Um balanço da educação brasileira em 2024
Como sempre soubemos na área da educação, não há tempo para comemorar ou lamentar
Nas férias escolares, diferentemente do que muitas pessoas acreditam, os professores e as professoras aproveitam para atualizar suas leituras, planejar programas de disciplina, escrever projetos, iniciar artigos e preparar as atividades do próximo período letivo. É nesse clima de festas de fim de ano, férias escolares e diferentes planejamentos que decidi escrever este balanço e traçar algumas perspectivas para a educação brasileira em 2025.
O ano de 2024 não foi fácil e termina sem que a área da educação tenha muito o que comemorar. Apesar do início bastante promissor, com a realização da Conferência Nacional de Educação (CONAE 2024), chegamos ao fim do ano com muitos retrocessos e poucos avanços nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – e nos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
Após a empolgação inicial com a aprovação do texto final da CONAE 2024, tivemos um choque de realidade e um aviso do que estaria por vir com a eleição do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) para a presidência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Com um histórico de perseguição ideológica e hostilidades contra professores e professoras, e sem apresentar nenhuma experiência prévia ou atuação parlamentar que justificasse tal indicação, o deputado passou a ter o poder de organizar a pauta, convocar reuniões, destinar verbas e designar relatores das matérias que tramitam na Comissão de Educação, entre outras funções.
Entre os meses de abril e julho, os docentes e técnicos administrativos da Rede Federal de Ensino, que engloba as universidades, os institutos federais, os CEFETs e o Colégio Pedro II, realizaram uma greve nacional que paralisou as atividades de uma parcela significativa das instituições federais de ensino. A greve foi motivada, sobretudo, pelos frequentes cortes orçamentários, pela ausência de políticas de valorização profissional e pelo descumprimento de acordos assumidos anteriormente. A paralisação acabou evidenciando um dos principais problemas do governo federal: a falta de diálogo com um setor que foi fundamental para a eleição do presidente Lula.
Uma das maiores derrotas de 2024 para o campo educacional, ao menos para quem se dedica verdadeiramente ao combate das desigualdades educacionais e não está alinhado aos interesses puramente econômicos defendidos por fundações e institutos empresariais, ocorreu em julho, com a aprovação do texto substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.230/2023, elaborado pelo deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE). O texto substitutivo, sancionado como Lei nº 14.945/2024, apresenta diversos retrocessos, como, por exemplo, a descontinuidade do ensino do espanhol, a ausência de critérios para a educação mediada por tecnologia (outro nome para a educação a distância ou ensino remoto) e o reconhecimento de experiências extraescolares, como o trabalho remunerado ou voluntário.
Uma das poucas conquistas da Lei nº 14.945/2024, restrita aos estudantes que não cursam o ensino técnico, foi o aumento da carga horária da formação geral básica, de 1.800 para 2.400 horas.
Em agosto, o presidente Lula nomeou 13 novos conselheiros para o Conselho Nacional de Educação (CNE). Se, por um lado, um dos mais importantes órgãos do setor educacional brasileiro se libertava, ao menos em parte, da “herança” do governo passado, por outro lado, as fundações e institutos empresariais demonstravam toda a sua força junto ao Ministério da Educação e ao governo federal. Nesse contexto, cabe destacar os novos conselheiros Heleno Araújo, Givânia Maria da Silva e Pilar Lacerda, verdadeiramente comprometidos com uma agenda voltada para a qualidade e equidade da educação.
Em novembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes cassou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que suspendeu a Lei nº 1.398/2024, que institui o Programa Escola Cívico-Militar no estado. A decisão do ministro, que à primeira vista representou um banho de água fria para aqueles que defendem uma educação inclusiva, igualitária e de qualidade, não tratou do mérito do debate sobre a constitucionalidade das escolas cívico-militares, mas seguiu a jurisprudência consolidada no STF. Como a constitucionalidade das escolas cívico-militares está sendo questionada pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 7.662 e nº 7.675, propostas, respectivamente, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), os julgamentos em tramitação nos demais tribunais devem ser suspensos, já que a decisão do STF tem repercussão geral, ou seja, vale para todo o país. Nesse caso, ainda existe esperança de que o plenário do STF considere o modelo de escolas cívico-militares inconstitucional.
Nos últimos dias de 2024, quando boa parte das pessoas já se encontrava desmobilizada pelas festas de fim de ano e início das férias escolares, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2024, que listava uma série de medidas de ajuste fiscal. Dentre essas propostas, duas teriam grande impacto sobre o campo educacional: a redução da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e a autorização para que estados e municípios utilizassem recursos do Fundeb para complementar o financiamento da alimentação escolar. Graças à mobilização e à pressão exercida pela comunidade escolar e pelos movimentos em defesa da educação de qualidade, os parlamentares rejeitaram as alterações ao Fundeb.
Contudo, seria um erro concentrar nossas atenções apenas no âmbito federal, pois, no Brasil, a educação é uma responsabilidade compartilhada entre a União, os estados e os municípios. E é justamente nos estados e municípios que temos observado os mais perigosos retrocessos.
Apesar de o STF ter declarado essa legislação inconstitucional, muitos parlamentares – ironicamente, os mesmos que defendem ardorosamente as chamadas liberdades de expressão e manifestação – seguem apresentando e, em alguns casos, aprovando projetos que aniquilam a liberdade de cátedra, espalham desinformação e pânico moral, além de censurar e intimidar professoras, professores e demais profissionais da educação, em uma mobilização alinhada ao movimento “Escola Sem Partido”, que prefiro chamar de “Escola com a minha ideologia”.
Seguindo a mesma lógica de violação da liberdade de cátedra, intimidação e censura, algumas secretarias estaduais e municipais de educação têm realizado perseguições sistemáticas contra diretoras, diretores, professoras, professores e demais profissionais da educação que questionam os métodos e as exigências dessas redes. Sob o pretexto de estarem investigando denúncias contra esses profissionais, são abertas sindicâncias e processos administrativos que ocasionam problemas que vão desde questões relacionadas à saúde mental até dificuldades de ordem financeira.
Nos estados e municípios, avança a plataformização do ensino, ou seja, o uso de plataformas digitais em sala de aula. Isso tem levado professores e professoras a um aumento, não remunerado, da carga de trabalho, além de obrigá-los a arcar com os custos de smartphones, tablets ou computadores, bem como da contratação de pacotes de internet. Cabe destacar que estudos realizados em diferentes países têm desincentivado o uso das chamadas “telas” em sala de aula.
Além do uso forçado das plataformas digitais, os governos estaduais e municipais têm implementado escolas cívico-militares e projetos de privatização ou concessão de escolas para a iniciativa privada, como no programa “Parceiro da Escola”, no estado do Paraná, e no programa “Novas Escolas”, no estado de São Paulo.
Outro ponto de preocupação em relação às políticas estaduais na área da educação é a implementação da Lei nº 14.945/2024, que instituiu o “novíssimo ensino médio”. Antecipando-se à promulgação das novas diretrizes educacionais, muitas secretarias estaduais de educação estão implementando novas matrizes curriculares que, em sua maioria, reduzem o número de aulas dos componentes curriculares da Formação Geral Básica. Esse impacto é mais notável nas áreas de Ciências Humanas (Filosofia, Geografia, História e Sociologia), Ciências da Natureza (Biologia, Física e Química), Artes e Educação Física, que compõem a área de Linguagens.
Observamos ainda uma coordenação na implementação de políticas públicas educacionais que representam graves retrocessos para o campo educacional. Um exemplo preocupante foi o Projeto de Lei Complementar nº 186/2024, aprovado em dezembro no município do Rio de Janeiro. Entre outras medidas, ele alterou o cálculo da carga horária dos professores e professoras, que passou a ser computada em minutos e não mais em horas-aula. Com essa mudança, docentes em regime de 40 horas semanais passaram a ministrar 32 aulas de 50 minutos, em vez dos atuais 26 tempos de 50 minutos.
Enquanto ponto positivo no ano de 2024, no campo educacional, destaca-se a Lei nº 14.818/2024, que instituiu o incentivo financeiro-educacional, também conhecido como “pé de meia”. Com o objetivo de reduzir a evasão escolar no ensino médio, o governo federal criou esse auxílio financeiro para que estudantes em situação de vulnerabilidade social não abandonassem os estudos para trabalhar. Sem dúvida, o programa “pé de meia” foi o grande destaque do governo federal neste ano.
Como sempre soubemos na área da educação, não há tempo para comemorar ou lamentar. Após um bimestre, trimestre ou semestre, sempre surge outro, com novos e complexos desafios. Por isso, é preciso encarar 2025 sem perder de vista os aprendizados e os acúmulos de conhecimento que tivemos em 2024.
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