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    "Matar e quebrar urnas": evangélico líder de motociata incentiva crimes no Telegram

    Áudios de Jackson Villar foram gravados no grupo Nova Direita, investigado pelo TSE por difundir desinformação

    Jackson Villar e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Redes sociais)

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    Por Thiago Domenici, Agência Pública -  Tão logo terminou a contagem de votos do primeiro turno em 2 de outubro, um grupo de extrema direita no Telegram chamado “Nova Direita 70 milhões”, com 182 mil membros, começou uma articulação sobre como atuar para reverter uma possível vitória de Lula no segundo turno.

    Parte das conversas realizadas em chats do Telegram entre os dias 3 e 23 de outubro foi gravada por uma fonte que pediu para não ser identificada. Nas gravações analisadas pela Agência Pública, destaca-se Jackson Villar da Silva, evangélico que se intitula comerciante, radialista, conservador, presidente do “Acelera Para Cristo” e organizador da motociata com o presidente Jair Bolsonaro em junho de 2021, quando reuniu motociclistas em um percurso de 130 km que partiu de São Paulo até Americana, no interior.

    Da zona sul de São Paulo, Villar costuma descrever o evento como “a maior motociata do mundo” — o que gerou uma investigação do Ministério Público Estadual por ter ocorrido sem segurança sanitária, durante a pandemia. O evento teria custado aos cofres públicos R$ 1 milhão, envolvendo 1.900 PMs e três helicópteros. À época, Bolsonaro disse que a motociata serviria para “enaltecer os valores da família, o patriotismo e em parte para defender o governo”.

    As gravações

    Ao longo dos registros obtidos pela reportagem, Villar propõe uma espécie de “eleição paralela”, em que diz que vai provar “fraude nas urnas”. “Só não pode falar que vai provar a fraude. Se falar isso aí os caras vão derrubar o canal. Tem que ser uma coisa sutil, com sabedoria, entendeu?”, diz nos chats.

    Mas Villar vai além em suas declarações. Ele insinua a necessidade de cometer crimes diante do cenário desfavorável ao seu candidato, Jair Bolsonaro. Ele fala, por exemplo, sobre a necessidade de “quebrar esquerdistas no cacete”, conclama seus seguidores a “quebrar a urna eletrônica no pau” e afirma que “cientista político tem que apanhar”.

    Em certo momento, em resposta a Villar, que havia sugerido quebrar as urnas, um dos participantes, que se identificou como pastor Wellington Fontes, de Rondônia, diz que depredar o patrimônio público configura o cometimento de um crime. “A gente tem que tomar cuidado”, diz o pastor. Villar se contradiz ao responder a ele. “Você desculpa, mas cê tá errado pastor. E ninguém está falando aqui em quebrar nada, depredar nada, não. Acabar é eliminar de uma vez por todas a urna. Essa urna eletrônica ninguém acredita muito.”

    Villar cometeu também discrimação e preconceito contra o povo baiano, a quem se referiu como “descarados e vagabundos” por terem votado em sua maioria no candidato petista — Lula obteve 67% dos votos contra 24% do candidato do PL no estado. “Baiano é gente boa, mas ele é meio descarado. É falso. Eu conheço a natureza do baiano, o negócio dele é se requebrar”, diz o empresário, que já foi cantor gospel.

    As falas violentas de Villar sugerem ainda a um bolsonarista como lidar com quem vota em Lula: “Você tem que falar assim: ‘Os cara vão te ‘passar’ [expressão para matar], os cara vão caçar todo mundo que é petista. Você vai convencer uma alma sebosa com o medo, entendeu? Ele só respeita o cacete’.

    Procurado pela reportagem, Jackson Villar não retornou até a publicação.

    Caso Roberto Jefferson

    Já no último final de semana, Villar se revoltou com o episódio da resistência à prisão de Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB, que atirou com fuzil e jogou granadas em policiais federais.

    Mas a revolta era contra Alexandre de Moraes (STF), que ordenou a prisão de Jefferson por infringir diversas vezes as condições estipuladas para a sua prisão domiciliar. Villar pediu aos berros em um áudio que seus seguidores no Rio de Janeiro fossem defender Jefferson na frente de sua casa: “Tem que mandar prender o Xandão”. “Eu quero ver petista preso, quero ver Xandão na cadeia, esse filho da puta na cadeia”, esbravejou.

    Diante da situação, outro membro do grupo que não pôde ser identificado pela reportagem ameaçou depois de ter ouvido Villar dizer que o “Exército tem que prender os policiais federais”: “A vontade que eu tenho é de meter bala na cabeça do Xandão, só não tive oportunidade ainda”. Villar responde: “Se matarem o Roberto Jefferson, isso vai respingar no Bolsonaro violentamente”.

    Villar, que usa constantemente o verniz religioso em suas mensagens, já exaltou a ditadura militar em suas redes, que somam mais de 500 mil seguidores. Nelas, ele já divulgou um vídeo em que fala em “derramamento de sangue indígena”, situação que fez a Polícia Federal abrir um inquérito “para apurar possível prática de crime de ameaça a indígenas”.

    Durante as reuniões nos chats do Telegram, Villar afirma ser próximo a Bolsonaro e de membros do governo. “Quando chegar a um milhão no grupo vou chamar o Tarcísio, vou chamar Bolsonaro. Isso vai virar uma onda pras pessoas entrarem nesse canal. Eu tenho acesso a eles, eu tenho o zap deles aqui, do Eduardo [Bolsonaro], todo mundo.”

    Foi durante a motociata organizada por ele no ano passado que o empresário gravou vídeos com Tarcísio Gomes de Freitas e Ricardo Salles, que naquele momento ainda eram ministros do governo Bolsonaro (Infraestrutura e Meio Ambiente, respectivamente).

    Ele posou ao lado do próprio presidente, a quem já teve que pedir desculpas aos prantos, após criticá-lo nas manifestações de 7 de Setembro de 2021, quando Bolsonaro escreveu um comunicado dizendo que não tinha intenção de “agredir quaisquer dos Poderes” da República. “Eu não acredito em Bolsonaro mais, pode me chamar de traidor, do que quiser”, falou na ocasião. As mágoas, no entanto, teriam ficado no passado.

    Hoje, Villar administra ao menos quatro grupos no Telegram favoráveis ao presidente: “70 Milhões eu voto em Bolsonaro Nova Direita”, com 182 mil membros; “70 Milhões 2 voto no Bolsonaro Nova Direita”, com 22 mil membros; Canal Nova Direita #70Milhões #OBrasilemBrasília, com 20 mil membros e “Carta do Bolsonaro”, com pouco mais de 1.700 membros. No total, seus grupos somam mais de 225 mil membros.

    Gabinete do ódio

    Em 2018, Villar já havia tentado vaga como deputado federal pelo PROS, mas não se elegeu — o PROS estava coligado com o PT na ocasião. Nestas eleições, o empresário evangélico tentou novamente concorrer a uma vaga de deputado federal pelo partido Republicanos. Ele angariou apoio nas redes da senadora eleita Damares Alves, gravou propaganda eleitoral ao lado do candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, mas teve a pré-candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral.

    Nas redes, ele diz que o PT foi o culpado pela impugnação de sua campanha. “O PT impugnou minha campanha com acusações falsas! Mas a gente não se deu por derrotado! Vamos pra cima deles com mais força ainda!”. Mas, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), ele teve o registro indeferido a pedido do Ministério Público Estadual por não apresentar certidões e declarações necessárias ao processo de candidatura e por omissão na prestação de contas das eleições de 2018.

    Hoje, o canal de Villar no Telegram com mais membros está entre os 81 citados na decisão em caráter liminar proferida pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, no último dia 18 de outubro.

    É a mesma decisão que abriu investigação para apurar a existência de uma suposta “rede de produção de desinformação”. Gonçalves citou indícios de uma atuação “massificada” para disseminar fake news contra o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

    O próprio ministro Alexandre de Moraes, que preside o TSE, afirmou sobre a decisão que “as medidas dizem respeito a duas dúzias de pessoas que vêm sendo investigadas há três anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exatamente porque fazem isso. Porque montaram um chamado ‘gabinete do ódio’”.

    Ao saber do ocorrido, ainda no dia 18 de outubro, Villar passou a convocar seus seguidores para um novo grupo do Telegram. “Novo grupo… da Nova Direita, TSE está tentando derrubar o nosso canal. Entre nesse link agora antes que derrubem nosso grupo.” E reforçou: “TSE está tentando nos calar, quer derrubar nosso canal. Estamos no caminho certo”.

    Voto impresso

    O “caminho certo”, na avaliação de Villar, está centrado na tentativa de reunir “70 milhões de patriotas que votaram em Bolsonaro” no grupo do Telegram. “E aí Deus que inspirou hoje de manhã [4 de outubro] no canal porque lá é infinito duzentas mil, o canal é infinito, lá cabe setenta milhões. Então vamos botar todo mundo do canal e eu vou entregar pro presidente o canal”, prometeu.

    Villar tem um parceiro na empreitada, a quem chama de “secretário”. É o pastor Guilherme Lessa, que já foi candidato à prefeitura de Belém (PA) em 2020, pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC), e candidato não eleito a deputado federal em 2018. Há duas semanas eles estão colhendo assinaturas para o que chamam de “Manifesto popular de vontade própria do povo brasileiro em apoio ao presidente Bolsonaro candidato à reeleição”.

    Ambos organizaram um evento em Brasília nos dias 15 e 16 de outubro, que também contou com uma motociata na capital federal — essa sem a presença de Bolsonaro —, onde fizeram coleta de assinaturas a favor do voto impresso. No dia 23 de outubro, em frente à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em São Paulo, também houve coleta de assinaturas.

    Na avaliação de ambos em mensagens nos grupos, colocar 70 milhões de usuários no Telegram e colher assinaturas de eleitores que teriam votado em Bolsonaro no primeiro turno é o caminho que provaria que as urnas não são confiáveis, uma linha narrativa criada pelo próprio presidente da República refutada como mentirosa diversas vezes. Nesta semana, novamente, Bolsonaro afirmou que “é impossível dar selo de credibilidade” ao sistema.

    O TSE disponibilizou nestas eleições uma página sobre notícias falsas relacionadas à urna eletrônica. Segundo diversos especialistas e auditores, a Justiça Eleitoral utiliza o que há de mais moderno em termos de segurança da informação para garantir a integridade, a autenticidade e o sigilo do voto.

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