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Luciano Barbosa

Advogado, tesoureiro do Sindicato das Advogadas e Advogados do estado de São Paulo –SASP, Conselheiro do Grupo Pró- Vitima e membro da executiva municipal do Partido dos Trabalhadores da cidade de São Paulo.

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Um pacto pelos trabalhadores da cultura na cidade de São Paulo

"Por uma política cultural redistributiva"

Marta Suplicy, Lula e Guilherme Boulos (Foto: X/@LulaOficial)

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O candidato e futuro prefeito da cidade de São Paulo, Guilherme Boulos, lançou a sua plataforma para as políticas de cultura: meta de 3% do orçamento municipal para a área, expansão dos equipamentos culturais para as periferias, fortalecimento de circuitos e redes culturais da cidade (livro e leitura, Cultura Viva, economia solidária), e fortalecimento dos eventos de rua da cidade. Junto com esses anúncios no seu Programa de Governo, Boulos defende a reaproximação com as políticas culturais do Ministério da Cultura, cujo afastamento promovido pela gestão Ricardo Nunes acarretou o prejuízo de milhões de reais para os artistas e produtores culturais de São Paulo, que tiveram acesso dificultado aos recursos das leis Paulo Gustavo (LPG) e Aldir Blanc (LAB). Além dessas pautas emergenciais, podemos afirmar também que Boulos é o único candidato a prefeito que entende o real sentido das políticas públicas de cultura, que é promover um modo de vida solidário, que é educar, por meio da arte e das manifestações culturais, para o uso compartilhado da cidade, estabelecendo contraponto aos estímulos do ódio, do individualismo, e do consumismo que se disseminaram na nossa cidade.

Nesta acepção mais abrangente, a cultura é a própria vida do espírito. Ela é definida pelos valores que defendemos, pelos nossos desejos e aspirações, e pelas atividades que realizamos sozinhos ou na companhia de outras pessoas. Desta forma, confraternizar com amigos e familiares, alimentar-se, praticar esportes, viajar, ir a shows, espetáculos, exposições, dançar nos bailes, frequentar festas populares, professar a sua fé, ou ficar “curtindo” em casa, são exemplos de práticas culturais. Nos últimos vinte anos, navegar na internet e nas redes sociais também se tornaram hábitos culturais que, junto com esses exemplos dados, conformam a nossa visão de mundo e a maneira como agimos nele.

As políticas públicas de cultura tratam dessas questões ajustando o seu foco no fomento às artes e ao patrimônio histórico, no fortalecimento das nossas expressões tradicionais, e na valorização das práticas que, atualmente, definem a identidade de grupos sociais. Nos últimos anos, as políticas culturais também têm dedicado atenção à “economia da cultura”, ou seja, ao papel que as atividades culturais desempenham na geração de empregos e riquezas. O segundo governo Lula criou a Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura – que no mês de julho passou a ser novamente comandada pela pesquisadora Cláudia Leitão, sua primeira titular – órgão que retoma a relação proposta pelo economista Celso Furtado entre cultura, criatividade e desenvolvimento, formulada quando este ocupou o Ministério da Cultura, na década de 1980. No melhor sentido desta agenda, ganharam visibilidade as figuras do trabalhador e da trabalhadora da cultura. Um contingente que hoje, segundo o Sistema de Informações e Indicadores da Cultura do IBGE, totaliza 5,7 milhões de pessoas em todo o Brasil, e, aproximadamente, 690 mil indivíduos somente na cidade de São Paulo.

Por outro lado, também surgiram os aproveitadores que se utilizam da ideia de economia da cultura no sentido meramente financista – martelando o impacto da cultura na geração de riquezas, sem refletir criticamente como e para quem se destina a maior parte do PIB deste setor. Esses, e os mais ingênuos, reforçam o credo neoliberal segundo o qual o valor social de qualquer coisa é definido pela sua lucratividade real ou potencial. Deixar de colocar o trabalhador e a trabalhadora da cultura nesta equação – sejam esses como indivíduos ou pequenos empreendedores de perfis variados – é esvaziar a principal contribuição da Cultura em uma sociedade, que é a construção de uma subjetividade crítica, inventiva e diversa, presente em sujeitos capazes de celebrar as tradições do passado, de se conduzir no tempo presente, e de imaginar novos futuros. Neste sentido, os artistas, produtores, educadores e fazedores culturais desempenham um papel-chave.

Mesmo nas indústrias deste setor, o trabalho cultural mostra a sua importância. No dia 24 de junho deste ano, a cantora Marisa Monte recebeu o título de doutora Honoris Causa pela USP. No seu discurso de agradecimento, a cantora divertiu o público quando disse: “Vejo que, para ser cigarra, tive que ser muito formiga”. Em seguida, a cantora descreveu os vários sacrifícios que precisou fazer para a construção da sua carreira: “Trabalhei muito; passei horas e horas da minha vida em ensaios, gravações, voos, estradas, longe de casa, dos meus familiares e amigos, levando a música e a beleza da cultura brasileira mundo afora”. Infelizmente, para a grande maioria dos trabalhadores da cultura no Brasil, a sobrecarga de horas, as condições precárias de trabalho, a insalubridade e a periculosidade das atividades nos palcos e nos bastidores, não resultaram no mesmo sucesso da cantora.

Nos últimos anos, os inimigos da cultura no Brasil atacaram artistas e produtores culturais de diferentes maneiras. Entre os governos Temer e Bolsonaro, acumularam-se os cortes dos recursos da área, a extinção do Ministério da Cultura e de vários órgãos, até o retorno da censura aberta a exposições, livros, filmes e espetáculos. À custa de muita luta, o meio cultural resistiu ao desmonte, lutou durante a pandemia, até conquistar importantes vitórias no parlamento, como a criação da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, e da Lei Paulo Gustavo, voltada ao setor do audiovisual. Nos dois casos, o que se conseguiu foi o descontingenciamento de bilhões de reais do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo do Audiovisual, que se encontravam represados desde 2016, pelos governos Temer e Bolsonaro.

Com a retomada das atividades culturais após a vacinação contra a Covid-19, o setor de eventos na cidade de São Paulo voltou a ficar aquecido, especialmente as atividades com grandes aglomerações, que estavam suspensas desde 2020. O projeto Mapa dos Festivais registrou a realização de 298 festivais no Brasil em 2023, sendo 83 desses em São Paulo. Desses festivais, 55 registraram público acima de 40 mil pessoas. O valor médio do ingresso é R$ 329,00, mas em um megafestival como o Lollapalooza, o preço médio sobe para R$ 3 mil. Esses eventos impulsionam o setor de turismo, fomentando os segmentos da hotelaria, do transporte e do comércio. De acordo com a Associação Brasileira de Promotores de Eventos (ABRAPE), a promoção de eventos gerou, em 2023, uma receita de R$ 290 bilhões em todo o Brasil. Entre os principais promotores de evento, o grupo Dreamers, que é responsável pela realização do Lollapalooza, e também dos megafestivais Rock in Rio e The Town, conta com 15 mil produtores e faturou R$ 1,5 bilhão, em 2023. Outra gigante do setor, a Time for Fun, realizou 70 eventos – entre eles o Megashow de Taylor Swift, comercializou mais de 1 milhão de ingressos, e obteve R$ 340 milhões de receita líquida, como informa o seu relatório aos acionistas.

E o que ganham os trabalhadores da Cultura com isso?

Apesar desses resultados expressivos, praticamente não vemos investimentos desses grandes players na qualificação dos produtores culturais que trabalham nos seus eventos, e tampouco o oferecimento de condições adequadas de trabalho. E o público com poder aquisitivo para acessar a esses festivais é restrito às classes mais abastadas. É fundamental que a gente inclua a massa dos trabalhadores da cultura neste fluxo de riqueza produzido por eles próprios. Por isto, estou propondo a criação de um fundo da cidade de São Paulo destinado especificamente à qualificação e ao desenvolvimento dos profissionais da cultura, constituído a partir de uma contribuição compulsória cobrada sobre os megafestivais realizados na cidade. Vamos chamar todos os atores deste meio para um amplo debate, procurando demonstrar para a população paulistana e para essas empresas a importância de qualificarmos decentemente esses trabalhadores e de regular a sua atividade, assim como ocorre nos outros segmentos da economia. Além da qualificação profissional, o fundo a ser criado para a gestão desses recursos poderá fomentar festivais alternativos na cidade, fortalecendo a rede dos trabalhadores e empreendedores culturais de pequeno porte, além de ampliar o público com direito de acesso aos eventos culturais.

Com esta medida, a Secretaria da Cultura da Cidade de São Paulo pode dar um passo pioneiro. Junto com destinação crescente do orçamento municipal para a cultura proposta pelo candidato e futuro prefeito Guilherme Boulos, ela também pode inaugurar a primeira política cultural redistributiva do Brasil, redirecionando parte da riqueza gerada pelos grandes eventos desta cidade à qualificação dos produtores culturais de perfis variados que, pela força do seu trabalho, tornam a cidade de São Paulo um destino de eventos nacionais e internacionais, e ao fomento dos festivais alternativos que lutam para se viabilizar na nossa cidade.

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