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    Heba Ayyad

    Jornalista internacional e escritora palestina

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    Uma análise inicial da política externa de Trump

    "O presidente eleito enfrenta agora quatro grandes crises que impõem desafios urgentes à sua presidência"

    Donald Trump (Foto: Reuters/Callaghan O'Hare)

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    Ao analisar a política externa do presidente eleito Donald Trump, partimos de dois pressupostos. O primeiro é que ele é inconstante e, muitas vezes, toma decisões sem premeditação ou avaliação das consequências. Qualquer pessoa que deseje descrever Trump com uma única palavra recorre ao termo “imprevisível”, o que indica que ele é uma pessoa temperamental, cujas decisões não podem ser previstas ou antecipadas.  

    O segundo pressuposto é que ele tentará construir para si uma nova imagem, um pouco diferente daquela do seu primeiro mandato, mas não necessariamente rompendo completamente com ela. Isso se deve, possivelmente, à sua obsessão com o legado que deseja deixar e pelo qual quer ser lembrado após sua partida.  

    O quadragésimo sétimo presidente dos Estados Unidos foi eleito não por causa de sua popularidade absoluta, mas como resultado de uma punição coletiva ao Partido Democrata. Os resultados indicam que Trump não obteve um aumento significativo de votos em relação às eleições de 2020, com apenas cerca de 476 mil votos adicionais. Por outro lado, Kamala Harris perdeu aproximadamente dez milhões de votos em comparação com o número obtido por Joe Biden em 2020.  

    Uma análise rápida das nomeações anunciadas pelo presidente eleito aponta para a direção da política externa de sua nova administração, especialmente na região do Oriente Médio. Entre os indicados, estão Mike Waltz como embaixador dos EUA nas Nações Unidas, Alice Stefanik, e Mike Huckabee como embaixador dos EUA em Israel. Há também a possibilidade de que a chefia do Departamento de Estado seja assumida por Mike Rubio. Isso destaca que os principais articuladores da política externa são alguns dos mais fervorosos defensores da entidade sionista, bem como apoiadores das ações em Gaza, sem esforços para reduzir ou proibir as quantidades e os tipos de armamentos utilizados.  

    Uma revisão das nomeações anunciadas pelo presidente eleito indica que os mais ferozes defensores da entidade sionista, apoiadores dos massacres em Gaza e do fracasso na redução das quantidades de armamentos, são aqueles que controlam as articulações da política externa.

    O presidente eleito enfrenta agora quatro grandes crises que impõem desafios urgentes à sua presidência: a guerra entre Rússia e Ucrânia, a guerra de aniquilação em Gaza, o conflito mais amplo no Oriente Médio — envolvendo Líbano, Síria, Iêmen, Iraque e Irã — e, por último, o desafio que a China representa à hegemonia estadunidense, especialmente em relação às novas alianças que buscam impor um sistema internacional multilateral, como o grupo BRICS+, a Organização de Cooperação de Xangai, o G20 e outros. Gostaria de fazer algumas observações preliminares sobre a política externa em relação ao Oriente Médio, abrangendo os aspectos mencionados acima. Como já dissemos, espera-se que, desta vez, Trump seja mais criterioso na escolha de seus assessores e do pessoal encarregado da política externa, considerando a lealdade pessoal como um dos critérios importantes para as nomeações, de forma a manter controle total sobre os assuntos, sem disputas e demissões, como ocorreu anteriormente.

    Gaza e Palestina - Se a administração Biden não conseguir, em seus últimos dias, pôr fim à guerra em Gaza e no Líbano, Trump será obrigado a lidar com este ponto crítico e explosivo, especialmente com a tragédia humanitária em Gaza. Ele buscará interromper a guerra, mas de uma maneira que agrade a Netanyahu, particularmente por meio da libertação de reféns e da prevenção do retorno do Hamas ao poder em Gaza. Trump poderá aceitar mudanças fundamentais nas fronteiras de Gaza, inicialmente conferindo a Israel um papel central na segurança, na reconstrução e no retorno dos deslocados. Ele também mencionou a necessidade de encerrar a guerra em Gaza, alegando em agosto passado que disse ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para "declarar vitória" rapidamente, pois "a matança precisa parar".

    Espera-se que Trump apoie a decisão de Israel de proibir a UNRWA, eliminando completamente o papel da agência e suspendendo qualquer apoio material à mesma. Vale destacar que, em seu mandato anterior, ele cortou o financiamento à agência, alterando uma política dos EUA que a sustentou por mais de 68 anos. Isso provavelmente gerará um forte ponto de discórdia com a União Europeia e a comunidade internacional, que apoiam amplamente a UNRWA.

    Quanto à solução de dois Estados, Trump pode retomar o “Acordo do Século”, mas introduzindo alterações favoráveis a Israel. Ele pode adotar uma postura mais permissiva em relação à expansão dos assentamentos e à anexação de partes essenciais da Cisjordânia, especialmente o Vale do Jordão e áreas estratégicas de Jerusalém, como a área E-1. Além disso, ele pode revogar o Acordo de Custódia Hachemita sobre os locais sagrados cristãos e islâmicos em Jerusalém. O Estado palestino seria reduzido a uma entidade fragmentada, composta por enclaves e postos avançados conectados por uma faixa subterrânea ao que restar de Gaza. Trump não se importará se os palestinos chamarem essas áreas de "Estado". É possível que alguns líderes palestinos ligados às forças de segurança israelenses-americanas aceitem tal proposta.

    Irã - Falando aos jornalistas em setembro passado, Trump afirmou estar aberto a fechar um novo acordo com o Irã para impedir o país de desenvolver uma arma nuclear. Ele declarou: “Temos de concluir um acordo, porque as consequências são impossíveis”. Segundo ele, é isso que o Irã deseja e busca seriamente. Essa tendência pode abrir portas para a formação de um novo Oriente Médio, baseado na paz, no desenvolvimento e na prosperidade.  

    Essa iniciativa exige que os Estados Unidos retirem suas bases do Iraque e da Síria, que hoje representam focos de desafios e conflitos, levando as forças de resistência a atacá-los repetidamente. Não há dúvida de que a nova liderança iraniana pretende virar a página das sanções, iniciar uma fase de cooperação com os países vizinhos e com os Estados Unidos, e abandonar o eixo da resistência, desde que consiga garantir a segurança do país e de seu programa nuclear pacífico. Caso contrário, não haverá força capaz de impedir o Irã de desenvolver suas capacidades armamentistas.  

    O regime iraniano tem o direito de trabalhar para se proteger das constantes ameaças israelenses à sua existência, além do perigo representado pelas bases militares americanas espalhadas pelos países vizinhos. No entanto, o Irã, “provocativo e ameaçado por Israel e pelos Estados Unidos”, continuou desenvolvendo seu programa nuclear e está perto de produzir armas. Não se descarta a possibilidade de Israel realizar grandes operações provocativas com o objetivo de envolver a administração Trump em uma guerra abrangente contra o Irã, visando destruir suas capacidades nucleares.  

    Por grandes operações provocativas, entende-se ações como atingir o Líder Supremo Khamenei, bombardear instalações petrolíferas essenciais ou atacar instalações relacionadas ao programa nuclear. Tais ações poderiam forçar o Irã a reagir com força massiva, incluindo ataques a alvos estratégicos como o Complexo de Dimona, o fechamento do Estreito de Ormuz ou bombardeios de instalações vitais em países aliados dos Estados Unidos na região. Esse cenário é o que Israel almeja: uma guerra abrangente que ele desencadearia, atraindo os Estados Unidos e forçando os países árabes a se juntarem como instrumentos e combustível do conflito.  

    Estados do Golfo - Todos os planos anteriores poderão fracassar se houver uma posição séria, real e sólida dos três principais países árabes: Arábia Saudita, Egito e Jordânia. Se a liderança saudita levar realmente a sério a ideia de não normalizar as relações com Israel, exceto mediante a definição das características, da história e das fronteiras do Estado palestino, com apoio egípcio e jordaniano, além de outros países islâmicos influentes como Turquia, Indonésia e Paquistão, Trump e seus conselheiros poderiam reconsiderar o plano anterior. Nesse caso, o “acordo do século”, em sua nova configuração, seria baseado no estabelecimento de um Estado palestino em troca de uma ampla normalização árabe-islâmica liderada pela Arábia Saudita, abrangendo desde a Indonésia até a Mauritânia.  

    Acreditamos que Trump começará a tratar da guerra russo-ucraniana, que ele considera uma ameaça à segurança nacional. Se ele conseguir apagar os incêndios na Europa Oriental, isso poderá lhe dar o ímpeto necessário para dedicar mais atenção ao Oriente Médio. Ele poderá ouvir o conselho de alguns amigos árabes, caso tenha algum, para juntos enfrentarem as questões do Oriente Médio.  

    Primeiro, seria necessário extinguir os conflitos, depois tratar de questões humanitárias e de reconstrução urgentes, e por fim apelar por uma solução abrangente, duradoura e justa que garanta aos palestinos o direito à liberdade, dignidade e independência nacional, com Jerusalém como capital. Do contrário, a série de conflitos continuará.

    "Está se expandindo, e todos estão pagando o preço, inclusive o povo estadunidense."  

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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