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    'CPI do MST tem o objetivo de intimidar, criminalizar e conter a luta social' diz Ceres Hadich

    "A criminalização e perseguição do ST tem como pano de fundo a tentativa de descredibilizar o maior movimento social do Brasil", diz a integrante da direção nacional do movimento

    Ceres Hadich, da direção nacional do MST no Paraná (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

    Marilza de Melo Foucher, especial para o 247 - O MST é atualmente o maior movimento social da América Latina e adquiriu um reconhecimento dos órgãos de cooperação internacional que financiam muitos de seus projetos desde sua criação. São quase 40 anos de história popular de um movimento nascido em 1984. 

    Nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST existem 1,9 mil associações, 185 cooperativas e 120 agroindústrias. Neste sentido, há 15 cadeias produtivas principais. Entre essas, os assentados do RS contribuem na produção de leite, arroz, mel, feijão, soja e frutas e sucos.  Hoje o MST é um dos maiores promotores e produtores da agroecologia; é o maior produtor orgânico de arroz no Brasil. 

    Depois do golpe contra a Presidente Dilma em 2016 os dados fornecidos pela igreja católica através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que entre 2013 e 2022 foram assassinadas 424 pessoas em conflitos no campo. Só em 2022, foram registrados 2.018 conflitos, envolvendo 909.450 pessoas e 47 assassinatos. Essa situação mostra a importância e a necessidade de movimentos camponeses como o MST. 

    Nesta linha, Ceres Hadich, que integra a direção nacional do movimento, afirma que a CPI do MT foi instalada "com o objetivo de intimidar e conter a luta social no país, claramente identificada pela capacidade de organização e articulação do Movimento Sem Terra"

    No dia 17 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) para investigar o MST. Como explicar a aceitação de uma comissão de inquérito na câmara dos deputados oriunda da base parlamentar de ruralistas na sua maioria composta pela extrema direita brasileira? 

    CERES: A instalação da CPI contra o MST se dá por um conjunto de fatores, que permitiram sua instalação, entre eles: o posicionamento da extrema direita entorno da bancada ruralista e uma definição clara de enfrentamento em relação a temas da luta camponesa no Brasil, como é, por exemplo, a Reforma Agrária. Também se instala a CPI com o objetivo de intimidar e conter a luta social no país, claramente identificada pela capacidade de organização e articulação do Movimento Sem Terra. Nesse mesmo sentido, um terceiro objetivo da CPI era o de constranger o governo, chantagear e barganhar conquistas, em detrimento da perseguição e enfraquecimento da sua base de apoio social. Com o objetivo de criminalizar e deslegitimar a luta pela terra e a luta social no Brasil, também é salutar dizer que a CPMI se instala sob um olhar inicialmente desatento do próprio governo com a base aliada, que, ao não perceber seus verdadeiros objetivos permitiu que a oposição instalasse uma composição extremamente desfavorável ao próprio processo de desenvolvimento da comissão.

    Demonstre qual o interesse em criminalizar uma organização que vem atuando para diminuir a desigualdade social e econômica no Brasil, através de seu embate na luta pela reforma agrária, distribuição de recursos produtivos, justiça social e direitos dos trabalhadores rurais.

    CERES: Essencialmente a tentativa de criminalização e perseguição do MST tem como pano de fundo a tentativa de descredibilizar o movimento social de maior visibilidade no Brasil. Em seus quase 40 anos de existência o Movimento Sem Terra tem lutado efetivamente para mudar a realidade das pessoas e do Brasil, promovendo a partir da luta fundamental que é a luta pela democratização do direito à terra, melhoria de vida de milhares de pessoas, sobretudo no acesso à educação, cultura, alimentação saudável, apontando esperança para o povo. Nos últimos anos, as ações de solidariedade do MST permitiram que milhares de famílias brasileiras tivessem acesso à comida e cuidados, e é isso que causa tanto temor às elites brasileiras: a capacidade de transformar a vida das pessoas e convertendo-as em sujeitas de sua própria história. 

    Soube da inauguração da Escola Popular de Agroecologia e Agroflorestal Egídio Bruneto no Sul da Bahia. Explique o papel desempenhado por esta escola de capacitação dos membros do MST.

    CERES: A Escola Egídio Brunetto é fruto do esforço da construção da educação popular e da agroecologia nos territórios de Reformas Agrária. Reflete a busca coerente por unir nossa proposta para o campo brasileiro à conhecimentos que possam ser trocados, aprimorados e construídos a partir das próprias mãos das famílias camponesas e replicadas, a partir de cada realidade. Ter uma escola camponesa, popular, dentro de um assentamento, atuando para o desenvolvimento e a capacitação da nossa base acampada e assentada, no extremo sul da Bahia, e em cada bioma brasileiro, é fazer chegar mais perto, o direito fundamental ao acesso à informação, ao conhecimento, à tecnologia, e fundir, no diálogo dos saberes, entre os sujeitos que por ali passam, essa qualidade do conhecimento produzido a partir de experiências e realidades concretas. Confere autenticidade e autonomia ao conceito da agroecologia e da reforma agrária popular. 

    O que ocorreu com a diligência da CPI no Sul da Bahia? Eles assistiram a esta inauguração? 

    CERES: Foi mais um episódio de uso indevido do dinheiro público, do abuso de poder, da tentativa de criminalização do MST e da luta popular, e mais um dia de agressões aos trabalhadores. O objetivo das diligências é desmoralizar, sob uma visão preconceituosa, elitista, racista e machista a luta pela terra. Mais uma vez isso se deu, na Bahia. Com tentativa de invasão de lotes, de casas e até mesmo de uma comunidade indígena, a diligência evidenciou o despreparo e o autoritarismo de seus responsáveis, que com desconhecimento e violência, mais uma vez atacaram o povo e suas conquistas. Eles foram expulsos justamente na véspera da inauguração das estruturas da escola.

    Hoje, as mulheres estão ao lado dos homens na ocupação, na produção e na resistência. Porém, temos que sublinhar que estas conquistas não foram fáceis no contexto de uma arraigada organização patriarcal familiar típico da zona rural brasileira que sempre as considerou como dona de casa, esposa dedicada, senhora do lar, mãe, entre outras conotações. O papel das mulheres no MST adquiriu grande relevância, hoje elas estão lutando lado a lado, desfrutando dos mesmos ideais e objetivos. Como explicar esta evolução em um meio considerado como machista? 

    CERES: Ao longo de nossa construção, foi ficando casa vez mais claro, no MST a necessidade de romper com todas as formas de violência e opressão. O machismo, fruto do patriarcado é uma batalha longa, que temos enfrentado   inclusive no interior do Movimento. Trata-se de um longo processo de compreensão e entendimento de que só teremos uma sociedade livre e emancipada quando todos e todas assim o forem. Por isso, a participação das mulheres, mais que uma definição política, é para nós, parte de um esforço na construção dessa emancipação, que temos tratado, com muito cuidado e coerência dentro da organização. Hoje, olhando os passos da caminhada, podemos perceber com grande altivez os frutos dessas reflexões que, ao longo do tempo, foram se incorporando no interior do Movimento. Sabemos que ainda temos muito por fazer, mas decisões importantes, como a paridade de gênero nas instâncias de deliberação e o incentivo à formação das companheiras, tomadas há mais de duas décadas, tem nos permitido colher frutos de um processo de fortalecimento de identidade e autonomia de nossas mulheres.

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