Vladimir Putin ou Pedro, o Grande. O homem soviético que perdeu a guerra
"Apesar do número maior de soldados, Putin perdeu a guerra clássica. A ofensiva está parada. Putin perdeu a guerra, mas é incapaz de admitir", escreve Blay
Nesta quarta-feira, dia 22, o presidente ucraniano voltou a se dirigir a parlamentares, desta vez franceses, rogando ajuda na guerra deflagrada por Moscou. Pediu o fornecimento de mais armas, a saída das empresas francesas da Rússia, novas sanções, a abertura de negociações para a adesão da Ucrânia à União Europeia, apoio contra a guerra que qualificou como anti Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Como nas outras ocasiões, Zelenski apelou para a história, ao comparar o cerco de Mariupol à batalha de Verdun durante a 1° Guerra Mundial.
Paralelamente, o presidente ucraniano declarou-se pronto para negociar com Vladimir Putin, inclusive sobre o Donbass e a Crimeia, à condição que haja um diálogo direto entre os dois presidentes e que sejam dadas garantias de segurança ao seu país. Condições que parecem razoáveis, visto que ambos sairiam « vencedores ». Putin teria assegurada a desistência da Ucrânia de ingressar na OTAN e abriria o caminho para a independência ou pelo menos autonomia das regiões russófilas. Zelenski poderia alegar que seu povo lutou bravamente contra a segunda força militar do planeta e conseguiu impor a paz de igual para igual.
O presidente ucraniano voltou a defender a realização de um referendo sobre os termos do acordo, o que fortaleceria a sua posição, certo de obter o voto da maioria da população.
Além disso, deve-se levar em conta que os encontros entre chanceleres não deram em nada, apesar da presença de Sergei Lavrov, o experiente diplomata russo. É preciso então passar para as instâncias superiores, ou seja ao diálogo entre presidentes, os únicos que parecem em condições de decidir.
Contudo, nada é tão simples quanto parece no papel, sobretudo porque o conflito atravessa um momento de marca-passo. Apesar do número infinitamente maior de soldados, Putin perdeu a guerra clássica. A ofensiva generalizada está parada não longe de algumas grandes cidades, embora as tropas do « czar » mantenham a iniciativa em pontos como o sul do país. Putin perdeu a guerra, mas é incapaz de admitir.
Descrito pelo historiador Olivier Roy no LObservateur dedicado à guerra, Putin está na época errada e não percebe. Ele é ao mesmo tempo um estrategista do século XIX e um homem soviético, tem uma visão territorial do poder e uma visão cultural do império russo em torno da sua componente eslava e ortodoxa. Não compreendeu que o patriotismo ucraniano existe e que o sistema soviético, fundado numa federação de repúblicas socialistas acabou, paradoxalmente, por reforçar, na Ucrânia, na Geórgia e na Arménia, os nacionalismos republicanos. “Quer ser o novo Pedro, o Grande, e deixar o seu nome na História, aparecendo como aquele que restabeleceu o império russo; – é esta a sua obsessão. A loucura está em fazer uma guerra do século XIX no século XXI”.
Como dizia, o ditador russo perdeu esta guerra do século XIX.
Segundo o tabloide russo Komsomolskaya Pravda desta segunda-feira, 21 de março, 9.861 soldados russos já tinham morrido e mais 16.153 feridos desde o início da invasão das tropas russas na Ucrânia, em 24 de fevereiro.
O jornal, pró-Kremlin, apagou a notícia do site, porém tarde demais, depois de alguns utilizadores terem printado e partilhado as imagens na internet.
Os últimos dados oficiais, anunciados em 2 de março, davam conta de 498 militares russos mortos.
O número de quase 10 mil russos mortos é muito próximo daquele que circula nos meios diplomáticos e militares europeus, que também falam em 3 mil soldados ucranianos que teriam perdido a vida.
O balanço é particularmente impressionante quando se sabe que em dez anos de guerra os soviéticos perderam aproximadamente 15 mil soldados no Afeganistão. E que em 20 anos, no mesmo Afeganistão, os americanos perderam pouco mais de 2.300 militares e outros 1.100 soldados aliados.
Está claro que Vladimir Putin se enganou ou foi enganado por seus chefes militares, que previam uma guerra relâmpago, com a tomada do leste da Ucrânia e das grandes cidades em poucos dias. Ora, um mês depois, os combates prosseguem nas regiões de Donetsk e Lugansk e as tropas russas não avançam rumo à Kiev. No leste, tarda a junção das zonas "independentes", enquanto Mariupol não se entrega, dificultando o controle do Mar de Azov. Até agora uma única cidade importante, Kherson, foi tomada pelos russos e, mesmo assim, aí a população ucraniana continua a se manifestar.
Se os soldados do ditador russo esperavam flores, foram recebidos com mísseis, fuzis e coquetéis molotov. As afirmações de Putin, de que a Ucrânia não existe soam falsas como nunca.
Até agora o presidente russo, descrito por Trump como um gênio estratégico, conseguiu revitalizar a OTAN, unificar um ocidente que estava profundamente dividido, transformar um ex-humorista quase desconhecido em herói global, abalar os alicerces da economia russa e enfim consolidar seu legado como criminoso de guerra; nas palavras de Brian Klass, do University College de Londres.
Essa situação, a se acreditar em especialistas militares, poderá se eternizar, a não ser que o chefe do Kremlin mude sua estratégia, optando por outras armas, abandonando os combates no solo e talvez até apelando para armas químicas ou biológicas (Estados Unidos e Rússia não destruiram seus estoques) e nucleares. O problema é que Estados Unidos e Europa poderiam então considerar que neste caso a linha vermelha teria sido ultrapassada, exigindo uma resposta militar direta. O que quase aconteceu na Síria, onde Bachar Al-Assad utilizou armas químicas contra a sua população. Na ocasião só não houve uma intervenção militar americano-britânico-francesa porque os Parlamentos respectivos se opuseram. Hoje porém, no ocidente, existe unanimidade contra Moscou.
Putin assumiria o risco de uma guerra mundial?
Sim? Não? Quem coloca a mão no fogo?
A verdade é que ninguém sabe exatamente o que o ditador russo quer, até onde é capaz de ir, nem sequer se ele próprio tem alguma ideia a respeito.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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