Especialistas analisam o que está por trás do embate entre Elon Musk e o STF
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que o embate evidencia a necessidade de avançar em uma legislação específica e na aprovação do projeto das fake news
Raquel Miura, RFI - O empresário Elon Musk subiu ainda mais o tom na noite dessa segunda-feira ao chamar o ministro Alexandre de Moraes de ditador. Desde o fim de semana o dono da plataforma X tem publicado críticas ao ministro do Supremo Tribunal Federal, o que lhe rendeu a inclusão no inquérito que investiga as mídias digitais antidemocráticas e alerta de multa caso descumpra decisões envolvendo bloqueio de contas. A RFI ouviu especialistas na área para entender o que está por trás desse embate.
O professor e presidente da Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Juliano Domingues, disse à RFI que o cenário evidencia interesses opostos, com visões bem diferentes sobre democracia.
“Esse debate contribui para explicitar um conflito entre dois mundos que operam a partir de lógicas muito distintas e conflituosas entre si. De um lado, a gente tem o Judiciário e instituições vinculadas ao modelo de Estado-nação, das democracias liberais. Do outro lado, a gente observa grandes empresas da tecnologia da informação e da comunicação digital que tentam impor uma espécie de governança global de viés autoritário, exercido pelo poder econômico, mas principalmente pelo poder simbólico, uma vez que essas empresas são responsáveis por boa parte do fluxo comunicacional e informacional no mundo. Ou seja, elas são responsáveis por boa parte daquilo que as pessoas percebem enquanto realidade”, destacou Domingues.
O analista se recorda de uma publicação de 2020 em que Musk falou que daria "golpe em quem quisesse", numa referência à política interna da Bolívia, para afirmar que nesses embates as instituições devem primar pela defesa dos interesses públicos.
“O próprio Elon Musk já se declarou na sua rede social como um golpista confesso. Acho que isso é um dado relevante. É a utilização sem qualquer pudor dessas ferramentas absolutamente poderosas nesse mundo contemporâneo em que vivemos, no sentido de desestabilizar determinados países para que os objetivos da empresa sejam alcançados. Em meio a esses interesses privados, as instituições, no caso o poder Judiciário de forma mais específica, devem atuar para fazer valer o interesse público, o interesse da nação brasileira”, afirmou o dirigente da Intercom.
Debate acirrado - O embate acirrou o ambiente das redes sociais, com bolsonaristas em polvorosa pedindo o impeachment de Alexandre de Moraes e também o meio político mais à esquerda que classificou como grave a postura de Elon Musk. E há quem tenha visto mesmo um discurso sob medida do bilionário tentando pavimentar a ponte entre a política americana e a brasileira, na aposta de uma vitória de Donald Trump por lá.
Entre os analistas ouvidos pela RFI, mesmo quem tem mais ressalvas a certas decisões do STF considera que empresas que atuam aqui não podem afrontar decisão judicial.
“Se Elon Musk se nega a cumprir as ordens judiciais, o STF tem, sim, razão em enquadrá-lo. Mas com isso eu não estou dizendo que as ordens do ministro Alexandre de Moraes sejam justas. Não é isso que eu quero dizer. E seria muito inocente fazer uma avaliação puramente jurídica deste debate. Eles ocupam espaços completamente diferentes no campo ideológico. Seus seguidores fiéis já têm opinião formada, eles não estão abertos a conversar”, descreveu o advogado e professor de Direito da Universidade de Brasília, Henrique Costa.
“É difícil dizer quem tem razão, mas Elon Musk, uma vez que ele desafia frontalmente a justiça e leva o debate para um campo que não é o campo do direito, acaba perdendo a razão. Se a situação piorar, se o embate persistir, é possível um bloqueio total da X na região do Brasil, que é uma evolução bastante factível”, analisa o advogado.
Já o especialista em Direito, Manoel Moraes, professor da Universidade Católica de Pernambuco e titular da Cátedra UNESCO/UNICAP de Direitos Humanos Dom Helder Câmara, fala da democracia defensiva contra a ameaça fascista para descrever o cenário atual.
“No Brasil nós podemos discordar do Supremo. Não há nenhum problema sobre isso. No Brasil não existe nenhum tipo de ditadura. Ao contrário, tem o exercício da democracia. Agora, desde Karl Popper, que é um grande escritor teórico, e outros intelectuais que estudaram o fascismo, nós sabemos que eles se infiltram dentro da democracia", diz Moraes.
"Os fascistas não acreditam na democracia, mas usam os instrumentos democráticos para ruir a democracia. Então esse fenômeno produziu o que chamamos de uma democracia defensiva. São mecanismos que hoje se desenvolvem no mundo para que a gente se proteja dos fascismos, desses discursos que ameaçam a democracia”, acrescenta o especialista.
Para Moraes, nenhum setor da economia é alheio à regulamentação e as mídias sociais precisam respeitar os limites legais. “Porque o nosso direito constitucional criminaliza determinados discursos, manifestações, postagens. O nosso direito constitucional é um direito baseado na proteção da dignidade humana. E a X tem CNPJ, para atuar no Brasil precisa ter escritório aqui e tem que observar as regras do país”, afirmou o professor da Unicamp.
Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), fica evidente a necessidade de avançar na legislação específica e aprovar o projeto das fake news, que responsabiliza as Big Techs por conteúdos falsos e nocivos mantidos na internet. Sem isso, frisou, o judiciário continuará à frente no combate contra discursos de ódio e ruptura institucional.
“A participação do Poder Judiciário, tendo que decidir questões relativamente ao uso dessas redes sociais, sem que haja uma lei que discipline, isso acaba gerando controvérsias como essa que vimos, do Poder Judiciário precisar agir em relação a atos antidemocráticos, às violações de direitos, atentado à democracia, e isso sendo interpretado como algum tipo de censura. As plataformas não acertam sempre, também não erram sempre", diz o senador.
"O Poder Judiciário também não acerta sempre, ele pode eventualmente errar, mas é muito mais fácil errar no ambiente em que não há lei que discipline, do que o contrário. Há um papel cívico que deve ser exercido pelas plataformas digitais, de não permitir que esse ambiente seja um ambiente vale tudo”, concluiu Pacheco.
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