Além das diretrizes de saúde, Bolsonaro ignorou e escondeu relatórios de inteligência que previam caos no Brasil na pandemia
Mais de mil relatórios da Abin e do GSI apontavam para milhares de mortes e para colapso da rede de saúde e funerária. Documentos também desaconselhavam o uso da cloroquina
247 - Agentes de inteligência vinculados ao governo de Jair Bolsonaro (PL) produziram mais de mil relatórios sobre a pandemia, projetando um aumento nos números de casos e mortes no Brasil, enquanto o então mandatário ignorava as medidas de combate à Covid-19 e a distribuição de vacinas. Esses documentos foram mantidos em sigilo durante o período entre março de 2020 e julho de 2021. Os relatórios, que contêm carimbos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e algumas vezes não são identificados por autor, reforçam o fato de que Bolsonaro ignorou tanto as recomendações do Ministério da Saúde quanto as informações coletadas pelos agentes de inteligência dentro do próprio Palácio do Planalto, informa a Folha de S. Paulo.
Os documentos elaborados por agentes da Abin e do GSI destacavam a importância do distanciamento social e da vacinação como formas eficazes de controlar a doença. Além disso, os relatórios alertavam sobre a possibilidade de colapso da rede de saúde e funerária no Brasil e desaconselhavam o uso da cloroquina, mostrando estudos que apontavam seus potenciais riscos. Eles também reconheciam a falta de transparência do governo Bolsonaro na divulgação dos dados da pandemia e a lentidão do Ministério da Saúde em definir estratégias de testagem e combate à doença.
A maior parte dos relatórios projetava três cenários de avanço de casos e mortes por Covid-19 no Brasil, classificando-os do mais grave ao menos grave, para um período de aproximadamente duas semanas seguintes. No entanto, Bolsonaro contrariou repetidamente as recomendações dos técnicos de saúde e dos agentes de inteligência, ao promover aglomerações e menosprezar as medidas para evitar a propagação do vírus. Em diversas ocasiões, ele chegou a minimizar a gravidade da doença, referindo-se à Covid-19 como "mimimi".
Os dados efetivamente registrados durante a pandemia se aproximaram das estimativas feitas pela Abin, e em alguns casos, a disseminação do vírus ultrapassou as expectativas dos agentes de inteligência. Em abril de 2021, por exemplo, o número de mortos no Brasil chegou a 341.097, enquanto a projeção feita em março apontava entre 330.216 e 338.558 mortes, nos cenários mais otimista e pessimista, respectivamente.
Os relatórios foram produzidos principalmente para discussões no comitê liderado pela Casa Civil sobre as ações do governo durante a pandemia, mas não eram compartilhados com todos os membros do comitê e apenas chegavam às mãos de assessores de poucos ministros. Integrantes da cúpula do Ministério da Saúde afirmaram desconhecer a existência desses relatórios.
Esses relatórios de inteligência também alertavam sobre os riscos do desgaste político resultante de uma má gestão federal da pandemia. Eles mencionavam que problemas no sistema funerário poderiam impactar negativamente a percepção da população sobre as ações estatais no enfrentamento da pandemia e minar a confiança no governo. Além disso, apontavam o risco de boicotes internacionais ao Brasil devido à falta de transparência nos dados sobre a Covid-19.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid não recebeu os documentos da Abin, apesar de ter solicitado previsões do governo sobre a pandemia. O governo Bolsonaro justificou a negativa de acesso aos documentos alegando que eles eram apenas instrumentos de estudo e, portanto, não deveriam ser divulgados.
Desde o início da pandemia até agora, o Brasil registrou 704.659 mortes por Covid-19 e 37.717.062 casos, de acordo com o Ministério da Saúde.
Mais de 1.100 desses documentos foram disponibilizados ao jornal após várias solicitações baseadas na LAI (Lei de Acesso à Informação). Enquanto a gestão passada de Bolsonaro negou o acesso aos documentos da Abin e do GSI, a gestão do presidente Lula (PT) mudou a postura e passou a apresentar esses papéis a partir de maio. Bolsonaro, bem como os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil) e Eduardo Pazuello (Saúde), não quiseram comentar sobre os relatórios.
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