Trump no Capitólio jogou areia nos olhos do público
Se o dirigente mais poderoso do mundo age daquela maneira, o que esperar a mais em termos de bom entendimento entre os povos?
Era para inaugurar uma entrada triunfal. Nos seus devaneios, aterrissaria no recinto navegando num tapete mágico, imune a críticas e dissabores. O Capitólio se dobraria. Em relação à História, nunca teria se visto nada de semelhante. Infelizmente, como de hábito acontece, a realidade desmente a fantasia. A metade da audiência (o lado democrata), fizesse o que fizesse, permaneceria em silencio. Alguns exibiam a irreverência de erguer placas com dizeres adversários, quando não se levantavam em sinal de protesto ou não se retiravam em grupos para marcar posição. Se houvesse se transportado num tapete mágico, ele estaria em pé, enrolado num canto. Pouco importava. Como se falasse para uma plateia de salvos, prosseguiu em sua retórica, estendendo-se além da tradição para enumerar as iniciativas tomadas.
Mesmo sem a unanimidade, os aplausos fluíam um após outro, quando mencionava os feitos e apontava para alguns presentes, objetos de suas manifestações. Reprimendas, quando lhe ocorriam, chutava-as para as administrações anteriores, culpadas de más decisões, inabilidade e falta de inteligência. Esta última representava uma qualidade sua e de seus assessores, os milionários que juntara para dividir consigo as responsabilidades do poder. Sobre a situação da Ucrânia, uma breve referência. Já não resolveria o desafio em três dias, mas não demoraria a fazê-lo. Num detalhe estava certo. Nunca se vira ali tanta demonstração de vaidade, orgulho e arrogância desmedida. A novidade do uso das tarifas com aliados, novos e antigos, sem hesitar em ferir suscetibilidade, também surgiu em suas palavras. Como não as citar? Sob todos os pontos de vista, em sua opinião, constituíam uma ideia brilhante. Diziam que provocaria inflação. Mas que o quê! Colocariam o mundo aos pés dos Estados Unidos, doesse a quem doesse. Acordos de outrora não deveriam servir de pretexto para nos deixar subjugados! Aos poucos, até os céticos reconheceriam que a razão estava do seu lado. Não cederia. Os vizinhos, Canadá e México, que se cuidassem. Nós que não nos dobraríamos a eles. Quanto aos emigrantes, corja de ladrões, lunáticos e imprestáveis, parariam de incomodar as famílias decentes com a sua presença e regressariam a suas aldeias de origem. Vozes em sussurro afirmavam que eles deixariam um vácuo de mão de obra. Mas nós, norte-americanos, dispomos de energia suficiente para arcar com nossos deveres e tornar a América novamente grande. E assim foi. Que discurso! De estalar os tímpanos. Inédito para um político eleito na frente do Congresso. Lá, no púlpito de cima, se colocava o vice, J.D. Vance, o mesmo que pressionara, com ou sem motivo, o Zelensky contra a parede, questionando-o até sobre o seu modo de vestir, numa atitude nunca vista nas regras da diplomacia. O público, aterrorizado, voltou a si, horas depois, carregado de indagações. Se o dirigente mais poderoso do mundo age daquela maneira, o que esperar a mais em termos de bom entendimento entre os povos? Por sorte, nós neste hemisfério, não dependemos dele para nosso sossego. O planeta soube sempre se livrar dos grande arrogantes. E pode ser que a própria população norte-americana, despertando do pesadelo, imponha a sua força É esperar para ver.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

