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Adilson Roberto Gonçalves

Pesquisador científico em Campinas-SP

206 artigos

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Tríade viciante: jogos, mentiras e crenças

Viciar na crença não é diferente de viciar no jogo

(Foto: Reuters/Jason Cohn)

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Interessante o espaço teológico dado ao colunista Juliano Spyer, na Folha de S. Paulo, em que apresenta tese interessante que inclui a terra como principal criação divina, resgatando as primeiras palavras do Gênesis (“A criação não nos pertence, diz a Bíblia”, 29/10). É emblemático que tais discussões ocorram, ainda mais em tempos nos quais caminhamos para uma teologia da prosperidade como religião velada, ainda não declaradamente oficial do país. No mais, a introdução de um novo ator na criação divina é semelhante à divisão que Euclydes da Cunha fez em “Os Sertões”. O longo texto foi dividido em três partes: A terra, O Homem e A Luta. Na pretensa analogia com o texto bíblico falta apenas a luta, além dos já incluídos terra e homem. Pelos atuais conflitos no Oriente Médio, em que são divindades que estariam por trás das desavenças, a luta só não foi verbalizada.

Daí para falsas defesas de liberdade de expressão e mentiras é um curto, mas não singelo, passo. Por exemplo, estamos dando um nó nos conceitos científicos para justificar a liberdade de expressão. Isso é fruto da impunidade dos detratores da ciência e dos mentores de golpes baseados em mentiras (as fake news disparadas por Bolsonaro em 2018 deram em nada). Hoje, são os maus tratos aos animais e posições anticientíficas do Conselho Federal de Medicina. Amanhã, passaremos a acreditar que o europeu estava nas Américas antes dos indígenas para justificar a expropriação de terras.

Estaremos construindo uma linha de comportamento viciante, em que a base é a ilusão religiosa, ou, em outras palavras, o ópio para todos, usuários e fornecedores? Viciar na crença não é diferente de viciar no jogo. Assim, estão sendo muito bem pontuados os argumentos que relacionam “do cigarro às bets, o novo ovo da serpente”. A expressão “ovo da serpente” foi consagrada no filme de Ingmar Bergman, mas é bem mais antiga, podendo ser a shakespeariana publicação “Júlio César”, de 1599, seu mais antigo registro. Os argumentos lembram outro filme, “Obrigado por fumar”, de 2005, dirigido por Jason Reitman, que teve pouca repercussão justamente por expor, ainda que de forma jocosa, os meandros lobistas da indústria do tabaco que procurava provar que o fumo não causava câncer. Hoje são as bets, mas há outros vícios perniciosos longe da discussão. O vício religioso – que leva fiéis a cegamente doarem dinheiro e venderem suas convicções políticas – nunca foi levado em consideração quanto ao seu impacto na saúde da população.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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