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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Tragédia no Sul pode repetir desfecho de Canudos

    Um dos combates mais sangrentos da história do Brasil, a Guerra de Canudos arregimentou cerca de 10 mil militares pelas forças regulares do Exército

    Rio Grande do Sul atingido por temporais (Foto: Amanda Perobelli / Reuters)

    As cerca de 70 mil pessoas que estão com as suas vidas empilhadas em abrigos no Rio Grande do Sul, aguardam uma solução para recomeçar. O governo do estado aventou a hipótese da criação de “cidades provisórias”, em que as famílias sejam alojadas até que se decida o que fazer, e de que modo. Há no governo federal, no entanto, resistência à ideia, que pode se transformar em um novo problema social tal como o gerado no final da Guerra de Canudos. A saída, entendem, são novas casas, mas quem divide um colchonete num abrigo tem pressa.

    Enquanto não se decide, segundo O Globo de sexta-feira (24/05) começam a chegar ao RS as primeiras unidades de habitação emergencial enviadas pela ONU, utilizadas por refugiados de todo o mundo, inclusive no Brasil, pelos venezuelanos de Boa Vista, em Roraima. Por enquanto são oito casas de 17,5 metros quadrados, 2,83 metros de altura e 5,68 de comprimento, por 3,32 de largura. Cada uma pesa 140 quilos e dispõem de energia solar. As paredes e o teto são de espuma poliolefina, um material isolante, rígido, à prova d’água e que protegem do sol e do calor. A estrutura, segura por vigas de aço, é presa no chão por ganchos e suporta ventos de até 101km/h e chuva leve, conforme descreveu ao jornal, o vice-governador, Gabriel Souza.

    A dúvida do governo federal tem sua razão na história. Em 1897, com o fim da campanha de Canudos - em 5 de outubro daquele ano -, os soldados sobreviventes, estropiados, buscaram nos superiores o cumprimento da promessa de que, no retorno, teriam moradias e um soldo pago aos “heróis”. Ao chegarem ao Rio de Janeiro, porém, a promessa se transformou em evasivas e a solução apontada foi o “Morro da Providência”, atrás do prédio do comando do Exército, onde deveriam permanecer acampados em suas barracas de campanha até que lhes fossem entregues as prometidas moradias. Mas elas nunca chegaram. 

    O episódio transforma o Exército Brasileiro em patrocinador da primeira favela do país. Ali, as barracas foram sendo substituídas por barracões de zinco, os “heróis” foram trazendo as famílias e assim se fez a primeira “comunidade” carente do Rio. O nome “favela” foi dado pelos soldados numa ironia, pois o Morro da Providência ficava num alto, tal como o acampamento dos militares em Canudos. Lá o local era conhecido como “morro da favela”, pela profusão de uma planta de folhas grossas e com espinhos pelo avesso. 

    Um dos combates mais sangrentos da história do Brasil, a Guerra de Canudos arregimentou cerca de 10 mil militares pelas forças regulares do Exército Brasileiro, para dar cabo de um movimento fundado em 1893, por um beato, de nome Antônio Conselheiro, na cidade de Belo Monte, no sertão da Bahia. Por onde passava com a sua pregação Conselheiro ia arrebanhando milhares de pessoas que buscavam salvação para as suas vidas miseráveis e solução para o flagelo da fome, que grassava pela paisagem tórrida da região, também conhecida por Canudos. Estima-se em 20 mil o número dos seus seguidores. Depois de quatro campanhas militares, entre 1896 e 1897, invadiram, cercaram e destruíram a povoação de Belo Monte, degolando mulheres e crianças, sobreviventes do massacre.

    O clima de exclusão econômica e social que se delineou com o advento da República levou a que em pouco tempo o arraial se tornasse conhecido. Nas três primeiras campanhas militares, os sertanejos resistiram e chegaram a matar o comandante das tropas federais em combate. No entanto, na última campanha, em 1897, o exército republicano incendiou Canudos e matou grande parte da população, inclusive os prisioneiros, a quem havia prometido anistia. Esse final foi acompanhado por Euclides da Cunha, jornalista de O Estado de São Paulo, que registrou suas impressões no livro “Os Sertões”, obra-prima da literatura brasileira, lançado em 1902. 

    Apesar de não estarem definidas como paliativo, o governo do Rio Grande do Sul anunciou a construção de quatro cidades provisórias nos municípios de Canoas, Guaíba, Porto Alegre e São Leopoldo. As estruturas terão áreas comuns, como cozinhas, lavanderias e banheiros com chuveiros, além de espaços para as crianças e pets.

    De acordo com declaração do vice-governador, para o jornal, a ideia é que as estruturas estejam montadas em até 20 dias. Elas atenderão às famílias desabrigadas até que as unidades do Minha Casa Minha Vida não são entregues e as do programa estadual: A Casa é Sua. Enquanto isso, todos de olhos nas previsões do tempo, na torcida para que a chuva dê uma trégua.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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