Delegado Saraiva diz que está provada interferência indevida na Polícia Federal
Policial foi afastado por investigar crimes ambientais acobertados por Jair Bolsonaro e pelo ex-ministro Ricardo Salles
247 – O delegado Alexandre Saraiva, afastado de seus cargos na Polícia Federal por investigar crimes ambientais acobertados por Jair Bolsonaro, pelo ex-ministro Ricardo Salles e por vários parlamentares, diz que a interferência indevida do governo federal na Polícia Federal está comprovada, depois que Jair Bolsonaro teve um "pressentimento" e avisou Milton Ribeiro de uma busca e apreensão. Confira o vídeo e saiba mais:
BRASÍLIA (Reuters) - O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro estava "ciente da busca e apreensão" que seria alvo e essa informação "supostamente" foi obtida por meio de uma ligação telefônica com o presidente Jair Bolsonaro, segundo relato que consta em despacho desta sexta-feira do delegado da Polícia Federal Bruno Cesar Calandrini de Azevedo Melo.
Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o delegado da PF citou quatro conversas telefônicas de Milton Ribeiro com interlocutores entre 3 e 22 de junho --dia em que o ex-ministro foi preso na operação policial que investiga suspeitas de corrupção e desvio de recursos públicos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE).
"As transcrições das conversas datadas acima evidenciam que MILTON RIBEIRO estava ciente da execução de busca e apreensão em sua residência e externa preocupação com os pastores GILMAR e ARILTON", disse o relato do delegado, citando conversa do ex-ministro com outros investigados na operação.
"Nos chamou a atenção a preocupação e fala idêntica quase que decorada de MILTON com WALDEMIRO e ADOLFO e, sobretudo, a precisão da afirmação de MILTON ao relatar à sua filha JULIANA que seria alvo de busca e apreensão, informação supostamente obtida através de ligação recebida do presidente da República", emendou a PF, no documento remetido ao Supremo.
Após fazer o relato, o delegado destacou que os indícios de vazamento da operação da PF são "verossímeis e necessitam de aprofundamento diante da gravidade do fato aqui investigado".
Procurada, a Advocacia-Geral da União não respondeu imediatamente a pedido de comentário. Bolsonaro já chegou a dizer, após a prisão de Ribeiro, que não interfere no trabalho da Polícia Federal.
Em nota, o advogado do ex-ministro, Daniel Bialski, informou ter recebido "com surpresa" a decisão judicial de remeter o caso para o Supremo.
"Observando o áudio citado na decisão, causa espécie que se esteja fazendo menção a gravações/mensagens envolvendo autoridade com foro privilegiado, ocorridas antes da deflagração da operação. Se assim o era, não haveria competência do juiz
de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial e, consequentemente, decretar a prisão preventiva", disse a defesa de Ribeiro.
O advogado afirmou ainda que vai analisar o material e indicou que poderá pedir anulação das investigações conduzidas na primeira instância.
"Todavia, se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade, o que precisará também ser objeto de acurada análise", salientou.
POSSÍVEL INTERFERÊNCIA
A Justiça Federal em Brasília decidiu encaminhar o caso envolvendo Ribeiro ao Supremo após o Ministério Público Federal ter citado uma "possível interferência ilícita" de Bolsonaro nas investigações que resultaram na operação da PF que prendeu o ex-ministro da Educação.
Para defender a remessa do caso ao Supremo, o MPF citou um arquivo de áudio de Ribeiro em que se aponta "indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita" de Bolsonaro nas apurações.
Na quinta-feira, o procurador da República Anselmo Lopes disse à Justiça que também há "indícios de igual interferência" na investigação conduzida pela PF por ocasião do "tratamento possivelmente privilegiado" que recebeu o ex-ministro, que não foi conduzido ao Distrito Federal para que pudesse ser interrogado.
Preso preventivamente em ação da PF na quarta-feira para apurar suspeitas de desvio de recursos na pasta, Ribeiro foi deslocado para as dependências da PF em São Paulo --e não foi para Brasília, conforme determinação judicial. Posteriormente ele foi beneficiado por uma ordem de soltura do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1).
"Assim, figurando possível a presença de ocupante de cargo com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, cabe ao referido Tribunal a análise quanto à cisão, ou não, da presente investigação", disse o juiz Renato Borelli.
"Nesta toada, acolhendo parcialmente a manifestação Ministerial, determino a remessa da integralidade dos autos ao Supremo Tribunal Federa... para devida deliberação quanto ao prosseguimento da investigação perante esta 15ª Vara ou sua cisão/desmembramento", emendou ele.
O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolou nesta sexta uma ação no Supremo pedindo abertura de inquérito sobre a possível interferência de Bolsonaro nas investigações e sobre eventuais condutas de violação de sigilo e obstrução de Justiça.
"Estamos presenciando um ataque às instituições e o escancaramento da corrupção. Uma conduta gravíssima de interferência na autonomia de um órgão que deve agir com independência na apuração dos fatos", disse Randolfe.
A oposição também se movimentou no Legislativo. O PSOL da Câmara protocolou um requerimento de convocação do ministro da Justiça, Anderson Torres, para que preste esclarecimentos em plenário sobre a suposta interferência do presidente.
A investigação da PF sobre o suposto envolvimento de Ribeiro em suspeitas de corrupção e desvio de recursos públicos no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi aberta inicialmente em março pela ministra do STF, Cármen Lúcia.
Posteriormente, o caso foi remetido para a Justiça Federal após o então ministro ter se demitido do cargo.
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