Em discurso durante homenagem no IAB, Batochio exalta democracia e justiça social
Em fala marcada por forte teor político, proferida no plenário histórico do Instituto dos Advogados Brasileiros, Batochio fez a defesa dos valores institucionais
Conjur - O advogado José Roberto Batochio foi condecorado no último dia 17 com a Medalha Montezuma, oferecida pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) em reconhecimento aos relevantes serviços prestados por ele à advocacia e ao Direito.
Em fala marcada por forte teor político, proferida no plenário histórico da entidade, no Rio de Janeiro, Batochio fez a defesa do regime democrático, dos valores institucionais, da solidariedade e da justiça social.
Fez também críticas àquilo que denominou de "governança esquizofrênica" e aos que "fraquejam ou já não demonstram os ideais de outrora" diante dos poderosos de ocasião. Em contrapartida, exaltou aqueles que se desgarram das "costelas corporativas" e que, junto ao IAB, resistem aos ataques contra o Estado democrático de Direito e a ordem constitucional.
"Nessa longa e alentada trajetória tivemos apenas um senhor, o interesse nacional, pugnando por ele pela implantação e consolidação de um de um Brasil justo, próspero e igual, conforme a senda já traçada por tantos brasileiros", declarou o advogado.
Reverência a Montezuma
Ao iniciar sua fala, Batochio discorreu sobre os 179 anos da fundação do IAB, cuja história foi marcada pela figura de Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (1794-1870), patrono da honraria com que foi agraciado.
Para ele, o também advogado, diplomata, político e fundador da entidade figurou entre os grandes homens públicos de seu tempo, tendo batalhado, a exemplo de José Bonifácio de Andrada e Silva, pela construção do Império em bases liberais, "o que acabou por valer a ambos o exílio após a dissolução da Constituinte de 1823 — um erro na biografia do grande dom Pedro I".
Bicentenário da Independência
Ainda na quadra reservada aos aspectos históricos da construção da autonomia nacional, Batochio destacou a proximidade do bicentenário da Independência do Brasil, a ser comemorado no dia 7 do próximo mês.
Assim, fez questão de elogiar as lutas travadas em nome da construção do processo civilizatório nacional, mas lembrou o perfil conservador das mudanças de regime ocorridas no país.
"Como demonstrou Nélson Werneck Sodré em sua História Militar do Brasil, a Independência não foi uma revolução transformadora da estrutura social, mas 'uma empresa comandada pela classe dominante de senhores de terras, dentro de suas limitações de classe'".
Defesa do Estado de Direito
Em seguida, o homenageado discorreu sobre os conceitos de ordem e poder. Novamente em tom crítico contra as demonstrações de arbitrariedade, lembrou que a ordem não é o "império da força física", nem a "paz da concórdia entre homens submissos a um poder absoluto e centralizado".
E concluiu, fazendo a defesa do regime democrático e da Constituição de 1988: "A ordem em nossos tempos constitui uma ideia-força, valor de uma organização política e social fundada na isonomia do Estado democrático de Direito, em que o poder emana do povo e se exerce em defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos, valores republicanos insculpidos já no artigo 1º da Constituição".
Crise social e punitivismo
Batochio passou, então, a analisar o momento atual da política e do Judiciário. Em uma dos trechos mais contundentes do discurso, disse que "talvez estejamos a atravessar agora a mais dramática crise social de nossa história, com 33 milhões de brasileiros em insegurança alimentar, passando fome, sete vezes mais que toda a população de 1822".
Lembrou ainda dos dez milhões de desempregados, das "18 milhões de famílias que dependem de uma espórtula estatal" e dos 38,7 milhões de trabalhadores que atuam na informalidade, "despojados de direitos instituídos já nos anos de 1940, sobrevivendo de expedientes".
E, como consequência desse quadro de crise social e econômica, o país vê seu sistema carcerário superpovoado, resultado também da pesada "mão punitivista" de uma burocracia "elitizada".
"Contamos hoje aproximadamente 900 mil presos no país, apenas nos regimes fechado e semiaberto, dos quais, segundo o Departamento Penitenciário Nacional, 61,7% são pretos ou pardos, e 75% têm só o ensino fundamental, um indicador de baixa."
'Instituições funcionando'
Na sequência, Batochio ironizou o mantra segundo o qual as instituições estariam funcionando, apesar de tudo. "Se assim funcionam, a quem beneficiam?", questionou.
Disse ainda que, para a população, o Poder Judiciário deixa a desejar. Citando números do Datafolha, lembrou que 23% dos entrevistados pelo instituto pensam que o Supremo Tribunal Federal tem realizado um trabalho bom ou ótimo, enquanto, por outro lado, "33% o avaliam como ruim ou péssimo, máxime quando aumentam seus próprios subsídios em meio à miséria geral".
E, no que classificou de "disfunção", disse assistir aos tribunais superiores proferirem decisões que extrapolam sua atribuição constitucional, determinando o que o Executivo deve fazer e reformando leis aprovadas pelo Legislativo, "a exemplo da que instituiu o juiz de garantias, uma evolução processual civilizatória".
Governantes 'intocáveis'
O advogado contestou, ainda, o "espesso e indevassável" manto colocado sobre os processos que tramitam em segredo de Justiça, "nem sempre estendido para cobrir e proteger o cidadão comum, mas para em geral preservar o cidadão de primeira classe". E estendeu a crítica ao governo federal e aos parlamentares. "Agora temos até orçamento secreto e malfeitos governamentais subtraídos à luz do sol por até cem anos...".
Por fim, Batochio comparou o cenário atual com as práticas dos regimes ditatoriais que marcaram a história do país. Para ele, o tratamento dispensado aos governantes, neste momento da vida nacional, faz com que eles sejam, na prática, "intocáveis".
"Já se endereçaram ao arquivo nada menos que 104 pedidos de investigação encaminhados pelo Supremo Tribunal Federal a quem se acha incumbido da persecução penal acerca de eventuais e variados crimes supostamente cometidos pelo presidente da República", observou.
Trajetória
Com uma longa e premiada carreira, não só na advocacia, mas também no exercício de funções públicas, Batochio foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (de 1985 a 1986), da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (de 1991 a 1993) e do Conselho Federal da OAB (de 1993 a 1995).
Como gestor, com forte pragmatismo, modernizou as engrenagens das entidades e reformulou práticas, já à época, anacrônicas. Além disso, foi o orador oficial do IAB durante os mandatos dos presidentes Técio Lins e Silva e Rita Cortez.
Como presidente da OAB Nacional, articulou a aprovação do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que deu novo status à advocacia brasileira, e equilibrou as relações com a magistratura e com o Ministério Público — que até então eram absolutamente assimétricas.
Como deputado federal, trabalhou na produção de leis para fortalecer o direito de defesa e contra investidas do Ministério Público de restringir prerrogativas e o papel do advogado.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: