UNIGEL descumpre acordo com a Petrobras ao recorrer à Justiça do Rio e à arbitragem internacional
A iniciativa do industrial acende a luz amarela sobre governança em empresas estatais e arbitragem
O jornal Valor informou na última sexta, dia 5, que a UNIGEL recorreu a uma arbitragem internacional, a International Chamber of Commerce (ICC), para dirimir questão relacionada ao preço do gás natural em contrato que mantém com a Petrobrás.
Isso porque, quando foi celebrado contrato de arrendamento das fábricas de fertilizantes da Bahia e de Sergipe, Petrobrás e UNIGEL também firmaram contrato de fornecimento de gás, principal insumo na produção de fertilizantes dessas fábricas, de modo a viabilizar sua lucratividade, e deu certo. Os dois contratos tem o mesmo prazo de 10 anos. Aliado ao aumento dos preços de fertilizantes como consequência do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o preço do gás fornecido pela Petrobras no acordo firmado com a UNIGEL garantiu um lucro de R$ 3,2 bilhões nos dois primeiros anos de operação, segundo relatórios de administração do grupo.
Apesar de comporem acordos distintos, o contrato de fornecimento de gás natural só existiu em decorrência do contrato de arrendamento, de modo que o contrato do gás é acessório ao do arrendamento.
Pois bem.
O contrato de arrendamento das fábricas de fertilizantes da Petrobrás firmado em 2019 estabelece que as controvérsias relativas ao acordo assinado, inclusive interpretativas, devem ser resolvidas, primeiro, no plano bilateral e, no caso de ineficácia da negociação, a controvérsia deve ser decidida exclusivamente por arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. O contrato exige também que a arbitragem, eventualmente instalada, deverá ter sua sede no Rio de Janeiro e discutida em língua portuguesa.
Por outro lado, a UNIGEL buscou proteção da Justiça do Rio para impedir a aplicação de penalidades, pela Petrobrás, em decorrência do não cumprimento do contrato. E porque isso?
O contrato de arrendamento estabelece, como causa de rescisão antecipada, a paralização das plantas sem justa causa. Como é fartamente conhecido, a UNIGEL paralisou a planta da Bahia em julho do ano passado alegando o preço do gás natural e agora teme que a Petrobrás não considere como justo o motivo da parada rescindindo o contrato e retomando as plantas.
Em outras palavras, há uma controvérsia na interpretação do contrato de arrendamento para definir se o preço do gás natural fornecido pela Petrobrás está incluído no rol das “justas causas”. Mas no termo firmado, Petrobras e UNIGEL concordaram que a controvérsia na interpretação do contrato deve ser resolvida exclusivamente pelo juízo arbitral brasileiro, o que torna a justiça do Rio incompetente para julgar o feito. Apesar disso, segundo Valor, a UNIGEL obteve liminar impedindo, por hora, a Petrobras de encerrar o contrato.
Não se sabe ao certo a cronologia das iniciativas, mas ao que parece a UNIGEL, após a liminar, recorreu à arbitragem sediada em Paris para questionar o contrato de gás.
Como já disseram, "o rabo não balança o cachorro”. O contrato de gás natural entre a Petrobras e a UNIGEL é acessório ao contrato de arrendamento e, como o acessório segue o principal, e não o contrário, a arbitragem não poderia ser processada na International Chamber of Commerce, França, e sim pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, mesmo que no acordo do gás esteja consignada a arbitragem internacional, o que é improvável.
Importante lembrar que, em 2013, o STJ decidiu que “A atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional, sendo possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral” (CC nº 111.230/DF). Mais recentemente, num caso envolvendo os acionistas da JBS e os irmãos Batista, o STJ foi além ao considerar que também há conflito de competência entre dois juízos arbitrais (CC nº 185.702/DF) e a justificativa está na própria decisão:
“Não há como se admitir a subsistência de deliberações jurisdicionais exaradas por Tribunais arbitrais que se excluam mutuamente, como se houvesse um vácuo no ordenamento jurídico, negando-se às partes a definição do órgão (arbitral) efetivamente competente para resolver a causa posta em julgamento, conferindo-lhes instrumento processual eficaz a esse propósito, em manifesto agravamento da insegurança jurídica.” STJ, CC nº 185.702/DF, Rel. Ministro Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/06/2022
Portanto, nem o tribunal arbitral da França e nem a justiça carioca são competentes para resolver a questão. Primeiro porque não se poder permitir a validade de decisões antagônicas proferida por tribunais diferentes. Segundo porque deve-se privilegiar o importante instituto da autonomia de vontade das partes contratantes, salvo se a questão disser respeito à própria arbitragem e o regulamento for omisso a esse respeito.
Essa é uma análise de cunho legalista, apesar de considerarmos que, no Poder Judiciário, a questão teria, em tese, mais controle, já que na arbitragem o procedimento é confidencial não permitindo o controle social pra evitar desvios.
Aliás, nos filiamos à corrente que defende a vedação da arbitragem em questões relacionadas a empresas estatais, posto que não é razoável que o árbitro, pessoa particular, decida sobre um bem público, como o gás natural, por exemplo. No caso, a arbitragem escolhida pela Petrobras e UNIGEL para a solução de conflitos do contrato de arrendamento das FAFEN`s foi o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, fundada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Associação Comercial do Rio e pela Confederação Nacional das Seguradoras, sediada também no Rio, entidades cujos interesses conflitam muitas vezes com o estado-industrial. Na lista de árbitros do CBMA, por exemplo, é possível encontrar sobrenomes como Gerdau, Chateaubriand, Orleans e Bragança, Maluf, Fux, Seabra... É muito improvável que essas pessoas recusem arbitragens onde os interesses possam conflitar com os seus.
Agora imaginemos que a câmara arbitral estabelecida pelo contrato para resolver a divergência entre Petrobras e UNIGEL tivesse ligação com a FIEB - Federação das Indústrias da Bahia, que tem como vice-presidente o sócio da UNIGEL? Quem garantiria isenção na confidencialidade?
E se, ao invés da Associação Comercial do Rio de Janeiro, fosse a da Bahia, cujo presidente atual, empresário do ramo químico e vice-presidente da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem, foi preso em 2011 ao retornar, segundo jornal Bnews, de uma viagem que fazia com James Correia, secretário da Indústria Comércio e Mineração do governo da Bahia, e com o empresário Carlos Seabra Suarez, acusado pelo Ministério Público de liderar esquema de sonegação de R$ 1 bilhão por empresas químicas, haveria isenção na sentença arbitral que decidira sobre uma petroleira estatal e uma indústria química privada?
Desse modo, o conflito de competência entre o Poder Judiciário e as Câmaras Arbitrais no caso da UNIGEL, para além de demonstrar as facetas de um industrial que agoniza, coloca na pauta do dia a eficácia e a transparência da gestão de governança de empresas estatais em contratos discutidos no âmbito do juízo arbitral.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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