Um consórcio de ressentidos, decrépitos, negacionistas e transgressores
É comovente ver o esforço dos bolsonaristas para afirmarem uma vitalidade fálica nos seus símbolos de armas, agressividade e violência para com o outro, o diferente. O que talvez não saibam é que esses esforços os expõem como pessoas que de fato sofrem da decrepitude fálica, da carência de uma autoridade simbólica que os assegurem subjetivamente e em um estamento social, daí que necessitam reconstituir essa amputação fálica (mas não como uma castração simbólica) que sofreram na anuência de um grupo que se submete à demência de um líder perverso que lhes emprestam supostamente um troféu fálico a exibirem publicamente, tal um fetiche, contudo, o que exibem de fato é a fragilidade simbólica que carregam na suas vidas amarguradas, e muitas vezes distópicas.
Eles gritam, amaldiçoam, ameaçam todos aqueles que não conjuguem de sua crença fanática quão obtusa e que não pertençam ao grupo. Não é um fenômeno novo na humanidade, e via de regra já a levou a terríveis tragédias como o nazismo e o fascismo. Muitos estudiosos já pesquisaram esse fenômeno da psicologia das massas, destaco o médico e sociólogo Gustave Le Bon e o psicanalista Sigmund Freud que em 1921 publicou um importante trabalho intitulado Psicologia das Massas e Análise do Eu.
Neste livro Freud analisa a necessidade de um grupo disperso e marcado por frustrações, ódio e pela perversão se constituir não apenas como uma multidão perdida e muitas vezes acanhada, mas uma massa, que tem cara e ideologia, crença e certezas a partir do aparecimento de um líder que dê a cara e que os unifique.
Um líder que possa pregar as coisas mais estúpidas, disseminar o ódio ao outro, não importa! Pois o que importa é que ele traga a coesão grupal com a qual o supereu dos indivíduos agora reunidos em grupo seja suspenso e essas pessoas possam dar vazão às demandas e aos apelos do id. Que os assegurem à uma potência que individualmente ou como multidão não têm e que os identifiquem em um lugar no socius.
Na proposição de Freud o supereu (superego) representa uma instância psíquica modificada do eu e também do id (isso) que estabelece os limites ao gozo ilimitado e absoluto e nos traz a dimensão da moral e dos limites para assim vivermos em uma vida sociabilizada. O supereu corresponde àquilo que em psicanálise chamamos uma instância jurídica, pois nos remete à Lei da castração simbólica, a lei do incesto. Já o id é uma instância psíquica que representa as demandas inconscientes absolutas, que não obedece limites aos seus apetites gozosos de modo que o supereu é quem segura essa barra a fim de que possamos viver em sociedade e sob o primado da Lei. Freud ainda fala de uma terceira instância que é o eu (ego), e essa representa uma modificação do id que está no núcleo da consciência e ajuda a organizar a razão e a cognição. Essas instâncias elas têm uma face consciente e inconsciente, à exceção do id, que é totalmente inconsciente.
Geralmente nos períodos históricos em que uma enorme parcela da sociedade se sente desamparada em razão de graves crises sociais com fortes reflexos subjetivos, sem as condições de enfrentar as demandas que lhes são cobradas, e as determinações do supereu, já que lhes são fragilizadas, como falamos anteriormente, as referências à autoridade simbólica, portanto, nesses delicados momentos essas pessoas se sentem profundamente frustradas, angustiadas e, não raro, nesses momentos, aprecem esses personagens, esses líderes messiânicos carregando uma promessa de revitalização social e subjetiva e tendo consigo a marca de um símbolo do agrupamento das massas de desvalidos através de um signo como o Führer (chefe em alemão), Duce (líder em italiano) ou Mito (personagem que em português combina aspectos místicos, salvíficos e de liderança política). Esses testemunhos tivemos na Alemanha nazista de Adolf Hitler, na Itália fascista de Benito Mussolini, e no Brasil contemporâneo de Jair Messias Bolsonaro.
Esse agrupamento ou reunião em massas promovem a esses indivíduos que possam vivenciar tais experiências, como em uma grande arena ou um grande teatro, as suas desrealizações subjetivas agora operadas imaginariamente como virtude, e uma virtude única que sem ela qualquer um deixa de ser reconhecido e não raro tornam-se ferozmente perseguidos. Desse modo, as pulsões do mal são lançadas para fora, no exterior, e à guisa de uma espécie de pacificação individual e grupal são projetadas em um elemento elegível para tal, um bode expiatório que se diversifica de acordo à demanda e realidade psíquica e social de cada grupo, podendo ser os judeus, os comunistas, as mulheres, os palestinos, os negros, os homossexuais, os imigrantes, os não etnicamente puros, ou seja, aqueles que não pertencem à horda e não comungam de um ancestral comum e etc. Cada grupo elege o seu objeto de expiação do mal, que é sempre exterior e jamais percebido como do próprio sujeito.
Como vemos, esses processos sociais e psíquicos se organizam discursivamente a partir de mecanismos como o de negação (os erros de nossa sociedade não fomos nós que cometemos) e o de projeção (portanto sabemos quem nos levou a esse estado de coisas daí que eles devem pagar por isso). A inversão do masoquismo para o sadismo como destino pulsional também é verificável na errância desses processos históricos.
A lógica é aparentemente simples, basta eliminar esse outro em posição de bode expiatório que tudo estará resolvido. Para isso os nazistas instituíram o Pogrom que tinha como objetivo eliminar todos os judeus da Europa e depois do triunfo mundial do nazismo, eliminá-los da face da Terra e apagar os seus símbolos, afinal os judeus passaram a ser responsabilizados por todos os males que padeciam a Alemanha àquela época em que fora antes derrotada na primeira guerra mundial e vivia achatada por um duro armistício, o Tratado de Versalhes, que a submetia a uma crise política e econômica terrível. Ora, os alemães que aderiram a esse dispositivo era como se psiquicamente se livrassem dos erros que cometeram, afinal tinha alguém para culpar por tais.
No caso do nazismo, na Alemanha, entre as décadas de vinte e quarenta do século XX, os judeus não foram os únicos culpados pelo ódio nazista, mas também os comunistas, socialistas, eslavos, as chamadas raças inferiores, pessoas com necessidades especiais seja de ordem física, psíquica e psicomotora, além dos homossexuais. Todos eles foram incluídos na conta do “Solução Final”, o Pogrom que objetivava eliminá-los fisicamente e simbolicamente. Um amplo e complexo processo de morte e apagamento.
E o que acontece no Brasil em nossos dias? Esse fenômeno da psicologia das massas chegou aqui a partir de um discurso levado pela mídia burguesa e pelos juízes, promotores e delegados da fatídica Operação Lavajato que pretendiam “erradicar a corrupção no Brasil” elegendo os culpados por ela, no caso, o Partido dos Trabalhadores e sua grande liderança, Luís Inácio Lula da Silva. A partir daí se iniciou uma das maiores perseguições (disfarçadas de ação jurídico-policial-midiática) que já tivemos notícia no Brasil e no direito internacional.
Um outro aspecto relevante desse expediente consorciado que reuniu agentes públicos e agentes privados, além de potência estrangeira interessada na fragilidade continental, e mundial, do Brasil (que vinha em ampla ascendência no concerto das nações) fora o de transformar os significantes da política em símbolos da corrupção, portanto, a palavra política percorreu o imaginário social ainda mais a partir desse consórcio acima citado como um elemento a ser visto como algo absolutamente asqueroso e medonho. Completou essa opereta o trabalho desenvolvido por segmentos religiosos cristãos fundamentalistas, sobretudo os fundamentados na teologia da prosperidade e o neopentecostalismo, mas não só eles, a associar a ideia da política como transformação social ao inimigo, a saber, o demônio, o mal, sempre exterior ao sujeito e colado a um indivíduo e/ou instituição elegível.
O que essa Operação, a Lavajato, se provou posteriormente e após causar todos os estragos sociais, econômicos, políticos e simbólicos no Brasil foi que ela, a Operação, é que era profundamente corrupta, formada por verdadeiras quadrilhas incrustradas nas corporações do estado brasileiro e seus valores oligárquicos e patrimonialistas. Não era a corrupção que combatiam, mas aquilo que ameaçava a manutenção do status quo, a saber, da preservação de uma classe social hegemônica que há séculos saqueia o estado brasileiro e constroem uma das sociedades mais desiguais do planeta, vendidas agora como puros e moralmente superiores.
Tudo isso, no entanto, não impediu a destruição e os estragos simbólicos que alimentara um imaginário social que resultou em figuras trágicas como Michel Temer e Jair Messias Bolsonaro, este último conseguindo agrupar a multidão moralmente desvalida em massa controlada e alucinada como um gado, feroz como uma besta, fanática com seu apologismo divinificado em seitas de oportunistas como detentores do Bem supremo de uma nação, prontos a combater e erradicar o mal: a corrupção, e o que a ela foi associado. Mas tudo isso, como vimos, não passou de um expediente denegatório, afinal, o mal que supostamente combatiam e projetavam no outro, era íntimo da prática de vida e institucional deles próprios.
Deu no que deu.
O país entrou em um processo acelerado de autodestruição, de crise permanente até porque a crise alimenta a coesão desse grupo e o imaginário social prevalente discursivamente desse tal de bolsonarismo. A falta de empatia e de respeito ao outro como vimos nas centenas de milhares de mortes evitáveis pela pandemia da covid-19, e agora com as enchentes na Bahia, seja por parte do presidente, que, neste último caso optou por curtir feito um adolescente irrefreável suas férias do nada que fez até agora em termos de trabalho socialmente construtivo para a nação e o país, seja por parte do seu público que o admira e o imita em modos de funcionamento.
O Brasil não está vivendo um processo fácil de ser compreendido e superado, mas temos a urgência de modificar esse signo de destruição que está, ironicamente, a corromper essa sociedade, levando-a para uma de suas páginas mais medonhas de obscurantismo.
Derrotar Bolsonaro é importante, mas não é o suficiente, é preciso desmontar, desconstruir e invalidar o discurso de coesão grupal que levou esse decrépito ao poder e ao delírio e a histeria das massas na busca de um pai que lhe sustente simbolicamente e lhe signifique um rosto, força e vitalidade à realização dos seus mais perversos desejos, antes acanhados entre quatro paredes ou expressados em pequenas instâncias domésticas e comunitárias, hoje disseminados publicamente como uma virtude.
Todavia, não podemos nos iludir que isso possa ser totalmente erradicado em uma sociedade, apenas devemos atuar no sentido da dispersão, mitigação e transformação dos dispositivos que constituíram a coesão grupal desses indivíduos em face ao lavajatismo e o bolsonarismo, além do aspecto que reitero, o de não mais desprezarmos a nossa História e insistirmos em conciliação com o que é inconciliável. Não me refiro aqui a retomada do diálogo e até de acordos políticos entre a esquerda e setores da centro-direita e da direita que se submetam ao processo democrático e civilizatório como norte da política, mas àqueles segmentos como os do Golpe de 1964, e antes na nossa história ao regime escravocrata, que saíram impunes juridicamente, não foram responsabilizados pelos seus atos criminosos, e preservaram valores e símbolos do holocausto brasileiro, pois ele existiu e ora está muito presente entre nós como um retorno do recalcado.
Não propomos uma sociedade vingativa e punitivista, longe disso, propomos uma sociedade que faça, enfim, valer os mais elevados valores da justiça, do primado da Lei, da inclusão social e da democracia. Uma sociedade que observe e respeite a sua História.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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