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    Erundina: frente ampla é possível, mas não pode ser só institucional

    Uma frente ampla como se articulou no Uruguai pós-ditadura, “é a única saída possível” para o Brasil, afirma a deputada federal Luiza Erundina ; para , contudo,essa articulação não pode ocorrer apenas “no plano do institucional, do parlamento”, precisa se consolidar a partir de uma aliança com a sociedade civil

    Dep. Luiza Erundina (Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

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    Rede Brasil Atual - Uma frente ampla, como se articulou no Uruguai pós-ditadura, “é a única saída possível” para o Brasil, acredita a deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP). Mas para a ex-prefeita e ex-ministra, essa articulação não pode ocorrer apenas “no plano do institucional, do parlamento”, precisa se consolidar a partir de uma aliança com a sociedade civil. “(A sociedade) foi se desagregando, os sindicatos, até porque a mudança do tempo está reclamando novos modelos de organização social, sindical, profissional, estamos também numa fase de reconstruir as instituições”, diz Erundina, em sua participação no Entre Vistas, programa que a TVT exibiu nesta quinta-feira (1º), a partir das 22h.

    Para ela, é momento de juntar todas as forças “com generosidade, com humildade, ninguém vai a lugar nenhum sozinho”. A deputada dá o exemplo da tramitação da “reforma” da Previdência, em que na primeira votação os partidos considerados progressistas conseguiram “evitar algumas coisas mais graves” no texto. “Se a gente for especular muito, teorias, posições políticas, é perda de tempo. Temos de buscar soluções. O tempo urge. Erundina acredita há um “esgotamento” no formato dos partidos e que é preciso “reconstruir sem destruir”. Ela avalia que as organizações de base foram enfraquecidas. “Até os núcleos de base do PT, que a gente fazia nos locais de residência, do trabalho, nos bairros, o córrego que está sujando, o lixo que não se coleta… As pessoas têm de sentir o poder de mudar a realidade.” Os partidos em geral, acredita, também abriram mão de suas áreas de formação.

    Ao lado do apresentador do Entre Vistas, o jornalista Juca Kfouri, a codeputada estadual Raquel Marques (Bancada Ativista, do Psol, na Assembleia Legislativa de São Paulo, e a ex-secretária municipal de Políticas para as Mulheres Denise Motta Dau, fizeram perguntas e compartilharam angústias com Erundina, principalmente em relação ao momento político atual. “Eu vivi quando criança a ditadura Vargas, em que faltava combustível para manter a luz acesa. Não tenho muita clareza do que acontecia na política, mas já sentia o impacto na vida da minha família. Depois vivi a ditadura militar de 64 a 85, e aí já como ativista, perseguida, e resistindo. A sensação que eu tinha é que aquilo não tinha fim. Era tão forte que eu não ia ver a mudança daquilo”, afirma, acrescentando que a realidade é dinâmica.

    Dialética da história

    “Eu chamo isso a espiral dialética da história, ciclos mais longos ou menos longos, sempre na perspectiva de evolução. Nós hoje estamos vivendo o fim de um ciclo que não morreu ainda, está estrebuchando, travessia para um novo tempo que não nasceu ainda, as novas gerações estão sinalizando esse algo novo que vai vir, mas ainda estágio de muita incerteza, de muita perplexidade”, diz Erundina, para quem é preciso medir o tempo “na perspectiva da História” – décadas, séculos, milênios. “E isso alimenta em nós a esperança, um sentimento que você transparece e é contagiante.” Mas não significa imobilismo: “Esperançar, como diria Paulo Freire. Esperançar é fazer acontecer. Amanhã não é necessariamente o ano próximo.” Seu sonho, conta, é o “socialismo libertário, radicalmente democrático”.

    Aos 84 anos, Erundina também diz se manter jovem acompanhando a geração que surge. “Eu me inspiro também na juventude, procurando aprender também com jovens, habilidades e competências que não tenho.” Ela cita novamente Paulo Freire, que foi seu secretário da Educação na prefeitura paulistana (1989-1992), quando estava filiada ao PT – passou também pelo PSB até chegar ao Psol. Segundo a deputada, o atual Patrono da Educação Brasileira a definiu como “educadora política”. “Eu vibro de ver a juventude brilhando na profissão, como mulher, como ativista, fazendo política, isso me plenifica. Por isso, eu não quero estender muito essa minha presença na luta, de minha longitude, pra gente não atrapalhar o momento dessa geração.”

    A parlamentar chamou de “trágica experiência” o processo de impeachment de Dilma Rousseff, “a primeira mulher presidente da República eleita democraticamente ser afastada por um golpe parlamentar”, e vê “destruição do marco institucional” no país. “A Constituição Federal de 1988 não representa mais nada, começou a ser destruída no governo ilegítimo do Temer, com a PEC da morte (a emenda de teto de gastos), com a reforma trabalhista, com todos os desmontes do patrimônio nacional, a afronta à soberania nacional. Não dá mais para tolerar situações como a que estamos vivendo hoje no Brasil”, afirma Erundina, criticando o presidente da República – “o inominável”, segundo define Juca Kfouri.

    “É uma pessoa, a meu ver, para ser interditada”, diz a deputada. “Dá a impressão que ele não é muito sadio de cabeça. mas é. Tem inteligência para fazer o mal, para ser cruel com as pessoas. O que ele está fazendo hoje com a família Santa Cruz, eu acompanho há décadas, sei da dor daquela família…” Erundina se refere ao episódio em que Jair Bolsonaro atacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, cujo pai, Fernando, é desaparecido político — foi preso em fevereiro de 1974 no Rio de Janeiro. A deputada lembra de dona Elzita, mãe de Fernando, que morreu em junho, aos 105 anos.

    “O inominável”

    “Há pouco mais de um mês perdemos a mãe do Fernando, do Marcelo,  da Rosalina Santa Cruz, que foi minha secretária. Essas pessoas vivem dia e noite na expectativa de quem sabe (descobrir) onde estão os ossos de Fernando Santa Cruz, para ter um lugar, acender uma vela, rezar uma oração pelo membro da família. Dona Euzita resistia a mudar de casa e mudar o número do telefone fixo porque a cada chamada o coraçãozinho dela pulsava com a sensação de que, quem sabe, viria uma notícia sobre o filho dela. Esse homem (o “inominável”) não tem estatura humana, características humanas, com a maldade, a frieza, a indelicadeza dele, a grossura. Deve estar a serviço de outro projeto, um projeto que na minha avaliação é muito anterior ao momento que estamos vivendo hoje, é algo maior, pela grandeza do nosso país, o potencial que ele tem, a importância para o continente, no mundo. Esse povo está no século 19, ou 18.”

    Ela acredita que tudo isso está provocando indignação, “um sentimento de ignomínia”, que pode se transformar em energia de mudança. “E essa mudança tem que se fazer na lei. Por que não tirar esse homem por um impeachment devidamente instalado? Tem fatos suficientes para comprovar os crimes que esse homem está cometendo contra a democracia, contra as liberdades democráticas, contra os valores humanos. Então, é afastar esse homem e que se convoque imediatamente eleições gerais”, defende. “Está morrendo tudo, e as pessoas estão tristes. As pessoas me perguntam: vai ter jeito?”

    Origem de classe

    A uma pergunta de Juca, Erundina diz ter “se casado” como Brasil e a com a política. “Eu devo isso à minha origem de classe e uma consciência precoce dessa origem.” Ela nasceu em Uiraúna, sertão paraibano, uma região “sujeita a secas e mais secas, e a cada seca meu pai levava a família para algum outro estado”. Ali, percebeu que nem todas as famílias eram obrigadas a sair. “Precocemente eu percebi que isso não era justo. Por que alguns tinham de sair, nas piores condições, como no Vidas Secas, de Graciliano Ramos?” Ao estudar, ela conta ter “quebrado um padrão” familiar e geracional, segundo o qual as mulheres casavam muito cedo e tinham “uma filharada enorme”. Relatando a trajetória, a deputada constata: “Eu entendo que a minha origem de classe determinou e determina até hoje o que eu sou no mundo”. Ela pensou em estudar Medicina, mas tornou-se assistente social.

    Sobre as eleições de 2018, a parlamentar afirma que a maioria do eleitorado foi movida menos por uma uma escolha e mais para “evitar outra força política contra a qual há um enorme preconceito”, referindo-se ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Com certeza não foi o Bolsonaro que ganhou, foi o anti PT, o anti Lula.” As chamadas jornadas de 2013 já eram sinal de algo novo no país. “Não novo bom. Uma realidade despolitizada, uma massa informe, sem pauta, sem direção, negando tudo, a política, os políticos, a organização, uma pauta meio esquisita, embora o que detonou foi uma luta contra o reajuste de 20 centavos do transporte coletivo”, recorda, citando ainda o projeto que de tarifa zero que ela tentou implementar quando prefeita. “Uma sociedade que abdica da política vai pôr o quê no lugar?”, questiona. “Política é o melhor instrumento para ver limites, debilidades.”

    E o povo, complementa, reage a partir de sua realidade. É preciso respeitar o conhecimento de vida das pessoas. “Não é verdade que o povo não entende, desde que você não fale cifrado.”

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