Brasil retoma política externa autônoma e nacionalista, diz ex-diretor do FMI
"Depois de um período tenebroso nos governos Temer e Bolsonaro, o Brasil retoma uma política externa autônoma", disse o economista Paulo Nogueira Batista Jr.
Sputnik - O economista Paulo Nogueira Batista Jr., autor do livro "O Brasil não cabe no quintal de ninguém", concedeu entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, onde destacou sua visão sobre a política externa brasileira e seu papel no cenário internacional.
Aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, ele afirma que observa um retorno do Brasil à política externa autônoma após um período "desafiador" durante os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
Ele enfatiza que, apesar dos obstáculos, o atual governo segue na direção correta, buscando maior soberania para o país.
"Depois de um período tenebroso nos governos Temer e Bolsonaro, o Brasil retoma uma política externa autônoma. Há muitos obstáculos pela frente, mas a direção que o governo está tomando nessa área é boa. Aponta no sentido de maior soberania."
Ex-diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, por indicação do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, ele defende que haja uma clara definição do interesse nacional de um país. "Essa posição antecede minha ida ao FMI, em 2007, mas minha experiência de oito anos só reforçou minha percepção."
"As nações cooperam às vezes, mas estão frequentemente em conflito. E o Brasil infelizmente oscila nesse quesito — teve momentos mais nacionalistas e menos nacionalistas."
Ainda assim, ele alerta sobre a situação econômica do Brasil — com o baixo crescimento do PIB e a falta de estímulo fiscal para impulsionar a economia, por meio de uma rigidez das contas públicas. "O investimento caiu, a indústria de transformação caiu. O governo falando em reindustrialização e a indústria encolhendo, o investimento caindo."
Os desafios, para ele, estão relacionados com tais questões. "Será que o governo brasileiro já faz o suficiente para evitar que a estagnação do segundo semestre continue no ano que vem?", questiona, ao comentar que os juros do Banco Central seguem altos, apesar de reduções.
Batista Jr., um dos fundadores do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do BRICS, diz que é preciso se diferenciar em relação aos bancos multilaterais tradicionais. Segundo ele, a rotatividade da presidência traz o desafio extra de garantir o fortalecimento do grupo.
Sobre a possibilidade de a Arábia Saudita ingressar no banco do BRICS, por exemplo, ele avalia que há questões políticas e financeiras que dificultam esse movimento, sugerindo que a postura alinhada com os EUA pode influenciar a decisão.
Além disso, o economista abordou a dinâmica geopolítica global dos dias atuais, destacando o declínio do Ocidente e o crescente papel dos países do BRICS.
"O Ocidente subestima esses países, subestimou a força militar da Rússia, subestima a resiliência da economia chinesa, e mesmo quando o Ocidente se comporta assim, os países estão crescendo. O BRICS hoje tem um PIB maior que o do G7, por exemplo, que é o grupo das economias mais desenvolvidas."
Sobre a gestão da presidente Dilma Rousseff, ele entende o papel de revitalizar a imagem do NBD, mas reconhece desafios.
Além disso, ele defende a possibilidade de uma moeda de referência para o agrupamento, liderado atualmente pela Rússia. Segundo ele, é vital ter transações em moedas nacionais para reduzir a dependência do dólar e fortalecer o comércio entre membros.
"O que se está querendo, e os russos lideram essa discussão, é criar uma moeda de referência que permita fugir do dólar e ancorar as transações em moeda nacional dentro do grupo e com outros países em desenvolvimento. […] Os americanos sancionam pesadamente, confiscando e congelando reservas denominadas em dólar."
Brasil: nacionalismo forte, país forte - Batista Jr., na entrevista, afirmou sua inspiração nacionalista, influenciada pela tradição de sua família. Segundo ele, tais ideais são muito fortes e presentes em diversos países do mundo. "A China tem seus interesses. A Rússia tem os seus", exemplifica.
O economista reconhece um "vira-latismo" presente em muitos brasileiros, que se colocam em posição "de subserviência em relação à China", antes mais comum com os EUA. Ainda assim, ele reconhece a relação com os chineses menos unilateral do que com os americanos. "Os americanos e europeus estão viciados em ditar as regras e comportamentos."
"É sempre desagradável, porque você vai encontrar nos europeus e nos americanos uma disposição muito grande para o monólogo, não para o diálogo."
Em relação aos americanos, o economista destacou as contradições no apoio irrestrito ao governo israelense. Segundo ele, a subordinação da política externa de Washington aos interesses de Israel atingiu níveis alarmantes, levando os EUA a um "atoleiro inacreditável", o que pode influenciar na popularidade de Joe Biden para a reeleição.
Ele entende que os estadunidenses estão, "aos poucos e tardiamente", discordando de Israel e tentando exercer alguma pressão, ainda que "muito insuficiente". "Os EUA estão pagando um preço gigantesco por apoiar o genocídio em Gaza", afirma.
Sobre a possível reeleição de Donald Trump, o economista observa que embora haja diferenças entre as políticas econômicas de Trump e Biden, ambos adotam uma abordagem nacionalista em prol dos interesses estadunidenses. "[Trump] impôs tarifas de importação à China que o Biden manteve. O Biden iniciou sanções contra a China que eu acredito que o Trump manterá."
"Onde o Trump acho que vai divergir em termos de política do Biden será, acredito, na relação com a Rússia."
Por fim, quando questionado sobre seu livro "O Brasil não cabe no quintal de ninguém", Batista Jr. explicou que o título reflete a dimensão do país como um dos maiores do mundo, em contraste com a percepção subjetiva de inferioridade que muitos brasileiros têm. [O Brasil não cabe no quintal de ninguém] porque é muito grande."
"É um dos maiores países do mundo em termos do que interessa — território, população e economia, de PIB […] o Brasil nunca deixou de ser [grande], nem nos piores momentos do Bolsonaro, nunca deixou de ser uma das dez maiores economias do mundo."
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