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    Cesar Locatelli

    Economista e mestre em economia.

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    Uma retumbante conquista das Mães em Luto da Zone Leste

    O livro Mães em Luta é um passo em direção ao direito à justiça, que passa, indiscutivelmente, por controle externo da atividade policial

    Alice Vergueiro

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    “No bairro periférico não existe lei, não existe justiça. 

    E é por meio dessas sete histórias que cada mãe 

    coloca sua dor para fora e busca pela justiça da mudança.” 

    (contracapa do livro Mães em Luta)

     

    Sábado, 19, de sol e piscina no Centro Educacional Unificado de Sapopemba e mais de 100 pessoas reunidas no auditório para o lançamento do livro Mães em Luta. Uma vitória conquistada com muito trabalho, há muito esperada pelas integrantes do Movimento Mães em Luto da Zona Leste. Sete mães que registram para sempre a história de seus filhos assassinados por agentes do Estado.

    Paulo Sérgio Pinheiro, reconhecido porta-voz da luta pelos direitos humanos e autor da orelha do livro, mandou sua mensagem de reconhecimento à coragem dessas mãe. Ele ressalta o constante desrespeito ao estabelecido na Constituição democrática de 1988, que confere ao Ministério Público o papel de exercer controle externo sobre a atividade policial: 

    “Ora, apesar disso, o Ministério Público tem se omitido. A ausência de controle efetivo sobre a violência policial é fator que contribui para graves violação de direitos humanos e para o elevado número de mortes em decorrência de ações policiais”.

    O padrão seguido pelo sistema de justiça também é aliado na impunidade: “Depoimentos falsos de policiais são tomados como verdadeiros por juízes. A falta de confiança diante do enorme número de absolvições de policiais militares assim como os frequentes arquivamentos de processos, sem que as mães sejam informadas, no seu conjunto demonstrando que ‘para a periferia não existe justiça’”, denuncia Pinheiro. 

    Dentre suas recomendações, e esperanças com o novo governo, para por fim à letalidade e ao racismo nas ações policiais duas se sobressaem: “instar o Estado brasileiro a cumprir as obrigações que o Brasil se comprometeu a obedecer, em relação aos direitos humanos e a decisões judiciais nacionais e internacionais e reforçar a necessidade de incrementar o controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público”.

    “É o racismo a principal característica da violência de Estado, racismo principalmente voltado aos moradores da periferia, em sua maioria negros e negras. E como ele funciona? Várias pesquisas apontam: expondo as pessoas ao risco de serem mortas ou de perderem familiares e amigos; submetendo as pessoas a abusivas abordagens corporais; prendendo pessoas só com base em alegações policiais, invadindo casas sem mandato judicial, ameaçando pessoas que tentam denunciar”, explica a pesquisadora Claudia Trigo, que compôs a equipe apoiou a construção do livro.

    A letalidade policial é a face mais visível do racismo no Brasil. É o que conclui a recém-lançada pesquisa Pele alvo: a cor que a polícia apaga, desenvolvida pela Rede de Observatórios da Segurança: 

    “A ação policial é a face mais visível e palpável do racismo. Este que alimenta um sistema controlado por coronéis, delegados, promotores e juízes brancos que favorecem outros brancos abastados enquanto praças e carcereiros negros prendem, matam e guardam jovens também negros. Essa configuração envolve política, poder e dinheiro de corrupção. Reside aí o desafio imperioso de controlarmos e reduzirmos as forças policiais, além de mudarmos o sistema de justiça criminal.”

    As mães em luta 

    “Tudo se define em saudade

    Saudade do colchão na sala

    Saudade do banho demorado

    Saudade de você chamando para abrir o portão

    Saudade de teu beijo na testa

    Saudade de esperar você chegar

    Para que a minha dor, a minha saudade sejam menores

    imagino que você foi viajar

    Uma viagem longa

    Mas vai voltar e certamente vamos nos encontrar.”

    (Gilvania Reis Gonçalves, 49, mãe de Guilherme Gonçalves)

     

    “Filho meigo e sonhador,

    de um coração enorme

    e de um sorriso contagiante.

    De muitos amigos

    e querido por todos.

    Hoje resta a saudade

    e a certeza de que

    jamais será esquecido.

    ... te amarei eternamente”

    (Maria Medina Costa Ribeiro, 47, mãe de Luan Gabriel Nogueira de Souza)

     

    “Até quando vamos ver jovens negros

    morrerem assim?

    Até quando vão matar nós?

    É muita hipocrisia dizer que a lei é feita

    para todo mundo e em nome de todos,

    quando na verdade ela é feita por alguns e

    não é aplicada de maneira justa para todos.”

    (Miriam Damasceno da Silva, tia de Kaique Roberto Caldas da Cunha)

     

    “Tem saudade que traz alegrias

    Tem saudade que é emotiva

    Tem saudade que te corrói por dentro

    Tem saudade que te sufoca

    Tem saudade que entristece

    Tem saudade daquele adeus

    E tem saudade que eu não queria sentir

    A espera da resposta ‘por que o senhor atirou em mim?’”

    (Rossana Martins de Souza Rodrigues, 52, mãe de Douglas Martins Rodrigues)

    “Ao Excelentíssimo Sr. Juiz do Tribunal de Justiça,

    Gostaria de pedir uma mera reflexão sobre muitos casos de assassinatos ocorridos dentro do nosso lastimável país e também um apoio para a segurança pública de pessoas que muitas vezes moram

    em comunidades de classe baixa. Nós, que sofremos acusação de não sermos uma família digna, muitas vezes sofremos violência verbal ou até física numa situação de abordagem policial…”

    (Sidineia S. Souza, 53, mãe de Josias Souza de Almeida)

    “Victor, a distância que no momento nos separa jamais será maior que o amor que nos une.” 

    (Solange de Oliveira Antonio, 50, mãe de Victor Antonio Brabo)

    “(…) Sua passagem foi breve,

    foi embora rapidamente

    mas a tristeza não será para sempre,

    porque aqui há uma voz que mesmo em silêncio

    Grita por justiça, para os familiares sobreviventes.”

    (Tatiana Lima Silva, 42, mãe de Peterson Silva de Oliveira)

    Livro-luta

    “É por isso que o movimento Mães em Luto considera ser este um livro-luta: porque põe a circular publicamente essas vidas e suas histórias que o Estado pretende apagar e busca fazer a sociedade ver a violência em curso. Um livro que se destina, também, às próximas gerações com importante dimensão de transmissão. Um livro que disputa com as reportagens dos grandes jornais a versão dos fatos. Enfim, dores que viraram palavras, poemas, cartas, fazendo circular pelo mundo a vida de sete jovens, suas famílias, seus territórios, nossa sociedade, nosso mundo”, resume Claudia Trigo.

    Serviço

    Título: Mães em luta

    Autoras: Gilvania Reis Gonçalves, Maria Medina Costa Ribeiro, Miriam Damasceno da Silva, Rossana Martins de Souza Rodrigues, Sidineia Santos Souza, Solange de Oliveira Antonio, Tatiana Lima Silva

    Prefácio: Damazio Gomes da Silva e Valdênia Aparecida Pauino Lanfranchi

    Orelha: Paulo Sérgio Pinheiro

    Editor e organizador: Eduardo Guimarães

    Projeto gráfico e ilustrações: Raquel Matsushita

    Páginas: 144

    ISBN: 978-65-996462-9-4

    Editora: Fábrica de cânones (fabricadecanones.com.br)

    Ano de lançamento: 2022

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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