Ventos de Caracas
Os mesmos que acusam Maduro de mandar e desmandar na Venezuela agora exigem que ele apresente as atas da votação, prerrogativa da justiça eleitoral
Muito antes de ser anunciada a data do pleito presidencial na República Bolivariana da Venezuela, a imprensa oligárquica brasileira já havia decidido que houve fraude - e que, portanto, Nicolás Maduro não poderia ser empossado para novo mandato. Assim, praticando um arremedo de jornalismo altamente editorializado, os grandes veículos (e os já não tão grandes, mais) dispensam-se de explicar ao público cativo o que houve, como houve, de que forma foi possível fraudar um sistema altamente seguro, sob os olhos de observadores internacionais e da própria oposição - que inclusive, em sua maioria, reconheceu o resultado que a frustrou.
Uma ironia: os mesmos que acusam Maduro de mandar e desmandar na Venezuela agora exigem que ele, para provar que venceu, apresente as atas da votação, uma prerrogativa (lá como cá) da justiça eleitoral. Ironia das ironias: no comando de Borics, Mileis e Almagros nesse esforço, em curso, de desestabilização da nação sul-americana rica em petróleo, estão os indefectíveis Estados Unidos da América, que possuem um sistema eleitoral - é preciso que se diga - menos democrático que o da Venezuela (eis que esvazia o poder do voto popular) e menos confiável - haja vista a patacoada de 2000 na Flórida, deixada impune. Os mesmos EUA cujas sanções criminosas, devastadoras, são esquecidas ou minimizadas por nove entre dez jornalistas profissionais brasileiros.
Entre nós, por sobre críticas justas a um projeto político permeado de contradições e desgastado pela longa permanência no poder, se sobressaem o oportunismo e a irresponsabilidade de lideranças políticas que assumem, por ação ou omissão, seu lado no processo de rearranjo geopolítico em curso, bem como a ingenuidade de uma militância neófita, atuante nas redes sociais, que acha feio o que não é espelho. Uma militância que parece ansiar pela possibilidade de abraçar um posicionamento político imaculado, intocado por contradições, mesmo quando se vê comprometida com a defesa, aqui no Brasil, de um governo progressista que, ao tempo que promove avanços bem-vindos em políticas sociais, se permite despejar meio trilhão de reais nos gigantes do agronegócio (inclusive os altamente endividados com o Estado) sem qualquer exigência de contrapartida, enquanto cogita de apertar o cinto dos miseráveis que recebem benefício assistencial, para manter o ajuste exigido pela especulação financeira.
Governo este que as circunstâncias históricas transformaram em último bastião contra a volta do neofascismo ao poder.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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