Geógrafo aponta o que pode estar por trás das concessões e descobertas nas bordas do pré-sal na Bacia de Campos
O geógrafo e pesquisador do setor de petróleo Francismar Cunha alerta que novas descobertas petrolíferas fora do polígono do pré-sal podem vir a ocorrer nos próximos anos e não serão realizadas mais pela Petrobras, e sim pelas petroleiras privadas internacionais
Por Francismar Cunha, no Blog de Roberto Moraes
No último dia 23 de Setembro de 2020 a Petrobras divulgou em sua página, na seção de relações com investidores, a informação de que havia a presença de hidrocarbonetos em um poço pioneiro (poço 1-BRSA-1376D-RJS (Naru) do bloco C-M-657, em profundidade d’água de 2.892 metros, localizado no pré-sal da Bacia de Campos a aproximadamente 308 km da cidade do Rio de Janeiro. A perfuração do poço teve início um junho de 2020 por meio do navio-sonda West Tellus, da multinacional Seadrill.
A notícia rapidamente foi reproduzida pelos cadernos econômicos de jornais da mídia corporativa (O Globo, Valor, Money Times, dentre outros) carregada de otimismo para o mercado, especialmente o financeiro.
Entretanto, diante dos primeiros resultados obtidos no poço pioneiro pouco se questionou sobre sua posição geográfica na bacia de Campos. O boletim da Petrobras e os jornais corporativos que reproduziram a informação aponta apenas que foi uma descoberta no pré-sal a 308 km da cidade do Rio de Janeiro. Não se comenta que a descoberta é no pré-sal, mas fora do polígono do pré-sal estabelecido pela lei 12.351 de 12 de dezembro de 2010, a chamada picanha azul. Na realidade, o bloco é exatamente limítrofe ao polígono do pré-sal. O boletim da Petrobras até trás um mapa indicando a localização do bloco e do poço pioneiro, entretanto, o mesmo não tem legenda indicando o significado das diferentes cores que aparecem no mapa. Sendo assim, segue no mapa 01 a localização do bloco C-M-657 no entorno da picanha azul:
Mapa 01: Localização do bloco C-M-657 e seu entorno:
Conforme aponta o mapa 01, o bloco C-M-657 foi comercializado pela ANP, no leilão da 15° rodada de concessão realizada em março de 2018. Essa rodada, assim como a 16°, realizada em outubro de 2019, teve como característica a oferta de blocos limítrofes e contíguos ao polígono do pré-sal. Entretanto, outra coisa que chama a atenção e que caracteriza essas rodadas de leilões é o fato de que a grande maioria dos blocos foi adquirida exatamente por petroleiras multinacionais, conforme aponta o mapa 02.
Mapa 02: Campos de produção e blocos de exploração com suas concessionárias nas bacias de Campos e Santos*:
Observando o mapa 02, nota-se que na 15° rodada de concessões, dos 12 blocos mapeados, a Petrobras tem participação em apenas quatro (C-M-657 e C-M-709 como operadora e C-M-753 e C-M-789 como membro do consórcio) os outros oito foram adquiridos por consórcios que contam unicamente com petroleiras multinacionais como Repsol, Chevron, ExxomMobil, Shell, QPI, etc.
O mesmo processo se repete na 16° rodada, em que os 12 blocos apontados no mapa 02 no entorno do polígono do pré-sal a Petrobras participa como operadora apenas de um (C-M-447). Os demais 11 blocos foram adquiridos por consórcios formados novamente pelas grandes petroleiras multinacionais.
A participação das petroleiras multinacionais vem sendo crescente na indústria petrolífera brasileira, basicamente em função da alteração de marcos regulatórios e em função das medidas adotadas pelas últimas gestões da Petrobras que consiste no desmonte/privatização da companhia e na diminuição dos seus investimentos.
Quanto às alterações das regulamentações tem-se como exemplo a alteração da lei do regime de partilha em 2016. A lei 12.351 do regime de partilha foi criada em 2010. Ela, além de delimitar o polígono do pré-sal, estabelecia, dentre outras coisas, novas regras para leilões de blocos para as áreas do pré-sal no interior do polígono, como a exigência de que a Petrobras fosse à petroleira operadora dos contratos com uma participação de no mínimo 30% sobre as áreas licitadas.
Em 2016, depois do golpe, o então senador José Serra propôs um projeto de lei, que posteriormente foi aprovado (lei nº 13.365, de 29 de Novembro de 2016) que retirou a cláusula de obrigatoriedade de participação da Petrobras no regime de partilha. Nesse sentido, as multinacionais passaram a ter maior acesso ao interior do polígono do pré-sal após 2016 (rodadas 03, 04, 05 e 06 de partilha) como demonstra o mapa 02.
Por outro lado, a diminuição da participação da Petrobras nos leilões, em especial na 15° e na 16º rodada, se justificam, dentre outras coisas, devido à queda dos investimentos da companhia. Por exemplo, em 2013 a companhia teve, segundo seus relatórios administrativos, um investimento de 104,4 bilhões de reais, em 2018 o investimento caiu para 49,37 bilhões de reais. Uma queda de 52,7% nos investimentos em cinco anos. Esse fator também se apresenta como sendo uma justificativa para a crescente participação das multinacionais.
Vale lembrar ainda que se soma e esses processos, as privatizações realizadas pelas últimas gestões da Petrobras. Dentre as várias vendas realizadas, pode-se citar como exemplo a venda da participação no BM-S-8 (rodada 02) no polígono pré-sal onde a Petrobras vendeu seus 66% no bloco para a Equinor.
O crescimento das multinacionais no circuito do petróleo é um processo que vem se expandindo no contexto das políticas neoliberais no Brasil e tem ultrapassado as atividades de produção e exploração. Entretanto, focando somente nas atividades de produção e exploração na presente ocasião, quando olhamos para as bacias de Campos e Santos, nota-se que as multinacionais têm buscado aumentar suas participações não somente no interior do polígono do pré-sal, na picanha azul, mas principalmente no seu entorno conforme demonstra os resultados dos últimos leilões da ANP (rodadas 15 e 16) conforme aponta o mapa 02.
Esse entorno que começa a dar sinais concretos da possibilidade da existência de importantes reservas de petróleo com o poço pioneiro do bloco C-M-657 anunciado pela Petrobras. Vale ressaltar que a possibilidade de ocorrência de petróleo no pré-sal, para além dos limites do polígono do pré-sal já era apontada por geólogos como Marco Antônio Pinheiro Machado em seu célebre livro Pré-sal: A saga. Marco Antônio aponta que isso seria possível em função das características geológicas da plataforma continental e também em função da capacidade migratória do petróleo no interior das rochas.
Sendo assim, “novas” descobertas no pré-sal fora do polígono do pré-sal (picanha azul) podem vir a ocorrer nos próximos anos. Essas que serão não mais realizadas pela Petrobras, mas pelas multinacionais que estão passando a controlar cada vez mais as áreas exploratórias do Brasil, inclusive nas áreas do pré-sal para além do polígono.
Além disso, é importante ressaltar que o próprio polígono vem perdendo sua importância que era de delimitar a área de regulamentação do regime de partilha, afinal, o regime foi alterado conforme demonstrado. Nesse sentido, pode-se concluir que o pré-sal pode está passando por uma importante transformação que consiste essencialmente no crescimento do setor privado sob o controle do mesmo.
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