Vaza jato: é hora de apurar crimes e responsabilidades
"A 'reunião institucional' convocada pela PGR Raquel Dodge com Dallagnol e integrantes da Lava Jato, marca o início da fase mais delicada do escândalo das trocas de mensagem divulgadas pelo Intercept-Brasil," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "A apuração de crimes e definição de responsabilidades envolve interesses de vulto e personalidades no Brasil de hoje, como Sérgio Moro e o proprio Dallagnol."
Um mes depois das primeiras revelações do Intercept-Brasil sobre a Lava Jato, é hora de cobrar responsabilidades das autoridades que têm a obrigação de garantir o cumprimento da lei no país.
Como sempre acontece diante de um escândalo, não custa lembrar um ponto essencial. Mesmo envolvendo uma competência particular para investigações delicadas, tarefa para a qual o jornalista Glenn Greewald já exibiu talento reconhecido e premiado, a fase das reportagens e denúncias é a menos difícil, quando se compara com as etapas seguintes.
O complicado, pois envolve confrontar interesses políticos e econômicos de vulto, a etapa que vem depois: apurar os fatos, definir responsabilidades e apontar os culpados, ainda mais quando se trata de cidadãos com influência reconhecida no próprio sistema de Justiça, como o ex-juiz Sérgio Moro e o chefe da força-tarefa Deltan Dallagnol.
Basta recordar o papel assumido pela Lava Jato nos rumos do país, de 2014 para cá, para se avaliar a dimensão do trabalho que a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal têm pela frente.
Mesmo que tenha sido inspirada pelas melhores intenções por parte da PGR Raquel Dodge, a convocação de uma "reunião institucional" com Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato, não pode abrir espaço a nenhum tratamento privilegiado às partes envolvidas. Não pode ser vista como "reunião de trabalho" ou coisa semelhante.
Flagrados em inúmeros diálogos comprometedores, tanto no que diz respeito a isenção política nas investigações, como em constrangedoras iniciativas paralelas destinadas a extrair ganhos financeiras a partir de seu trabalho da Justiça, mais do que nunca Dallagnol e alguns membros do Ministério Público devem explicações ao Brasil e aos brasileiros.
Não podem ser ouvidos na condição de colegas de corporação. Mas como cidadãos passíveis de enfrentar uma investigação sobre atos praticando quando estavam à frente da Lava Jato. Se tem indícios concretos para contestar as acusações, o que só tem feito de modo vago, impreciso, é hora de fazer isso.
A leitura das mensagens e a audição de conversas -- basta aquela pequena parcela já divulgada -- aponta para um quadro temerário de fratura institucional, com sinais claros de participação de autoridades que deveriam ser as primeiras a impedir desvios e manobras à margem da lei, função pela qual recebem vencimentos nas mais altas faixas oferecidas pelo Estado brasileiro. (As mais altas, na verdade, quando se computam determinados ganhos e benefícios em paralelo).
Mais do que nunca a população está atenta ao que se passa na Lava Jato. Antes que as primeiras revelações do Intercept-Brasil tivessem completado um mês, o Data Folha mostrou, com base em 2086 entrevistas, que 58% dos entrevistados acreditam que os contatos de Moro com a força tarefa do Ministério Público revelam uma conduta inadequada -- uma forma delicada de condenar a parceria indevida entre o magistrado e a acusação, que viola o Código de Processo Penal e atinge o direito de defesa.
Numa demonstração de que essa opinião vai além das preferências políticas, e que a população procura refletir sobre o funcionamento da Justiça, uma maioria de 54% considera que a prisão de Lula foi justa. Mas uma maioria ainda maior, de 59%, considera que as decisões de Moro "sao graves e devem ser revistas".
Em julho de 2015, o prestígio da Lava Jato levou Dallagnol a um templo batista na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde pediu apoio para uma abaixo assinado contra a corrupção. "Dentro de minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças" disse Dallagnol, conforme relato do jornalista Bernardo Mello Franco, presente a cena. "Amén," reagiu a platéia. "É isso aí. Deus está respondendo", devolveu Dalagnol.
Quatro anos depois, religiosos ou não, cidadãos e cidadãs de um país com a democracia ameaçada e a economia destruida, todos têm o direito de reconhecer que o Brasil encara uma janela de oportunidade para recuperar o Estado Democrático de Direito. Ela passa pela investigação cuidadosa das irregularidades e crimes revelados por Glenn Greewald, divulgados com o respaldo de jornais e colunistas insuspeitos de qualquer simpatia pelos alvos preferenciais da Lava Jato.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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