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    Joaquim de Carvalho

    Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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    "Vai ficar puto": como Moro e a Lava Jato perseguiram José Dirceu para prender Lula

    Mensagens inéditas revelam que valia tudo contra o ex-ministro: depoimento forjado, denúncia inconsistente contra a filha e mentira à imprensa

    José Dirceu e Sérgio Moro (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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    Mensagens inéditas apreendidas pela Polícia Federal durante a operação Spoofing no computador do hacker Walter Delgatti Neto revelam que o ex-ministro José Dirceu foi perseguido pela Lava Jato como alvo que levaria à criminalização de Lula.

    Em agosto de 2015, Sergio Moro decretou a prisão preventiva de José Dirceu, na operação batizada de Pixuleco. 

    Um mês antes, quando vazaram informações de que o ex-ministro era investigado, os procuradores conversaram sobre o real objetivo do ataque.

    "Eu acho que o JD vem pro acordo", escreveu Diogo Castor de Mattos, no chat dos procuradores. O procurador identificado como Douglas (possivelmente Douglas Fischer) responde: "JD para acordo? Para entregar quem? Lula?"

    Vladimir (possivelmente o procurador Vladimir Aras) comenta: "Quem mais?"

    Roberson Pozzobon, procurador que tinha sido estagiário de Deltan Dallagnol, diz que advogado já estaria "circundando" a força-tarefa com objetivo de fazer acordo. "Virá sim", afirmou.

    José Dirceu permaneceria preso sem condenação com trânsito em julgado até novembro de 2019, com curtos períodos em casa, usando tornozeleira, e nunca delatou. 

    "Eles não tiveram coragem de me propor algo dessa natureza, certamente porque conheciam a minha história e sabiam que eu jamais faria acordo de delação", afirmou Dirceu ao 247.

    Mas a pressão dos procuradores aumentou, e a força-tarefa atacou até a filha de José Dirceu.

    No chat de 30 de agosto de 2015, 27 dias depois da prisão de Dirceu, Roberto Pozzobon propõe, numa conversa que tem início às 23h29:

    "O que acham de denunciarmos a filha do JD por lavagem? Acabei de achar comprovante cabal que ela recebeu por fora do MILTON 250 paus".

    A acusação se baseava na delação do empresário Milton Pascowitch, e pelo que se vê na sequência das mensagens o objetivo era desestabilizar José Dirceu.

    Diogo Castor de Mattos reage ao termo utilizado por Pozzobon, paus. "Que grosso", comenta. Os dois tinham sido estagiários de Dallagnol antes de entrarem na carreira de procurador. 

    Orlando Martello faz troça com Castor de Mattos. "Dá para arquivar", diz ele, que emenda: "Magoei o Didi". Pozzobon continua na brincadeira: "Ceis tao tudo de tpm".

    E revela o que pretende com a denúncia: "O homem vai ficar puto!". Homem, no caso, é Dirceu.

    O evangélico Deltan Dallagnol entra na conversa, num nível baixíssimo: "Paus nela".

    "É casada. rsrsrs. Mas o CF (possivelmente Carlos Fernando dos Santos LIma) diz que não importa", declara.

    A denúncia foi apresentada para o então juiz Sergio Moro, que a rejeitou algumas semanas depois. 

    Mas, se o objetivo era desestabilizar José Dirceu, isso foi alcançado, embora ele nunca tenha sinalizado às autoridades o desejo de fazer acordo de delação.

    Segundo as mensagens, Moro chegou a se reunir com delegados e procuradores que integravam a Lava Jato, para falar sobre Dirceu, e não sobre processos. Nas conversas, o então juiz era chamado de Russo.

    "Márcio marcou reunião com Russo amanhã as 13:30, para falar sobre JD. Quem mais pode ir?", escreve Pozzobon. A grafia original do chat foi mantida.

    Diogo Castor se apresentou para cumprir a tarefa. Nessa época, Moro já sinalizava nas mensagens que o objetivo da operação era atingir Lula e, para isso, José Dirceu poderia representar caminho mais curto.

    É um indicativo de que havia um conluio entre os procuradores e Moro, que três meses depois orientaia Deltan Dallagnol a procurar uma fonte no Mato Grosso do Sul, que poderia revelar a propriedade de "dezenas de imóveis" de Lula no estado, uma acusação que se revelaria furada.

    Na caça a José Dirceu e Lula, a Lava Jato admitia que se contasse mentiras à imprensa para comprometer a fábrica de genéricos EMS, para a qual o ex-ministro havia prestado consultoria.

    "CF (possivelmente Calos Fernando dos Santos LIma), Vc podia inventar algo na imprensa pra trazer a EMS para acordo. Ela pagou JD, que repassou pra MANZOLLI, do Luz Carlos Rocha Gaspar, amigo de JD desde há muito", orientou Dallagnol no chat de 24 de agosto de 2015, às 19h40. "Solta pra alguém que estamos investigando e que se a empresa vier logo, melhor pra ela". 

    Outro fato muito grave revelador de que valia tudo na perseguição a José Dirceu foi a fraude cometida pela delegada Erika Marena, que os procuradores tentaram acobertar.

    Durante o interrogatório a Moro, o empresário Fernando Moura apresentou uma versão completamente diferente daquela narrada nos termos de colaboração, em que imputava crimes a José Dirceu.

    Em razão disso, a defesa pediu para que fossem apresentados os vídeos dos depoimentos inicialmente prestados, mas o Ministério Público Federal informou que aqueles atos não haviam sido gravados.

    Na verdade, não houve sequer depoimento. A delegada inventou a declaração para comprometer José Dirceu e, assim, atender aos interesses dos procuradores e de Moro.

    A mensagem a seguir é possivelmente de Carlos Fernando dos Santos Lima, o mais experiente dos procuradores, que havia trabalhado com Moro nos casos do Banestado:

    "Robinho e demais, em relação ao Moura, erramos!! Já deu para ver q a terceirização dos depoimentos não funciona. Temos que, no mínimo, qdo o Adv já vem com os depoimentos, lê-lo, aprofundar e gravar de modo a ficar registrado o q ele diz. Temos q consertar isso. Os maiores culpados disso fomos nós", diz.

    "Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada... dá no mínimo uma falsidade... DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos", acrescentou.

    Deltan Dallagnol também manifestou preocupação para proteger a delegada. "Se o colaborador e a defesa revelarem como foi o procedimento, a Erika pode sair muito queimada nessa... pode dar falsidade contra ela.... isso que me preocupa", escreveu

    Érika era tão ligada a Sergio Moro que, quando ele assumiu o Ministério da Justiça, alguns anos depois, a chamou para ocupar o cargo de chefe do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional.

    Atingir José Dirceu para chegar a Lula era uma preocupação antiga de Moro. Em entrevista à TV 247, Tony Garcia revelou que, em 2005, foi obrigado a dar entrevista à revista Veja com falsas imputações a José Dirceu e a um aliado dele no PMDB no Paraná, o advogado Roberto Bertholdo, ex-conselheiro de Itaipu.

    Bertholdo tinha uma das mais disputadas bancas de advogados do Paraná, que representava dois líderes do PMDB, José Borba, e do PP, José Janene, e acabaria preso. Nesta quinta-feira, procurado, Bertholdo afirmou que, na prisão, recebeu a visita de um homem que ele supõe fosse agente da Abin.

    "Ele disse que estava ali para me ajudar. A condição é que eu fizesse acordo de colaboração com Sergio Moro e incriminasse José Dirceu", contou. Bertholdo relatou que, em 2006, chegou a protocolar carta no Ministério da Justiça sobre esses fatos, para que a Polícia Federal abrisse inquérito.

    "Infelizmente, nada foi feito", concluiu.

    Moro escalaria e, empoderado pela mídia nacional na Lava Jato, mandou prender José Dirceu.

    O STF deve julgar nos próximos dias uma ação que pede que o acórdão que julgou Moro parcial nos processos de Lula tenha seus efeitos estendidos ao ex-ministro.  

    O caso está com Gilmar Mendes. Diante desses fatos, é impossível negar justiça ao pleito de José Dirceu.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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