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    As reações do PT esclarecido

    Enfim, o PT tem dificuldades para se repensar. Consegue, ao menos parte de sua direção e intelectualidade, diagnosticar o que ocorreu em junho, ainda que de maneira defensiva

    Rudá Ricci avatar
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    O PT reagiu de maneira estranha (em relação à sua origem) às manifestações de junho. Seu presidente nacional (não se trata de um intelectual, é verdade, o que merece desconto) revelou temor e até mesmo rancor quando sugeriu a tal "onda vermelha" que por pouco não se transforma em confronto de rua. Muitos petistas, nas redes sociais (a começar pelo "sempre alerta" José de Abreu) chegaram a desencavar teorias conspiratórias, as mesmas que foram jogadas aos ventos quando da criação do PT. Como fundador do PT, lembro até hoje os militantes do PCdoB afirmarem que éramos financiados por multinacionais, outros tantos, pasmos, sustentarem que a classe trabalhadora já tinha seus partidos e outros argumentos de autoridade.

    Ontem, contudo, tive o prazer de ouvir Renato Simões, Secretário Nacional de Movimentos Sociais da direção do PT, analisar o movimento de junho. Uma das vozes lúcidas do partido, Simões fez uma análise segura da reação conservadora (termo utilizado por ele) de petistas. Lembrou que o que se questionava nas ruas eram as bandeiras clássicas do PT. Mas ainda senti certa dificuldade para interpretar a reação à ordem institucional e, com ela, os partidos políticos.
     
    Também recebi, ontem, um texto elaborado por Marilena Chauí intitulado "As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo". A autora ressalta que são observações provisórias e que se atém à capital paulista. Faz muitas observações instigantes e chega a citar Maio de 68, mas derrapa na mesma dificuldade de Simões (pelo que conheço de Renato Simões, o problema não foi conceitual, mas em função dos limites de tempo e do seu papel de dirigente nacional do partido, que exige que agregue os filiados, antes de dissipar mais dúvidas e insegurança): não consegue acolher a crítica ao sistema político vigente, o que inclui o PT dos dias de hoje.
     
    Marilena, em minha opinião, incorre em alguns equívocos de alinhamento do discurso difuso e anti-institucional das ruas com estruturas de pensamento e valor já cristalizados. Cito alguns desses equívocos:
     
    1) À página 5, sugere que a recusa geral do discurso dos manifestantes não identifica suas causas, mas mera negação, como a estrutura autoritária da sociedade brasileira e os casuísmos do regime autoritário ainda mantidos no atual sistema partidário nacional. Minha opinião é que, ainda que estas causas fossem explicitadas, o que desabonaria a crítica ser endereçada a todos partidos, incluindo o PT? O fato é que a reforma política foi engavetada pelo Congresso Nacional e Lula não se esforçou efetivamente para se apoiar nas ruas para implementá-la, a despeito de ter acenado como uma de suas reformas logo no início de seu primeiro mandato. Lembro de um seminário em que Lula disse que até o final de seu mandato esta reforma ocorreria, sendo apartado por Maria da Conceição Tavares que gritou, do fundo do auditório, um sonoro "duvido". Lula não provocou, em nome da coalizão presidencialista, nenhum confronto significativo com a Ordem Política. Para sua surpresa, as ruas colocaram, de maneira torta, o tema;
     
    2) Ainda na mesma página, Chauí sustenta que os manifestantes aderiram ao discurso ideológico dos meios de comunicação que procuram monopolizar a formação de opinião sobre o que é público. Ainda que fosse verdade, o que retomaria as teses leninistas de alienação, ou ainda, as teses estruturalistas althusserianas que determinam a ação e o pensamento social, não me parece que havia tal alinhamento automático às teses da grande imprensa, ainda que elas existam de fato. Eu mesmo, destaquei neste blog que existe uma imprensa militante conservadora em nosso país (não gosto do termo PIG que parece um chiste para algo que merece seriedade). O sentimento era difuso e não se limitou à São Paulo. Algo como "não me sinto representado". A corrupção entrava como um sintoma, mas a causa era o ódio aos representantes que não estão presentes, antes de mais nada, nas ruas, nos locais de moradia, no trabalho. Ora, este não era justamente o projeto do PT como vanguarda da mudança da prática política no Brasil? Não eram estes os princípios que a revista que Marilena Chauí contribuiu por tanto tempo ("Desvios") pregava?
     
    3) À página 6, sugere que o comportamento mágico dos manifestantes de rua tinham paralelo com o toque na tecla para se comunicar nas redes sociais. Chauí sugere que se tratava de um discurso que negava as mediações, os partidos e organizações de uma república democrática. E, alfineta, sustentando que se trata de "posição típica de classe média, que aspira por governos sem mediações institucionais e, portanto, ditatoriais". Aqui, ingressamos em algo realmente complexo. Pesquisas recentes revelam que não se trata de mera ideologia de classe média. É o corpus interpretativo, a visão de mundo das classes menos abastadas. Ao contrário, o que Marilena Chauí indica como valor republicano é ideário da classe média intelectualizada e não valor popular. Assim, este seria mais um problema que os governos petistas não enfrentaram,  justamente porque não assumiram seu papel pedagógico, tipicamente de esquerda, para disputar a hegemonia cultural em nosso país;
     
    4) Mas, à página 7, Chauí retoma sua perspicaz leitura sobre o novo, algo que sempre a notabilizou. Identifica que o discurso corrosivo das ruas de junho abriram uma brecha para repensar o poder, modificando o "sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão das significações e da irreverência". Aqui me parece a senha para petistas convictos se repensarem. Na página seguinte, a filósofa petista dá mais um passo nesta direção. Sugere que as ruas de junho tinham um lastro histórico em relação à agenda do transporte público que desconheciam: o governo de Luiza Erundina, que propôs a Tarifa Zero, abriu as planilhas de custo e obrigou os empresários do setor a fazerem o mesmo, propondo subsídio da tarifa a partir do IPTU progressivo. A reação das elites econômicas foi imediata: comerciantes fecharam ruas, empresários ameaçaram com lockout, bairros nobres fizeram manifestações contra o totalitarismo comunista. Tudo bem, mas, onde esteve o PT e seus governos este tempo todo, após o governo Erundina? Por qual motivo Chauí não citou a negação de toda cúpula partidária em relação à experiência do primeiro governo petista na maior capital do país? 
     
    Enfim, o PT tem dificuldades para se repensar. Consegue, ao menos parte de sua direção e intelectualidade, diagnosticar o que ocorreu em junho, ainda que de maneira defensiva, como cabe a alguém que comanda politicamente o país. Mas não consegue se ver como elemento central da Ordem Política. O PT é, hoje, o partido da ordem. Determina as mudanças que considera possível. Não consulta ninguém para avaliar a tal "correlação de forças". Como todo partido vanguardista, se coloca como um sábio experiente que tem a noção exata do que é possível avançar sendo todo o resto infantilismo ou erro de cálculo. Este é o problema mais grave que aflige o PT: de partido de massas, se transformou em partidos de quadros. Sem ter consultado, obviamente, sua base. 

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