A exata medida da nossa elite
Meu receio é que depois que conseguirem apear do Poder o governo Dilma e o PT, tudo volte a ser como dantes no quartel de Abrantes
A nossa elite já teria se cansado da democracia? Ouso perguntar. E por que ouso perguntar/sugerir tal aparente despropósito?
Conhecemos de cor expressões bastante populares como “dois pesos, duas medidas”. Ou: “É preciso ceder os anéis para não perder os dedos“. Ou ainda: “O mesmo pau que dá em Chico, dá em Francisco”. Outra mais: “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Conhecemos, mas... Muitas vezes não estamos devidamente atentos aos seus significados. Parece que nem sempre estamos atentos ao chamado “moral da história”. Vamos então a ele.
Eis que de repente a nossa classe privilegiada, mancomunada, como sempre, com a grande imprensa, que, aparentemente, nunca havia visto problema algum em nossa incipiente democracia, resolveu agora criticá-la. Por que será?
Sim, assim como, em episódio recente, as próprias elites resolveram romper a omertà e denunciar os seus próprios crimes de caixa 2, e com esse gesto trazer à luz do dia as regras inconfessáveis do chamado “jogo do poder”, resolveram agora criticar e desancar a democracia. E por que assim fizeram e agora o fazem novamente?
Porque viram que os ditos “representantes dos pobres” haviam finalmente chegado ao Poder jogando com suas [delas, das elites] próprias regras. E, o que é pior, agora essa “gentalha” – vejam a ousadia?! – pretende ter os mesmos direitos, agora “privilégios”, e até se consolidar como uma nova elite! E ainda ameaça não mais largar o Poder. PQP!
Entendeu? Ou quer que desenhe?
Vamos então ao desenho da coisa.
Não tenho nada contra a reformulação e o aperfeiçoamento de nossa democracia, plena em vícios e de raras, mas essenciais, virtudes – vícios estes, diga-se, criados pelas próprias elites como um ardil para se perpetuar no Poder.
Não tenha nada contra o aperfeiçoamento e depuração do jogo político. Ao contrário! Quem lê meus artigos sabe que sou um crítico (não hipócrita) desse sistema, e que sempre uso adjetivos nada enaltecedores quando faço referência a essa jovem democracia. Mas nunca deixo de defendê-la, com vigor - que fique claro! E que caiam, que se fodam TODAS as ditaduras!
Meu temor é que façam da mesma maneira como fizeram recentemente com a questão do sistema de financiamento de campanhas e partidos via caixa 2. De repente, como se nunca tivesse existido, apelidado com estrépito e escândalo oportunista de “mensalão”. Eu detesto e condeno o “mensalão” – disseram muitos incautos. Eu também! Mas o que vem a ser o “mensalão” mesmo? Não importa. Não importa a quem?!
Conseguiram enquadrar e condenar alguns petistas “de quatro costados”, mas os “mensalões” deles passaram incólumes. E vem passando, desde sempre. E, para sempre, passarão. Afinal, é preciso “mudar” para que tudo prossiga exatamente como está – pensam “eles”.
Desenhando ainda mais um pouquinho...
Meu receio é que depois que conseguirem apear do Poder o governo Dilma e o PT, tudo volte a ser como dantes no quartel de Abrantes.
Ou seja, temos que mudar essa democracia imperfeita; essa promiscuidade e fisiologismo na política; esse governo de coalizão que aí está – que é exatamente o mesmo esquema que deu sustentação, por décadas, a desgovernos dessas mesmas elites que hoje se colocam como “imaculadas” e “honestas”. Tudo isso tem que mudar. Mas, insisto, mudar para valer.
Já ouviram falar naquela história da imagem, de uma santa ou de um santo, quase sempre feita em barro, que todo bordel de cidade do interior ostenta em sua antessala? Assim é a antessala do Poder que nossas elites pretendem a todo o custo manter com a sua hipocrisia, suas falsas verdades e virtudes. Devagar com o andor que o santo é de barro – tá aí outro adágio que por vezes nos esquecemos.
A questão de fundo, sejamos honestos, é: sim, há promiscuidade e fisiologismo, abjetos na política; o chamado governo de coalizão dá margem a loteamento da máquina e a corrupção; os políticos, em sua maioria, são corruptos (mas é importante que conheçamos e louvemos os bons políticos); existe uma quantidade de partido que é imoral e grotesca (só para abrigar e dar poder àqueles a quem chamo de “caciques de hospício”). Tudo isso é verdade e precisa mesmo ser mudado. Mas mudado para valer, reitero, repito, bato na mesma tecla novamente. E em todas as esferas de governo: municipal, estadual e federal. Pois essas questões não dizem respeito apenas ao governo federal, como alguns querem maliciosamente sugerir.
Por que a grande imprensa nunca questionou para valer tudo isso antes? Não havia parado pra pensar nisso? Por que nunca apoiou as justas demandas dos trabalhadores e dos despossuídos? Por que nunca apoiou as esquerdas democráticas na luta por uma reforma política de fato e que representasse uma verdadeira democratização do acesso ao Poder? Por que nunca esteve ao lado dos trabalhadores, dos sindicatos e das minorias oprimidas?! Por quê?!
Outra pergunta que não pode calar. Por que as nossas elites não apoiam a democratização dos meios de comunicação? Por quê?!
Eu vou arriscar uma possível e óbvia resposta: porque o sistema político atualmente vigente e a mídia oligopolizada, instrumentos ou ferramentas desde sempre nas mãos dessa mesma elite, servem a um sistema e a uma “Justiça” [desculpem pelo uso inapropriado do termo] que foram criados, sob-medida, para manter no Poder essas mesmas elites.
Entendeu agora o esquadro da coisa? Nem precisa desenhar – não é mesmo?
Essa é a exata medida dessa fatiota que desde sempre cobre as vergonhas dessa nossa elite tão despudorada quanto hipócrita.
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