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    Impeachment à brasileira: cai quem as elites querem que caia

    Em 30 anos, quatro situações de impeachment: Collor, Dilma, Temer e Bolsonaro. Só caiu quem as elites quiseram, explica o sociólogo Marcos Coimbra: "cai quem as elites querem que caia, fica quem elas querem que fique"

    (Foto: Divulgação)
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    Por Marcos Coimbra

    Nossa história nos está dando uma oportunidade única: ver, através de casos concretos, todos recentes, o que pensam e como atuam as elites brasileiras – os muito ricos, a cúpula dos Poderes, os chefes militares, os barões da imprensa e sua turma – em relação à instituição do impeachment presidencial. Por extensão, como se comportam e quanto prezam as instituições democráticas, de forma geral.

    Em trinta anos, o sistema politico lidou com quatro situações de impeachment, o que é, provavelmente, um recorde mundial. Dois foram concluídos, com as destituições de Fernando Collor e Dilma Rousseff. Um foi rapidamente abortado, quando Michel Temer sobreviveu a uma denúncia de extrema gravidade, pior que as enfrentadas por seus dois antecessores. Nem Collor havia sido flagrado armando jogadas com um corruptor confesso.     

    O outro é o que estamos vivendo agora, com a crescente pressão pelo impedimento do capitão Bolsonaro. Um presidente lastimável, à frente de um  governo, se é que se pode assim chamá-lo, que boa parte do País considera o pior que tivemos. 

    Fiquemos com os casos de Dilma e Bolsonaro. O primeiro se transformou em um processo que terminou com a deposição da presidenta, com todos os salamaleques ao ritualismo. O atual não vai dar em nada e seu resultado será a manutenção do capitão no poder, com o que daí decorre. 

    Por que a diferença? 

    A resposta é simples: cai quem as elites querem que caia, fica quem elas querem que fique. Quaisquer que sejam as justificativas públicas e os motivos secretos. 

    Comparando o impeachment de Collor com o de Dilma, vemos que o componente “pressão das ruas”, em si, pouco explica. Em relação ao primeiro, o processo nasceu fora do sistema politico e estava assentado em algo que dispensava interpretações e explicações: uma suspeita de desonestidade pessoal. A maioria do País convencera-se de que ele era um ladrão e, antes de qualquer CPI ou julgamento no Congresso, Collor estava condenado por um pecado capital. 

    A ausência desse elemento na deposição de Dilma é tão óbvia que dispensa demonstração. Basta lembrar que a articulação que a derrubou teve que mandar fabricar um motivo, achando-o na denúncia de “pedaladas fiscais”, algo que quase ninguém sabia o que eram e que aqueles que as conheciam concordavam que nada tinham de criminosas. Todos os presidentes que a antecederam “pedalaram” na gestão do orçamento e nenhum depois deixou de fazê-lo. 

    Vemos, portanto, que a “gravidade dos crimes” atribuídos aos presidentes tampouco tem a ver com o desfecho do processo. As culpas de Collor eram claras e ele caiu. As de Temer também, mas ele ficou. Dilma foi derrubada apesar de culpas tão obscuras que, até hoje, os agentes do golpe precisam recorrer à tese do “conjunto da obra” (os “fatos indeterminados”) para justificá-lo. 

    Primeira lição da história: a “pressão das ruas” não define nada. Um impeachment, no Brasil, pode ocorrer em resposta ao que a maioria da população deseja ou acontecer sem que ela sequer saiba o porquê. É perfeitamente possível criar ou dirigir sentimentos e transformá-los em “exigência popular”. 

    Segunda lição: haver ou não “crimes de responsabilidade” é irrelevante. Presidente virtuosos caem, criminosos permanecem. 

    O capitão Bolsonaro, em matéria de crimes de responsabilidade, é um criminoso serial. Os que entendem do assunto listam mais de 50 exemplos de ofensas à legislação que cometeu, qualquer uma delas mais grave que as tais “pedaladas”. O “conjunto” de sua “obra” é calamitoso, somando a mortandade à debacle administrativa de um governo incapaz. 

    Mas ele não cai, pois nossas elites não querem que caia. 

    Engana-se quem supõe que Bolsonaro sobrevive por sua adesão oportunista à agenda neoliberal. Seu vice, tão lastimável quanto ele, estaria pronto a rezar por catecismo idêntico.

    Ele não caiu e, pelo que temos hoje, não vai cair, por outra razão. Daqui a um ano e pouco, vamos fazer (parece) uma nova eleição, que, outra vez, tende a ser entre direita e esquerda. Vimos, em 2018, no auge da campanha contra Lula e o PT (e enfrentando um adversário que se beneficiava de ser pouco conhecido), que Fernando Haddad só foi derrotado mediante trapaças. Em 2022, o mais provável candidato da esquerda voltará a ser do PT. 

    Nossa elite topa tudo de Bolsonaro porque ganha dinheiro, mas, principalmente, porque não sabe se poderá prescindir dele para permanecer no poder. Teme, com razão, que os candidatos que se oferecem para representá-la sejam ruins demais. Se o capitão conseguiu vencer o PT, quem sabe não conseguiria de novo?  

    Ninguém gosta de Bolsonaro, salvo meia dúzia de idiotas. Mas nossa elite desconfia que pode precisar dele. Enquanto pensar assim, Bolsonaro fica. E que se danem a democracia e os interesses da coletividade. 

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