Vem aí a Cúpula do Futuro. Temos futuro?
Apesar do fogaréu por aqui, Lula não chegará à cúpula na defensiva
Apesar da nota negativa representada pelo fogaréu que tomou conta do Brasil nas últimas semanas, o presidente Lula será um dos principais oradores da Cúpula do Futuro, o evento de alto nível que a ONU realizará entre os dias 20 e 23, antes da abertura da Assembleia Geral no dia 24, que, como sempre, será feita pelo presidente brasileiro.
A Cúpula, que reunirá dirigentes de mais de 190 países, vem sendo organizada há meses e, neste momento, estão sendo negociados os termos de três acordos globais que serão assinados: o Pacto para o Futuro, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras.
Embora alguns países venham ignorando as decisões da ONU, como Israel e os Estados Unidos com suas ações imperialistas, o Pacto para o Futuro será firmado em um momento de grande incerteza sobre o futuro do planeta e da humanidade. Diante do braseiro brasileiro, que tem causas criminosas, mas também decorre do agravamento da crise climática, vemos o professor Carlos Nobre, com sua autoridade científica, confessar-se apavorado. Se medidas mais arrojadas não forem tomadas hoje pelo conjunto das nações, diz ele, o ponto de não retorno chegará mais cedo, e boa parte do mundo se tornará inabitável.
O que se busca com este Pacto para o Futuro é obter dos diferentes países uma aceleração dos compromissos já existentes, como os do Acordo de Paris e os da Agenda 2030. Compromissos também serão firmados em relação a outras mazelas, como migrações, fome, guerras e segurança, além de mudanças na governança global, como a tão falada, mas nunca alcançada, reforma do Conselho de Segurança da ONU.
O acordo denominado Pacto Digital Global tratará de inclusão e cooperação digital, e bem poderia avançar sobre a questão que incomoda o mundo inteiro neste momento: o desgoverno das Big Techs, com suas redes que naturalizam a mentira e ameaçam as democracias. Mas isso talvez seja esperar muito de um primeiro acordo global sobre o tema.
A Declaração sobre as Gerações Futuras talvez seja o primeiro documento multilateral a enfrentar a pergunta que deveria incomodar nossa consciência moral coletiva: que mundo estamos deixando para nossos filhos e netos, para as gerações que vão herdar o planeta e responder pela sobrevivência do que conhecemos como humanidade? Ainda que os compromissos firmados sejam insuficientes, a assinatura de uma declaração conjunta sobre este tema já é um avanço. Ou melhor, um começo.
As negociações para a elaboração dos três documentos estão em curso entre as diplomacias dos diferentes países e algumas estão, como sempre, opondo os países ricos aos países emergentes.
No texto do Pacto para o Futuro, por exemplo, os ricos querem tratar da crise climática como um problema de segurança, na medida em que ela provoca migrações, fome, desabastecimento e, em último caso, guerras e conflitos.
Os emergentes insurgiram-se contra este tratamento da questão, que deixa em segundo plano a responsabilidade dos ricos que, historicamente, contribuíram mais, com as práticas de seu modelo capitalista, para as emissões de gases de efeito estufa e para outros desequilíbrios ambientais que nos trouxeram ao atual momento climático.
Deslocar o problema, na visão do Brasil e de outros emergentes, para o campo da segurança poderá resultar no descompromisso dos ricos com o financiamento das medidas de mitigação. Os poucos compromissos que eles já assumiram, como é sabido, até aqui não foram cumpridos integralmente, o que tem sido criticado por Lula em todos os fóruns internacionais. Brasil e aliados haviam conseguido alterar o texto, mas nas últimas horas tudo voltou ao ponto inicial.
Quase todos os países estão atrasados no cumprimento das metas da Agenda 2030, aquele conjunto de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. No que trata do desmatamento, por exemplo, o Brasil voluntariamente atualizou sua meta, por iniciativa de Lula, prometendo desmatamento zero até 2030. O que se busca com o Pacto para o Futuro é acelerar o cumprimento das metas já fixadas e a adoção de algumas mais ambiciosas.
O desmatamento da Amazônia de fato recuou no atual governo, mas, por outro lado, os incêndios tomaram conta do país desde agosto, a fumaça cobre boa parte do território nacional e o calor está insuportável. Até o dia 12, havia 50 mil focos de incêndio ativos no país. Neste final de semana, houve um recuo de 15%. Há incêndios que são criminosos, mas o governo não pode reduzir o problema apenas a essa denúncia. Na próxima semana, será lançado o Plano Nacional contra Incêndios, e isso indica a inexistência de uma política preventiva, que não foi elaborada pelo atual governo nem pelos anteriores.
Apesar do fogaréu por aqui, Lula não chegará à cúpula na defensiva. Falará da catástrofe no Rio Grande do Sul e do quanto o país já gastou e está gastando para reconstruir o estado, cobrando assim a colaboração efetiva dos países ricos para com os danos impostos aos mais pobres pela crise climática. Mostrará os ganhos no combate ao desmatamento e falará da criação da Autoridade Nacional Climática. Não se sabe ainda como tratará a questão dos incêndios, que não poderá ser debitada apenas aos criminosos que agem por motivação política.
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