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Hélio B. Costa

Hélio B. Costa é Bacharel em Ciências Econômicas (Escola Superior de Economia de Praga, Rep. Tcheca), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Estado em Antuérpia, Bélgica), Doutor em Ciências (USP, SP). Pesquisador em estudos socioeconômicos, foi professor universitário, consultor de políticas públicas e planejamento; ocupou cargos de direção no setor público e na academia.

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Três Estilos de Governar

"O Presidente Lula é um estadista que joga um estilo, preponderantemente, a la Gandhi"

Presidente Lula em cerimônia de anúncios de investimentos do governo federal para o estado da Bahia (Foto: RICARDO STUCKERT/PR)

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Existem três estilos de governar: o estilo Chimpanzé, o estilo Maquiavel e o estilo Gandhi.  O primeiro está associado ao l´Etat c´est moi de um conhecido rei francês do século XVII, calcado no absolutismo e no autoritarismo. Essa analogia ao comportamento de uma liderança à moda Chimpanzé faz sentido. Em um bando dessa espécie, a liderança é exercida de forma temporária e é alcançada pela força. A cada momento sobe à arvore um chimpanzé que dá uma cotovelada ao atual líder, destronando-o e se declarando, ele mesmo, o novo chefe. Ele tem muitos privilégios, conduz o bando e pode escolher a fêmea com a qual copulará. A alegoria nos faz pensar nos golpes de estado que estão sempre à espreita na sociedade humana. Pensávamos que, a esta altura de nossa vida democrática, estaríamos livres dessas tentativas, efetivadas ou não, que sofremos, durante tantas décadas, nas ditaduras latino-americanas. Mas qual o quê! O perigo está ainda vivo entre nós. A forma desse estilo de governo, com efeito, se refere às ditaduras de direita extrema, civil-militar. Esse modo de governar pode ser assim descrito: Ponho meu trator (ou poderia ser, também, minha motocicleta) a marchar e, assim, vou perseguir meu objetivo, limpando a estrada, matando a quem se opõe, derrubando árvores e florestas. Afinal, sou eu quem manda.O segundo modo de governar, um tanto mais civilizado é o estilo Maquiavel. Tal pressupõe reconhecer a existência do outro, adversários que também tem seus planos e objetivos. Por isso, é preciso desenvolver estratégias para não se deixar abater. Dissimulações variadas, jogadas espertas, uso da violência, quando necessário, estão no cardápio dessa estratégia de governar. Um dos conselhos ao Príncipe é: corta os passos de seu adversário à raiz, antes que ele o suplante. Portanto, aqui há muito ainda do estilo anterior.O terceiro estilo é o Gandhi: o da não violência, por princípio. É a busca constante do consenso entre oponentes e da busca de adesão ao seu projeto. Para um estadista que se guia dessa forma, não há, propriamente, inimigos, mas adversários que precisam ser ganhos para sua causa. Aqui, por conseguinte, para manter o seu poder, o líder procurará envolver seus oponentes, cativá-los para aderir ao seu plano de ação. A grande estratégia aqui é a constante negociação entre os aliados e os oponentes. Trata-se da disponibilidade em ceder e recuar quando preciso. É, em tese, um resultado de ganha-ganha, exigindo, contudo, a construção da governabilidade do projeto do Líder. É um constante jogo de correlação de forças. Não se trata aqui de aplastar o adversário, mas de construir alianças. O que nos demonstra esse quadro de estilos? Poderíamos dizer que são estilos evolutivos, que os lideres, em suma, evoluem, são primeiramente chimpanzés, maquiavélicos e ao final não são mais violentos, a la Gandhi? Seriam modos estanques de governar? Não, propriamente. Vamos ver a que conclusão chegaremos ao final. Como há evidências, a sociedade humana é constituída e guiada por um jogo de interesses, que aqui denominaremos de jogo político-social. Esse é um jogo de adesão e oposição. Nessa arena, digladiam-se ou se atraem atores sociais que, por possuírem recursos políticos, econômicos, financeiros, tecnológicos ou de organização e mobilização, estão aptos a jogar. Só pode jogar e interferir nesse jogo, quem tem recursos para tanto, quem detém algum poder para influenciar a mudança situacional do xadrez. É um jogo constituído pelos representantes de segmentos e de classes sociais. Esse jogo é também um jogo de acumulação e perda de recursos, quer dizer, de poder. Por isso, esse jogo tem ganhadores e perdedores momentâneos. Estamos aqui diante de uma realidade que muda e se transforma constantemente, e até mesmo, momentaneamente. É, assim, um jogo situacional que muda a cada jogada dos atores sociais. Esse é o jogo da política que move as democracias. É um jogo de adversários, mas também de aliados, portanto, como já referido, um jogo de correlação de forças e de permanente tensão e espionagem mútuas. Cada ator busca se capacitar, com alianças estratégicas ou instantâneas (táticas) para adquirir mais governabilidade a fim de emplacar seus objetivos. Quanto maior força em seu favor, mais governabilidade e capacidade de governo das situações representadas pela realidade das conjunturas. Diante dessa realidade mutante a cada momento, de perdas e ganhos, de oposição e adesão, como deve agir uma liderança política numa democracia? Podemos dizer que deve ter, preponderantemente, muito do estilo Gandhi, de tentar sempre trazer o oponente a aderir ao seu projeto, através da conversação e convencimento; deve, por outro lado, carregar algo de Maquiavel, através de estratégias de diversionismo, dissimulação e que tais. E, por último, em algumas ocasiões, com sabedoria, ter a capacidade de “bater na mesa” e dizer não, ao estilo Chimpanzé.

Deixemos, agora, toda essa explanação sobre os modos de governar e olhemos para a conjuntura do atual jogo sociopolítico brasileiro, a esta altura do segundo ano do governo Lula 3. Todos sabemos das agruras que está a sofrer, por conta das adversidades pela falta de uma hegemonia politica e obrigado a montar uma base de apoio não tanto confiável, como não aconteceu nos dois períodos de seus governos anteriores.

O Presidente Lula é um estadista que joga um estilo, preponderantemente, a la Gandhi. Sua capacidade de negociação lhe é nata, como ele mesmo diz, aprendeu isso nas lides sindicais. Parece, também, ser exímio em manejar estratégias de dissuasão e até de dissimulação junto aos oponentes. Acontece que os oponentes nem sempre estão tão-somente nos adversários da oposição formal, mas dado o jogo de interesses difusos de sua base, os apoios são flutuantes, a depender dos momentos. Além disso, tem a enfrentar um certo crescimento recente do poder do Legislativo e, neste momento, da força política dos dirigentes das duas casas do Congresso, ora cooperando, mas na maioria das situações “achacando”. De fato, a correlação de forças, decididamente, não é a mesma de seus anteriores governos, como antes referido. Além disso, há outros fortes atores a jogar na oposição, quais, o chamado mercado e a mídia corporativa e conservadora. Onde se apoiar, então, onde acumular força politica para poder, minimamente, implementar seus objetivos de governo? Não se trata aqui de dar conselhos a um gigante politico como o nosso Presidente. Mas cabe aqui, com sinceridade, manifestar uma opinião de um cidadão e livre observador da cena político-social do País. Em primeiro lugar, ao meu ver, acontece novamente uma ineficiência na comunicação dos “feitos” da gestão. Seguramente, a situação, tanto social quanto econômica, apresenta melhoras em relação ao passado recente. Entretanto, apesar das melhoras da percepção da opinião pública em relação ao governo não apresenta índices de adesão condizentes ao que deveria ter. É preciso avançar nas metodologias e formas tecnológicas mais apropriadas para atingir a grande massa de cidadãos, buscar reagrupar politicamente instituições da sociedade civil e dos movimentos sociais, chamando-os a aderir a uma grande aliança de apoio para enfrentar as adversidades da luta política. Avançar, avançar, para ganhar mais e mais.

Por outro lado, ao estilo de grande “negociador e conversador do governo”, muita vez, deve-se aliar algo do estilo mais agressivo, de dizer não a certos pleitos da base da grande frente que foi formada para as eleições e, particularmente, na feroz oposição dos adversários extremos, sempre à espreita para utilizar o estilo autoritário e absolutista das ditaduras.

Tudo isso, claro, é revestido de um cálculo político, do qual o Presidente Lula tem excelente expertise. Exemplos de como o jogo político e situacional pode mudar, é o que aconteceu nestes dias com o chamado PL do Estupro. A oposição, incrivelmente, aliada a próceres da base aliada do governo jogaram “sujo”, atropelando acordos e regimentos, ao apresentar o abominável projeto de lei. Aparentemente, não fez bom cálculo político e a reação popular, em especial a das mulheres, foi grande e a correlação de forças mudou em nosso favor. É preciso saber usar tais momentos para virar o jogo. Mais uma vez, é preciso saber dizer não e, até “bater na mesa”, dar um limite. Não se deve deixar que o adversário chegue a desacumular a nossa força, desidratando nossos recursos. Enfim, um governante deve dosar os três estilos de governar. Um grande estadista, como o Lula, saberá, sem dúvida concatenar isso. Mas não estará na hora de ser mais assertivo, para não dizer, agressivo nesse jogo conjuntural? Fica aqui a questão.

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