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    Ditadura militar, feminismo e escravidão estão entre os temas do Enem censurados pelo governo Bolsonaro; confira

    “Os registros de 2019 talvez ajudem a elucidar o que o presidente Jair Bolsonaro quis dizer, na última segunda-feira (15), quando afirmou que o Enem deste ano terá ‘a cara do governo’”, lembra o repórter Luigi Mazza

    Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR | Shutterstock)

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    247 - Entre os temas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) censurados pelo governo Jair Bolsonaro, em 2019, estão questões sobre a ditadura militar brasileira, feminismo e a escravidão. Uma charge da Mafalda, personagem de quadrinhos criada pelo cartunista argentino Quino, foi retirada do exame daquele ano, pois, segundo a comissão do governo federal, “gera polêmica desnecessária”, informou a Piauí.

    A charge em questão questiona a situação da mulher na sociedade. Mafalda vê sua mãe apreensiva ao vê-la entrar no jardim de infância e tenta tranquilizá-la: “Sabe, mamãe, eu quero ir para o jardim de infância e estudar bastante. Assim, mais tarde não vou ser uma mulher frustrada e medíocre como você!”. Enquanto a mãe fica desolada, Mafalda, feliz, comenta: “É tão bom confortar a mãe da gente!”

    Em 2019, o então presidente do Inep, Marcus Vinícius Rodrigues, montou uma equipe para analisar ideologicamente as questões do exame, que se reuniu durante dez dias, carimbando “sim” e “não” para aprovar ou rejeitar questões. Ao final, 66 questões da prova inicial foram retiradas. “Numa planilha de Excel, os censores apresentaram justificativas sucintas – e mal explicadas – para suas escolhas”, informa a Piauí, que teve acesso a um documento até hoje não divulgado em que servidores do Inep pediram a reabilitação de parte das questões censuradas em 2019.

    Censura

    Além de Mafalda, também a cantora pop norte-americana Madonna foi censurada. Uma questão da área de linguagens usava a letra da música Papa Don’t Preach para falar de gravidez na adolescência. O argumento da comissão de censura: “gera polêmica desnecessária”. Segundo a reportagem, “essa foi a justificativa mais usada de todas: serviu para excluir 28 questões da prova”.

    Também seis questões sobre a ditadura militar brasileira foram censuradas. “Uma delas citava o poema ‘Maio 1964’, escrito por Ferreira Gullar, que fala sobre a violência e as prisões políticas ocorridas nas semanas seguintes ao golpe”, destaca a Piauí, informando que nesse caso a comissão do governo Bolsonaro alegou “descontextualização histórica do texto”, motivo que foi usado contra poema de Paulo Leminski sobre a ditadura.

    “Uma outra questão, que citava uma letra de música escrita por Chico Buarque (não se sabe qual), foi censurada com a seguinte explicação: ‘Leitura direcionada da história / Sugere-se substituir ditadura por regime militar’”, informa. “Também foi censurada uma questão sobre a prática de tortura pelos militares. Ao consentir com a exclusão da pergunta, os servidores comentaram: ‘Um instrumento que apresente itens que se refiram apenas a um lado da história se mostraria inadequado e polêmico’”, continua.

    Charges e poemas abordando religião, mesmo que não fosse o tema da pergunta, também foram censuradas. Até mesmo na prova de matemática, os censores do Inep disseram que um item “gera polêmica desnecessária em relação à ideia de casal”. Da mesma forma, numa pergunta sobre cuidados com relação ao vírus HIV que afirmava que o uso de camisinha é “o meio de prevenção mais barato e eficaz” contra a Aids, a comissão do governo censurou e justificou: “gera polêmica desnecessária / Direcionamento do controle de saúde”.

    “Na mesma toada, foi excluída uma questão que falava sobre a proliferação de doenças. O item explicava que a hanseníase tende a se espalhar com facilidade em presídios no Brasil, devido à superlotação e às condições precárias em que vivem os presos. ‘Gera polêmica desnecessária em relação ao sistema penal’, disse a comissão”, informa a reportagem.

    “Questões sobre escravidão, violência policial ou movimentos sociais foram parar na gaveta em 2019. Três questões que falavam de ‘conflitos sociais’ foram excluídas do Enem com a alegação de que faziam ‘leitura direcionada da história’ (essa justificativa foi usada para censurar 19 itens). Um item que falava sobre a abolição da escravatura e a ‘persistência das condições precárias dos pobres negros no Brasil’ foi excluída da prova porque, segundo a comissão, houve uma ‘descontextualização histórica do texto’. Uma outra questão que falava sobre segurança pública mencionava, em uma das alternativas de resposta, a violência da polícia na Bahia. Também foi censurada. ‘Ofensivo à força policial baiana’, explicou o trio de censores”, destaca.

    Nem mesmo a produção agrícola passou batido pelos censores, que censuraram uma charge sobre a produção de milhos transgênicos, declarando que ela “gera polêmica desnecessária em relação à produção no campo”.

    Questão sobre a Marcha das Vadias, mostrando uma foto de mulheres de sutiã durante uma manifestação do grupo, foi barrada por gerar “polêmica desnecessária”.

    “Outra questão que debatia a maioridade penal foi excluída do exame. ‘Gera polêmica desnecessária a favor da não redução da maioridade penal’, escreveu a comissão de censura, alinhada com o presidente. Naquele ano, Bolsonaro pressionava o Senado para aprovar um projeto que reduzisse a maioridade penal para crimes hediondos, uma velha bandeira de campanha”, lembra o repórter Luigi Mazza.

    “Uma questão da área de ciências humanas que falava sobre as relações entre o governo Donald Trump e Israel foi cortada do exame. A justificativa da comissão de censura foi a seguinte: ‘Leitura direcionada da história / Interferência desnecessária na soberania de outro país’”, destaca. 

    Segundo Mazza, também uma pergunta sobre a Liga das Nações e a “implantação da sociedade judaica na Palestina do início do século XX” foi excluída porque fazia “leitura direcionada de geografia / história”, de acordo com os censores.

    Os censores ainda excluíram da prova uma questão de ciências da natureza sobre o canibalismo entre animais, porque “induz o jovem a comportamento antissocial”, segundo a comissão do Inep.

    Mantendo alinhamento com Bolsonaro sobre a questão do armamento, a comissão também proibiu um texto falava sobre uma tragédia ocorrida em 2013, na cidade de Burkesville, nos Estados Unidos, em que um menino de 5 anos disparou acidentalmente um fuzil que havia ganhado de presente e matou sua irmã mais nova dentro de casa.

    ‘Enem com a cara do governo’

    “Os registros de 2019 talvez ajudem a elucidar o que o presidente Jair Bolsonaro quis dizer, na última segunda-feira (15), quando afirmou que o Enem deste ano terá ‘a cara do governo’”, lembra Mazza. 

    O Enem 2021 será realizado nos próximos dois domingos, dias 21 e 28 de novembro. A entidade responsável pelo exame, o Inep, no entanto, se encontra numa grande crise após a demissão de 37 servidores, que denunciam o atual presidente do órgão, Danilo Dupas, de assédio moral, desrespeito às decisões técnicas dos servidores e interferência indevida no exame.

    Segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, o Inep fez impressão prévia da prova do Enem para que Bolsonaro possa escolher as questões.

    O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad disse que é ilegal a iniciativa de Jair Bolsonaro de deixar o Enem "com a cara de governo" e fez um alerta sobre a tentativa da administração federal em tirar a credibilidade acadêmica.

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