“Vira-Latas” em Riga
"A Crimeia é, há séculos, território russo", escreve Marcelo Zero
O famoso escritor de novelas policiais sueco Henning Mankell tem uma obra, bastante conhecida, intitulada “Cães de Riga”.
Lembrei-me da obra porque agora, em 24 de outubro, a Letônia, país báltico, sediará, em Riga, sua capital, a 3ª Cúpula Parlamentar da Plataforma Internacional da Crimeia. A Cúpula é organizada em estreita coordenação com a Verkhovna Rada da Ucrânia, o parlamento desse país.
Segundo o site do evento, “a fim de conscientizar e apoiar a comunidade internacional para a soberania e integridade territorial da Ucrânia dentro de suas fronteiras reconhecidas internacionalmente, a Terceira Cúpula Parlamentar da Plataforma Internacional da Crimeia ocorrerá em Riga em 24 de outubro, reunindo delegações de todo o mundo na capital da Letônia. A Cúpula visa destacar o impacto global da agressão da Rússia e continuar a lançar luz no nível internacional sobre os crimes cometidos pelo agressor.”
Obviamente, Zelensky insiste na tese de que a Crimeia foi tomada ilegalmente da Ucrânia pela Rússia e deseja reintegrá-la ao controle de Kiev. Para ele, a Crimeia sempre fez parte da Ucrânia.
Contudo, a análise histórica mostra um quadro distinto.
Na realidade, a Crimeia é, há séculos, território russo, habitado majoritariamente por russófonos. A incorporação da Crimeia ao Império Russo deu-se no longínquo ano de 1783, ainda nos tempos de Catarina, a Grande, quando as forças russas derrotaram as forças otomanas na batalha de Kozludzha.
Estratégica para o controle do Mar Negro, a Crimeia sempre despertou a cobiça de potências ocidentais, o que foi um dos fatores para a famosa guerra homônima.
Mas o fato é que a Crimeia é historicamente russa.
A sua transferência administrativa para a então República Soviética da Ucrânia, em 1954, deu-se por motivos políticos um tanto artificiais. Frise-se que, na época, a população da Crimeia já era composta por 75% de russos.
A transferência deu-se por uma decisão de Kruschev, que, objetivando consolidar-se no poder após a morte de Stálin, buscou atrair o apoio de Oleksiy Kyrychenko, que havia se tornado primeiro-secretário do Partido Comunista na Ucrânia.
Essa transferência administrativa, entretanto, não mudou o fato de que a Crimeia permaneceu um território habitado majoritariamente por russos.
Com a dissolução da União Soviética e a independência da Ucrânia, a Crimeia passou a ser considerada território ucraniano, sem perder, no entanto, a sua identidade cultural e demográfica russa. A mesma observação pode ser feita em relação à região do Donbas, acrescente-se.
Enquanto as relações entre Rússia e Ucrânia eram cordiais, houve um equilíbrio entre essas regiões de russos étnicos e o governo central de Kiev.
No entanto, com o golpe contra Yanukovich e o surgimento de governos russofóbicos na Ucrânia, esse equilíbrio rompeu-se e a Crimeia, por meio de plebiscito, incorporou-se de novo à Rússia.
Alguns, evidentemente, contestam a legitimidade desse plebiscito, mas o fato é que a reincorporação à Rússia foi aprovada por mais de 80% da população da Crimeia. Caso se fizesse um novo plebiscito, sob supervisão internacional, é extremamente provável que o resultado fosse o mesmo.
Também é fato que a Rússia não vai renunciar à Crimeia, um território estratégico, unido ao resto do território russo por uma ponte.
Portanto, essa reivindicação do governo Zelensky não é realista; e não é capaz de sustentar uma proposta de paz exequível.
Por isso mesmo, a Plataforma “Internacional” da Crimeia, ao contrário do que a propaganda afirma, não tem grande apoio internacional.
Ela é apoiada, na prática, por apenas cerca de 40 países. Em sua maioria, são países bastante alinhados com interesses geopolíticos dos EUA e que estão empenhados no esforço bélico da Otan. A maior parte do chamado Sul Global não participa da iniciativa.
Em suma, a Plataforma “Internacional” da Crimeia tem apoio majoritário de países que tem escassa ou nenhuma independência geopolítica.
O que se chama pejorativamente, no Brasil, de “vira-latas”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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