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    Camila Ribeiro

    Formada em História pela Universidade Federal da Bahia

    8 artigos

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    Um processo de apagamento de memória em vida

    As imagens de um Assange casado, pai de filhos pequenos, e cercado de amigos seria corrosiva para toda a campanha feita para desumanizá-lo

    (Foto: REUTERS/Peter Nicholls)

    Um casamento atrás das grades.

    A noiva em lágrimas de felicidade e de tristeza.

    Feliz por casar. Triste por que o noivo está preso há quase 3 anos e em risco de ser enviado para outra e pior masmorra.

    Muitas pessoas na frente da prisão felicitaram o casamento, mas poucos convidados foram aceitos pela segurança da prisão de Belmarsh.

    A estilista londrina Vivienne Westwood vestiu a noiva, mas não teve permissão de comparecer à cerimônia.

    Todos jornalistas foram barrados pela prisão, incluindo, um dos convidados mais ilustres: Craig Murray, um amigo do noivo que já foi embaixador do Reino Unido no Uzbequistão e que hoje escreve um blog sobre política, geopolítica e injustiças no aparelho de justiça britânico. Seu muito elogiado relato diário do julgamento de Julian Assange, em detalhes e com a competência de quem já fez parte do estado, tornou Murray um perigo para a segurança de uma prisão de segurança máxima britânica. O ex-embaixador foi barrado na última hora, na entrada da prisão.

    Outro amigo jornalista barrado, Chris Hedges foi riscado da lista de convidados pela segurança dias antes, mas apareceu assim mesmo para homenagear o amigo encarcerado. Hedges que já trabalhou para grandes jornais foi queimado na imprensa corporativa por denunciar as atrocidades diárias cometidas pelas tropas da OTAN no Iraque. Assim como Murray, Hedges vem encontrando dificuldades em ter seu status antigo de jornalista reconhecido pelas burocracias institucionais.

    Ainda mais barrado foi o próprio noivo de ter sua imagem divulgada, o que já ocorre desde que ele foi preso em 2019. Nenhuma câmera foi permitida pela segurança da prisão. Os noivos e testemunhas terão apenas suas memórias para guardar o registro da cerimônia que só aconteceu depois de muita luta.

    O mundo não pode ver Assange com sua noiva apaixonada, com seus filhinhos fofos, com seu pai orgulhoso, com seus amigos simpáticos e profissionais renomados.

    O que temem aqueles que mantêm Assange prisioneiro?

    Temem eles que se o mundo vir Julian Assange como um ser humano, recipiente de amor e admiração, Belmarsh poderá desabar, tal qual a Bastilha?

    O que ocorre contra Assange é um processo em nada diverso do que foi praticado contra Lula: após longos anos de assassinato de caráter, que permitiram a sua prisão, sucede uma tentativa de apagar da memória pública a sua imagem profissional e, principalmente, sua imagem humana, ainda em sua vida.

    É preciso lembrar que em 2010, Julian Assange era visto majoritariamente como um herói pelo público, mesmo no ocidente.

    Mesmo após as falsas acusações de crime sexual, Assange foi eleito Pessoa do Ano na revista Time em votação do público ao final de 2010.

    Foi preciso quase 10 anos de assassinato de caráter na imprensa corporativa para que ele se tornasse no imaginário popular pessoa detestável, odiosa, descartável.

    As imagens de um Assange casado, pai de filhos pequenos, e cercado de amigos seria corrosiva para toda a campanha feita para desumanizá-lo. Sua imagem atual de extrema debilitação física e emocional causaria comoção no público e lembraria as imagens de prisioneiros torturados em Guantánamo e Abu Ghraib que WikiLeaks revelou.

    Uma única foto atual de Assange, se fosse publicada, seria uma denúncia do crime em andamento que Reino Unido e Estados Unidos têm praticado, com a conivência da omissão da Austrália.

    Se estivesse vivo Carlos Marighella, poeta, político e combatente por um mundo mais justo e amoroso, ele recitaria para os noivos Stella e Julian seu poema.

    Rondó da Liberdade:

    "É preciso não ter medo,

    é preciso ter a coragem de dizer.

    Há os que têm vocação para escravo,

    mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

    Não ficar de joelhos,

    que não é racional renunciar a ser livre.

    Mesmo os escravos por vocação

    devem ser obrigados a ser livres,

    quando as algemas forem quebradas.

    É preciso não ter medo,

    é preciso ter a coragem de dizer.

    O homem deve ser livre…

    O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,

    e pode mesmo existir até quando não se é livre.

    E no entanto ele é em si mesmo

    a expressão mais elevada do que houver de mais livre

    em todas as gamas do humano sentimento.

    #FreeAssangeNowÉ preciso não ter medo,é preciso ter a coragem de dizer."

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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