Juruna, da Força: “Nenhum direito trabalhista foi suprimido”
Em meio à onda de protestos das centrais sindicais contra a proposta de reforma trabalhista de Michel Temer, o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, surgiu como um dos primeiros a sair em defesa do que ele considera aspectos das medidas; "A proposta é positiva e encerra importantes desafios para todas as entidades sindicais. No principal, as medidas, agora apresentadas na forma de projeto de lei, e não mais como medida provisória, o que é muito saudável, consagra o princípio da negociação direta entre trabalhadores e patrões para a feitura de contrato coletivos", disse Juruna em entrevista ao BR2pontos
Marco Damiani, do BR2pontos - Em todas as manifestações sindicais ao longo deste ano, a palavra de ordem que uniu as centrais sindicais foi: “nenhum direito a menos”. O mote nunca foi tão atual, dada a proposta do governo que vai sendo chamada de minirreforma trabalhista, apresentada oficialmente ontem, em Brasília, pelo presidente Michel Temer.
A CUT classificou a iniciativa de ‘autoritária’ e ‘ineficaz’, enquanto o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, avaliou que “a maioria das propostas é positiva”. Pela CSB, o presidente Antônio Neto julga que a proposta não traz mudanças tão profundas a ponto de ser chamada de reforma. “Não vejo uma reforma trabalhista”, disse ele.
“Apenas a legitimação de acordos que já acontecem e, muitas vezes, são derrubados pela Justiça”. No campo da UGT, houve regozijo pelo fato de a entidade ter se posicionado, à primeira hora, contra a forma inicial que o governo escolheu para apresentar sua proposta, em medida provisória (MP).
Diante do modelo, o presidente Ricardo Patah disse que os trabalhadores estavam recebendo do governo “uma bomba natalina”, em lugar de um presente, como se poderia esperar pela época do ano. Após o recuo do presidente Michel Temer em fazer a MP e transformar seu conteúdo em projeto de lei, com pedido de urgência na tramitação no Congresso, Patah aquiesceu: “Essa foi uma decisão prudente e sensata”.
Em meio a esses posicionamentos, o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, surgiu como um dos primeiros a sair em defesa de aspectos pontuais da proposta do governo.
Ao BR:, a respeito do tema, Juruna deu a seguinte entrevista:
BR: Afinal, essa proposta do governo serve ou não serve aos interesses dos trabalhadores?
JURUNA: A proposta é positiva e encerra importantes desafios para todas as entidades sindicais. No principal, as medidas, agora apresentadas na forma de projeto de lei, e não mais como medida provisória, o que é muito saudável, consagra o princípio da negociação direta entre trabalhadores e patrões para a feitura de contrato coletivos. Esse modelo aumenta a importância do papel dos sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais nas relações trabalhistas. Teremos de nos aproximar cada vez mais de nossas bases, estarmos tecnicamente mais preparados, sermos mais formuladores e propositivos. Mobilização forte e bons argumentos passam a ocupar o primeiro plano da cena. A era do paternalismo estatal, que provocou, historicamente, muita acomodação, chega ao fim. Isso serve sim ao interesse dos trabalhadores.
BR: Os sindicatos estão preparados para sair de uma situação de maior proteção para uma luta que poderá ser muito desigual, em razão do poderio do patronato e da própria crise econômica?
JURUNA: As entidades sindicais que estão verdadeiramente ligadas a suas bases, em constante interação, sim, estão preparadas. Por outro lado, aquelas que, como se diz na gíria, se encastelaram e se apelegaram, não, e agora terão de correr para tirar essa diferença. Já deveria ter passado o tempo do sindicalista que mal é conhecido por sua categoria, que faz apenas o sindicalismo cartorial e não mantém canais permanentes de comunicação com os trabalhadores. As mudanças propostas tornam essa travessia irreversível. Na minha opinião, não existe sindicato pequeno ou grande porque todos estão ligados à sua federação, confederação e central sindical. Mexeu com um, mexeu com todos.
BR: O movimento do governo não é muito abrupto, ainda mais porque feito por um presidente e uma equipe cuja legitimidade é questionada por muitos?
JURUNA: Pode-se gostar ou não de Michel Temer, mas há uma realidade: ele é o presidente, reconhecido por todos os escalões da Justiça e pelo Congresso. Há o movimento pelo ‘Fora Temer’, existem os protestos, pressiona-se pela renúncia e por eleições diretas, mas, neste momento, e nos últimos sete meses, é Temer quem chefia o Poder Executivo. E o que ele fez nesse período? Chamou as centrais para dialogar. Isso é um fato, não é um juízo de valor. Já fizemos nesse período mais reuniões com o presidente e seu primeiro escalão de governo do que em todos os cinco anos e pouco dos dois governos de Dilma Rousseff. Desse diálogo saiu uma PEC muito ruim, da qual praticamente nada é aproveitável, que é a PEC da Previdência, mas também saíram essas medidas trabalhistas que podem sim fortalecer o movimento dos trabalhadores.
BR: Em que ponto específico isso acontece?
JURUNA: A proposta de formalização do delegado sindical atende a uma reivindicação histórica do sindicalismo brasileiro. Nós passamos décadas transformando cipeiros (trabalhadores eleitos para participar das comissões de segurança das empresas) em nossos principais ativistas, dando-lhes o papel do delegado sindical que nunca existiu legalmente. Agora, nessa proposta, está estabelecida a figura do delegado sindical. Quem pode ser contra isso? Quem tem medo de que os trabalhadores elejam dentro das fábricas, das empresas, dos bancos, enfim, em todos os setores, seus delegados? Eles serão um poderoso elo de ligação entre os sindicatos e as bases, ajudarão na feitura e no cumprimento dos contratos coletivos a serem assinados, irão atuar na redução de conflitos trabalhistas, até a Justiça será desafogada se, por meio do delegado sindical, questões do dia-a-dia forem resolvidas no entendimento direto com os patrões e seus representantes. É um avanço enorme. Isso tem de ser destacado.
BR: Ao mesmo tempo, porém, a CLT fica para trás, justamente pela prevalência do negociado sobre o legislado. Não se tem aí um salto no escuro para o trabalhador?
JURUNA: Eu pergunto: qual direito fundamental garantido pela CLT está sendo suprimido pelas medidas propostas pelo governo? Me desculpem os críticos, mas a verdade é que nenhum direito fundamental está sendo cortado. Nenhum, repito. O governo deixa claro no projeto de lei, como já estava divulgado no texto da medida provisória, que o 13º salário, o FGTS, as férias, o descanso semanal remunerado e a licença maternidade e paternidade são intocáveis. Não há o risco de esses direitos serem suprimidos numa negociação direta em que os trabalhadores estejam desmobilizados e os patrões muito fortes. Isso não será objeto de negociação. É a maior garantia que poderíamos ter. Tudo, repito, tudo passará pela decisão dos trabalhadores, em assembleias comandadas pelo sindicato. Se não fosse assim, eu estaria contra, mas acontece que está no projeto que esses direitos são inalienáveis e não serão alvo de negociação. Fica contra quem tem medo ou não tem competência para negociar, quem não sabe ou não quer mobilizar.
BR: O conceito do negociado sobre o legislado não pode causar retrocessos em lugar de avanços, ainda que os direitos fundamentais estejam garantidos?
JURUNA: Retomando a história recente, quem sempre defendeu esse princípio foram os sindicatos dos metalúrgicos, especialmente os do ABC e o de São Paulo, do qual sou vice-presidente. Isso acontece porque a gente sabe, a gente vê na prática, que muitos acordos que conseguimos fechar são melhores do que o que está na CLT. Para categorias mobilizadas, a CLT chega a ser um limitador, além de acomodar o dirigente. Negociar é salutar. E para uma boa negociação sempre será preciso ter uma base forte, organizada, atenta. Realmente, sem isso, a tendência é o patrão ganhar todas. Ainda assim, porém, dadas as garantias sobre os direitos fundamentais, temos muito mais a ganhar do que a perder.
BR: O sr. teme que as negociações, em razão da pressão do desemprego, que enfraquece as mobilizações, resultem em jornadas de trabalho extensas demais, sacrificantes para o trabalhador?
JURUNA: Não. Outra vez, neste ponto, há a garantia de que a jornada de trabalho não poderá, em nenhum caso, exceder ao atual limite de 44 horas semanais e 220 horas mensais. Para ganhar um sábado de folga, haverá casos em que o trabalhador poderá topar trabalhar uma ou duas horas a mais num dia da semana, mas ter a sua compensação naquele sábado totalmente livre. Vai passear com a família, vai jogar bola com os amigos, vai curtir ficar em casa, enfim, vai usar o tempo como melhor lhe aprouver. Isso é ruim? Por outro lado, temos de aprofundar a análise sobre a questão das horas extras, mas, de saída, foram espantados fantasmas como a jornada de 12 horas ininterruptas ou a jornada flexível, na qual o trabalhador ficaria à disposição da empresa sem ser remunerado por isso. Conseguimos derrubar isso nos debates que travamos nesses últimos meses, tanto no Palácio do Planalto como no Ministério do Trabalho.
BR: As medidas surpreenderam?
JURUNA: À medida em que elas vinham sendo negociadas com transparência e publicidade, não. Sempre que fomos para Brasília conversar, toda a imprensa deu cobertura. As coisas foram feitas às claras. É claro que, numa certa hora, o governo se recolhe e fecha a sua proposta. Ele tem essa prerrogativa. E foi o que aconteceu. Pelo nível de boatos e rumores que a cercaram, do meu ponto de vista o conjunto de medidas é positivo. Reconheço que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, cumpriu um papel importante nesse processo. À medida em que, de fato, nenhum direito fundamental foi suprimido, ele cumpriu com a palavra empenhada.
BR: O que a Força Sindical vai fazer agora?
JURUNA: Foi uma vitória de todas as centrais a transformação do que era para ser uma medida provisória num projeto de lei. Ganhamos espaço para discutir, debater, propor melhorias. É o que faremos. Já no início de janeiro deveremos ter reuniões amplas para discutir as medidas em profundidade e, após o debate democrático, marcar nossa posição. Esse processo promete ser muito saudável, vai promover uma evolução para cada um de nós e para o sindicalismo como um todo. Quanto mais o trabalhador da base for envolvido nisso, melhor para todos. A luta continua.
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