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    Inez Lemos

    Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

    19 artigos

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    Vaidade tóxica

    Se somos uma sociedade panicada - caminhamos sob a égide do pânico, medo, insegurança, alcançar o bem-estar ficou mais difícil

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    A série "Império da dor" (Netflix), reforça a necessidade de debatermos o quanto a sociedade vive submersa na lógica do consumo - metáforas e narrativas que produzem fantasias, demandas. Antes do indivíduo sentir dor, ansiedade, tristeza, ele já foi bombardeado com propagandas de analgésicos, ansioliticos, antidepressivos. A ciência moderna tem alvo e os laboratórios, mais ainda. Eles miram intervir no psiquismo, prometendo "felicidade". A fantasia é uma forma de atender ao desejo, daí ser uma fantasia de completude - apagamento das faltas, fracassos. Há de pesquisarmos os efeitos subjetivos dessas ações que se modernizam e ampliam os campos de atuação. 

    Antigamente, o acesso à informação era restrito ao saber médico, hoje com a internet, sofremos uma transformação radical na demanda. Muitas mulheres saem do salão de beleza com a sugestão de medicamento na bolsa, quando não chegam nos consultórios apenas para adquirirem a receita. Como nos tornamos uma sociedade excessivamente medicada? Desde que o capitalismo priorizou o lucro, a mercadoria passou a ser Sujeito, e nós, Objeto. Aquele que será pesquisado, estudado até se transformar em Coisa passiva de ser assujeitado, manipulado. Sob a indução publicitária da demanda, a escolha do medicamento está garantida. Quem decide a condução do tratamento é o cliente/paciente. Em muitos casos, com a concordância do médico e da indústria farmacêutica - casamento perfeito. 

    A série "Império da dor" apenas nos alerta para o quanto os laboratórios jogam pesado. Há uma política de vendas que atua de forma articulada entre classe médica, científica, jurídica. Dificilmente o Conselho de Medicina investigará seus séquitos. O corporativismo faz parte da máfia branca - viciante e seu espectro de contaminação, poderoso.

    As pílulas da "felicidade" da vez são os medicamentos para tratar diabetes que se popularizaram após usuários associarem o uso do remédio à perda de peso. O inacreditável é que são vendidos nas drogarias sem receita médica. Além do alto preço, os efeitos colaterais são imensos. A medicação provoca saciedade, contudo reprograma todo o metabolismo provocando confusão intestinal: náusea, diarreia, entre outros. 

    Se somos uma sociedade panicada - caminhamos sob a égide do pânico, medo, insegurança, alcançar o bem-estar ficou mais difícil. 

    Os cuidados com o nosso corpo, a escolha de como queremos viver, não pode ser decidida por vendedores treinados dentro de um dispositivo discursivo que domina as redes sociais. A mitologia da beleza, ao penetrar mentes e corações, preenche o vazio de uma população carente de reconhecimento,  consistência subjetiva. Ao circularmos fora do desejo, provocamos o cancelamento da subjetividade. A euforia midiatica aprofunda o empobrecimento simbólico.  O pobre de recursos internos - pouca convivência com as várias modalidades artísticas - acaba se entregando aos modismos perversos. A ausência de sentido, a forma como estamos sendo educados modifica a produção de desejo. Desejamos o que nossas fantasias apontam, enunciam. E hoje, o que define nossa época, quais  os anseios que ela aponta como forma de acesso à felicidade? Um corpo escultural, muitos seguidores nas redes sociais, sucesso financeiro? Beleza, notoriedade e grana. A questão não é, tanto, os valores a conquistar, mas no que temos que nos transformar para consegui-los. Ou melhor, o que devemos negar, destruir em nós para submetermos  às demandas do Outro. Esse outro neoliberal, coisificado, desumanizado, dessubstancializado, tóxico. A essência humana, sua substância está sofrendo mutações. Logo não nos reconheceremos como seres capazes de expressar sentimentos, emoções. Seremos arremedos da espécie humana? Robô perambulando anestesiado, intoxicado, desconectado de si mesmo. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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