, foram eleitos para a Rada. O Führer Branco ficou sozinho. Petrenko decidiu apoiar o então presidente Poroshenko. Não demorou para que o Batalhão Azov fosse incorporado como o Regimento Azov da Guarda Nacional da Ucrânia. 

    Eles partiram em uma empreitada de recrutamento de mercenários estrangeiros e trouxeram gente da Europa Ocidental, da Escandinávia e até mesmo da América do Sul. 

    O que era estritamente proibido pelos Acordos de Minsk garantidos pela França e pela Alemanha (e agora oficialmente enterrados). O Azov montou um campo de treinamento para adolescentes que logo chegou a 10 mil integrantes. Erik "Blackwater" Prince, em 2020, firmou um acordo com as forças armadas ucranianas que permitiam que seu grupo, agora com o novo nome de Academi, supervisionasse o Azov. 

    Foi ninguém menos que a sinistra distribuidora de biscoitos em Maidan, "F*da-se a UE" Nuland que sugeriu a Zelensky – ambos, por sinal judeus ucranianos - que nomeasse o nazista Yarosh como consultor do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Ucranianas, o General Valerii Zaluzhnyi. O alvo: organizar uma blitzkrieg contra Donbass e a Crimeia – a mesma blitzkrieg que a SVR, o serviço de inteligência estrangeira russo, concluiu que seria desencadeada em 22 de fevereiro, motivando assim o lançamento da operação Z.

    Tudo o que foi dito acima, que na verdade não passa de uma breve recapitulação, mostra que na Ucrânia não há a menor diferença entre os neonazistas brancos e os terroristas da al-Qaeda/ISIS/Daesh de pele escura, da mesma forma que os neonazistas são tão "cristãos" quanto os jihadis takfiri salafistas são "muçulmanos".

    Quando Putin denunciou que "um bando de neonazistas" estava no poder em Kiev, o comediante respondeu que isso era impossível porque ele era judeu. Bobagem. Zelensky e seu patrono Kolomoysky, para todos os fins práticos, são sio-nazistas.

    Mesmo que setores do governo dos Estados Unidos tenham admitido que havia neonazistas entrincheirados no aparato de Kiev, a máquina excepcionalista fez simplesmente desaparecer os oito anos de bombardeios diários de Donbass. Essas milhares de vítimas civis jamais existiram.

    A mídia comercial dos Estados Unidos chegou até mesmo a arriscar uma ou outra matéria ou notícia sobre o Azov e os neonazistas de Aidar. Mas então uma narrativa neo-orwelliana foi gravada em pedra: não há nazistas na Ucrânia. O NED, filhote da CIA, chegou mesmo a deletar registros sobre o treinamento de integrantes do Aidar. Em data recente, uma rede de notícias vagabunda promoveu um vídeo de um comandante do Azov treinado pela OTAN e usado para fins de combate - com iconografia nazista e tudo o mais.

    Por que a "desnazificação" faz sentido 

    A ideologia do Banderastão remonta aos tempos em que essa parte da Ucrânia era de fato controlada pelo Império Austro-Húngaro, pelo Império Russo e pela Polônia. Stepan Bandera nasceu na Áustria-Hungria em 1909, próximo a Ivano-Frankovsk, no então autônomo Reino da Galícia. 

    A Segunda Guerra Mundial desmembrou os impérios europeus em pequenas entidades muitas vezes inviáveis. No Oeste da Ucrânia - uma intersecção imperial - esse desmembramento, como não poderia deixar de ser, levou à proliferação de ideologias de extrema intolerância. 

    Os ideólogos do Banderastão se aproveitaram da chegada dos nazistas, em 1941, para  proclamarem um território independente. Mas Berlim não apenas bloqueou essa decisão como também os mandou para campos de concentração. Em 1944, entretanto, os nazistas mudaram de tática: eles libertaram os bandeiranistas e os manipularam, instilando neles ódio aos russos, criando assim uma força de desestabilização na Ucrânia pertencente à URSS. 

    O nazismo, portanto, não é exatamente a mesma coisa que o fanatismo banderanista: trata-se, na verdade, de ideologias rivais. O que aconteceu desde Maidan é que a CIA manteve um agudo foco na incitação do ódio aos russos em meio a quaisquer grupos periféricos que ela conseguisse instrumentalizar. Na Ucrânia, portanto, não se trata de um caso de "nacionalismo branco" – para usarmos termos brandos – mas de nacionalismo ucraniano anti-russo, para todos os fins práticos expressos em saudações e simbologia de estilo nazista.

    Portanto, quando Putin e as lideranças russas falam de nazismo ucraniano, eles talvez não estejam sendo 100% corretos em termos conceituais, mas o fato é que esse termo cala fundo em todos os russos. 

    Os russos rejeitam o nazismo visceralmente - considerando que praticamente todas as famílias russas tiveram pelo menos um antepassado morto na Grande Guerra Patriótica. Da perspectiva da psicologia de tempos de guerra, faz total sentido falar de "ucro-nazismo" ou, mais especificamente, de uma campanha de "desnazificação". 

    Os anglos amavam tanto os nazistas 

    O fato de o governo dos Estados Unidos torcer abertamente pelos neonazistas da Ucrânia não é propriamente uma novidade, tendo em vista seu apoio, juntamente com o da Inglaterra, a Hitler em 1933, por razões de equilíbrio de poder.

    Em 1933, Roosevelt emprestou a Hitler um bilhão de dólares-ouro, enquanto a Inglaterra emprestava a ele dois bilhões na mesma moeda. Isso deve ser multiplicado por 200 para se chegar ao valor do dólar de hoje. Os anglo-americanos queriam erigir a Alemanha como uma muralha contra a Rússia. Em 1941, Roosevelt escreveu a Hitler que se ele invadisse a Rússia os Estados Unidos ficariam do lado da Rússia, e escreveu a Stalin que se ele invadisse a Alemanha os Estados Unidos apoiariam a Alemanha. Não pode haver ilustração mais gráfica do equilíbrio do poder à la McKinder.

    Os britânicos estavam muito preocupados com a ascensão do poder russo sob Stalin e percebiam também que a Alemanha estava de joelhos, com um desemprego de 50% em 1933, caso fossem incluídos os alemães itinerantes não-fichados. 

    Até mesmo Lloyd George tinha dúvidas quanto ao Tratado de Versalhes, que enfraqueceu a Alemanha a um nível insuportável depois da rendição na Primeira Guerra. O propósito da Primeira Guerra, na visão de mundo de Lloyd George, era destruir tanto a Rússia quanto a Alemanha. A Alemanha ameaçava a Inglaterra com a construção, pelo Kaiser, de um frota destinada a dominar os mares, enquanto o Tzar ficava perto demais da Índia, situação desconfortável para a Inglaterra.  Por algum tempo, Britânia ganhou - e continuou a reinar sobre as ondas. 

    Então, fortalecer a Alemanha para combater a Rússia se tornou a prioridade número um – com toda uma reescrita da História. A união dos alemães austríacos e dos sudetos à Alemanha teve a total aprovação dos britânicos. 

    Mas então veio o problema polonês. Quando a Alemanha invadiu a Polônia, França e Inglaterra se colocaram à margem. Essa invasão levou a Alemanha às fronteiras da Rússia, e Alemanha e Rússia dividiram a Polônia. Isso era exatamente o que a Grã-Bretanha e a França queriam. Grã-Bretanha e França haviam prometido à Polônia que elas invadiriam a Alemanha a partir do oeste enquanto a Polônia lutaria contra a Alemanha no leste.

    Ao final, os poloneses foram traídos. Churchill chegou a louvar a Rússia por invadir a Polônia. Hitler foi avisado pelo MI6, o serviço secreto britânico, que a Inglaterra e a França não invadiriam a Polônia - como parte de seu plano para uma guerra teuto-russa. Desde a década de 1920, Hitler vinha recebendo apoio financeiro do MI6, em agradecimento a suas palavras simpáticas à Inglaterra em Mein Kampf. O MI6 de fato incentivou Hitler a invadir a Rússia.

    Avançamos para 2022, e aqui estamos de novo - como em uma farsa, com os anglo-americanos "incentivam" a Alemanha, sob o comando do fraco Scholz, a se reequipar militarmente com um investimento de 100 bilhões de euros (que os alemães não têm), e constroem a tese de uma força europeia renovada para, mais adiante, ir à guerra contra a Rússia.  

    Dica sobre a histeria russofóbica da mídia anglo-americana quanto à parceria estratégica russo-chinesa. O medo mortal, para os anglo-americanos, é um combinado de Mackinder/Mahan/Spykman/Kissinger/

    Brzezinski: a Rússia-China, como par de gêmeos, ocupando as massas terrestres eurasianas – a Iniciativa Cinturão e Rota se encontrando com a Grande Parceria da Grande Eurásia – para assim reinar sobre o planeta, com os Estados Unidos relegados a um insignificante status insular, tanto quanto a  antiga  "Rule Britannia". Inglaterra, França e, mais tarde, os americanos, conseguiram evitar essa situação quando a Alemanha aspirava a esse mesmo controle sobre a Eurásia, lado a lado com o Japão, do Canal da Mancha ao Pacífico. Hoje o jogo é totalmente outro.

    A Ucrânia, portanto, com suas patéticas gangues neonazistas, é apenas um peão descartável no esforço desesperado de conter algo que está para além do anátema, da perspectiva de Washington: uma Nova Rota  da Seda Teuto-Russo-Chinesa totalmente pacífica.

    A russofobia, gravada maciçamente no DNA do Ocidente, na verdade nunca acabou. Cultivada pelos britânicos desde Catarina a Grande - e depois com o Grande Jogo. Pelos franceses, desde Napoleão. Pelos alemães porque foi o Exército Vermelho que liberou Berlim. Pelos americanos, porque Stalin forçou sobre eles o novo mapa da Europa - e então a russofobia continuou durante toda a Guerra Fria. 

    Estamos apenas nos estágios preliminares da grande arrancada final do Império moribundo tentando estancar o fluxo da história. Eles estão perdendo em termos estratégicos e em termos militares para a maior potência militar do mundo, e irão sofrer um cheque-mate. Em termos existenciais, eles não estão equipados para matar o Urso - e isso dói. Cosmicamente. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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